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NOTÍCIA
Introduzidas na década de 90 no sistema educacional brasileiro, noções de competências e habilidades ainda não se consolidaram nas escolas
Publicado em 31/10/2011
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Definições
A pesquisadora Bernadete Gatti, da Fundação Carlos Chagas (FCC), lembra um princípio fundamental sobre a definição dos termos: não há competências e habilidades sem conteúdos. “A habilidade não existe em si, no espaço. Ela é decorrência de uma ação da pessoa sobre o mundo”, esclarece. Para Bernadete, a interação entre as duas capacidades e o conhecimento se dá nos seguintes moldes: são decorrências do trabalho que a criança faz (intelectual ou prático) para tomar escolhas, fundamentar seus atos, resolver situações e tomar decisões. Ela exemplifica: para o aluno resolver situações-problema, é necessário que ele tenha conhecimentos de física, química ou biologia, e saiba associar os conteúdos à atividade prática. “A discussão abstrata causou um mal muito grande, ficou mal colocada. E não era essa a intenção dos primeiros formuladores do Enem”, opina.
Em 1962, no livro Obra aberta, o filósofo italiano Umberto Eco introduziu justamente a ideia de que a partir de interpretações sucessivas, pode-se produzir um conhecimento genérico sobre determinado conceito e até o falseamento de sua concepção original. Para Bernadete, a discussão sobre competências e habilidades caminhou nessa direção. “Você tem pessoas das áreas de economia e administração, por exemplo, que se apropriaram do conceito de forma simplificada, operacional, que não corresponde à teorização da psicologia cognitivo-social sobre esse assunto”, explica. “Quando caímos na ideia de operacionalização e em querer transformar tudo em coisas factuais ou objetiváveis, as ideias perdem um pouco o sentido”, aponta.
A palavra “competência” deriva de “com” e “petere”, que em latim significa “pedir junto com os outros, buscar junto com os outros”. A definição sobre o que são, de fato, as competências e habilidades é objeto de disputa na literatura acadêmica. Com outros colegas, Ricardo Primi, doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela USP e coordenador do Laboratório de Avaliação Psicológica e Educacional (LabAPE) da Universidade São Francisco, analisou, em 2001, o embasamento teórico do Enem, comparando-o aos modelos contemporâneos de inteligência humana sob a ótica da psicometria e da psicologia cognitiva.
Primi constatou que a matriz da avaliação parte de uma visão de psicologia batizada por ele de “piagetiana”, e que não corresponde à área da psicologia cognitiva teorizada por Richard E. Snow e David F. Lohman, entre outros autores. Isso porque, para o Enem, competências são “modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer”. Já as habilidades “decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do saber fazer. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências”.
Mais concepções
O Saeb trabalha com uma visão semelhante. O documento “Saeb 2001: Novas Perspectivas” retoma o conceito de competências do sociólogo suíço Philip Perrenoud, principal artífice da introdução desses conceitos na escola: “competência é a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiando-se em conhecimentos, mas sem se limitar a eles”. Ainda para o Saeb, as habilidades se referem ao “plano objetivo e prático do saber fazer e decorrem, diretamente, das competências já adquiridas e que se transformam em habilidades”. As definições dialogam com a teoria do epistemólogo e educador suíço Jean Piaget, segundo a qual a construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou mentais sobre os objetos.
Enquanto isso, a área da psicologia cognitiva referenciada por Primi traz a ideia de “capacidades”, que representam o potencial de uma pessoa para lidar com determinadas informações e linguagens. A competência seria um estado de maestria, em que as capacidades são cristalizadas e atualizadas por meio dos processos de aprendizagem (aqui entram os conteúdos curriculares), o que resultaria na aquisição de conhecimento. Por exemplo: a capacidade de visualização, que corresponde à capacidade de representar conceitos visualmente e de operar com os mesmos mentalmente. “Se você a tem, se ela foi desenvolvida, terá uma competência em matemática”, explica Primi.
É preciso agregar outro elemento ao embate em torno da definição dos termos. Na década de 80, eles foram apropriados também pelo mundo corporativo. Como lembra Silza Maria Pazello, doutora em ensino na educação brasileira pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), à época, o ambiente do trabalho era visto como um modelo de sucesso, o que levou à ideia de que “ter só conhecimento não era suficiente; era preciso aplicá-lo na prática”. Foi justamente essa a ideia que aterrissou no Brasil em 1996, quando os princípios foram adotados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), com o apoio de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
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Uso do GPS no ensino de geometria estimula capacidade de expressão |
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Cálculos com conceitos como comprimento podem desenvolver competência de compreensão da realidade |
Caminhos possíveis
O preenchimento do espaço entre as competências e habilidades e os conteúdos curriculares pode ser levado a cabo pelos professores a partir de algumas ideias. Machado sugere que o professor elabore uma lista de ideias fundamentais de cada conteúdo a ser ensinado. “Para saber o que é fundamental, seleciono conteúdos que podem ser explicados em linguagem ordinária e aqueles que articulam diversas disciplinas”, explica. Seguindo esse raciocínio, a ideia de proporcionalidade na matemática seria fundamental, porque pode ser usada para explicar frações e semelhanças entre triângulos, por exemplo. “No buraco entre as competências e habilidades gerais, precisamos nos ater ao que é fundamental. É através do fundamento que se estabelece essa ligação. Mas também é preciso aproximar o aluno do que está sendo ensinado”, continua.
Nesse sentido, ele recomenda a leitura do documento do programa Ensino Médio Inovador, que traz a ideia da criação de centros de interesse para os estudantes. São quatro os temas que podem auxiliar o docente na tarefa de aproximar crianças e jovens da escola: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. “Ainda sobre a proporcionalidade, o professor pode usar o GPS para ensinar geometria e fazer a ponte para o desenvolvimento da capacidade de expressão”, diz, já que o aparato exige que a aula seja desenvolvida em grupo.
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Nílson Machado, da Feusp: teoria sobre o assunto não se institucionalizou |
Mônica reforça a ideia de que as competências e habilidades só podem ser desenvolvidas através de situações de aprendizagem como esta. Mais um exemplo: na aula de geografia, podem-se discutir questões ligadas à posse de terra (para desenvolver a competência de debater e argumentar), enquanto o professor de biologia pode focar a mesma competência promovendo debates sobre a clonagem. “Não é o tema escolhido que desenvolve essas capacidades, e sim a situação proposta: o debate”, aponta. Outra sugestão: em uma aula de biologia, o professor pode analisar heredogramas (árvores genealógicas) para desenvolver a habilidade de argumentação. Ao mesmo tempo, pode usar textos de jornal sobre os baixos níveis de bem-estar das populações para ensinar a construção de argumentos a partir da estatística.
A educadora faz uma ressalva importante: as maratonas de exercícios e simulados não desenvolvem, em hipótese alguma, as habilidades exigidas pelas provas. Mônica reitera que é necessário rever as práticas pedagógicas, os materiais didáticos e o tipo de currículo predominante nas escolas. “Os conteúdos disciplinares são meios e não fins neles mesmos. Mas o quanto a nossa prática docente abre efetivamente espaço na sala de aula para a pergunta e a busca?”, questiona.
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Perspectiva histórica
A ideia de mobilização de conceitos no processo de aprendizagem não é nova na história da educação brasileira. Na década de 20, a Escola Nova, cujo embasamento teórico remete à teoria educacional do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey, já dava mais ênfase à ação do que à teoria. No artigo “Ensino e Avaliação em uma proposta para a formação de competências”, Silza Maria Pazello Valente explica que a experiência levava “os alunos a encontrarem um significado nos conteúdos escolares, à medida que a escola partia de suas motivações e interesses e não dos conceitos previamente estabelecidos”. Para tanto, escreve Silza, a criança deveria ser preparada, através do aprendizado da metodologia de resolução de problemas, a lidar com a mudança, a contingência, a incerteza de um futuro previsível.
O elo entre competências, habilidades e conteúdos
Confira um exemplo de como os conceitos podem se relacionar na prática
Competência: construir noções de grandezas e medidas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
Algumas das habilidades que compõem esta competência:
– Identificar relações entre grandezas e unidades de medida.
– Utilizar a noção de escalas na leitura de representação de situação do cotidiano.
Esta competência pode ser desenvolvida em atividades de matemática, geografia, física e biologia, articulando diferentes conteúdos:
Matemática: resolução de problemas incluindo desenho geométrico.
Geografia: em cartografia, no trabalho com mapas.
Biologia: estudo da relação superfície/volume e metabolismo energético, perda de calor corporal; divisão celular; representação geométrica /comparação de estruturas microscópicas e macroscópicas etc.
Física: problemas com interpretação e cálculos envolvendo as grandezas e conceitos físicos tais como comprimento, superfície, volume, densidade, vazão, pressão, velocidade angular, frequência, período, velocidade tangencial, aceleração e força centrípeta etc.
Fonte: Mônica Waldhelm, a partir da matriz de avaliação do Enem 2009