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Políticas Públicas

Ciclo da pobreza

Ao completar uma década, o Bolsa Família constata que a qualidade da infraestrutura das escolas que as crianças beneficiadas frequentam está abaixo da média nacional

Publicado em 04/01/2013

por Ensino Superior







Família do Rio Grande do Sul beneficiada pelo Bolsa Família

Quase 14 milhões de famílias brasileiras são beneficiadas hoje pelo principal programa do governo federal para a erradicação da pobreza. Mas, ao completar dez anos de existência, o Bolsa Família começa a olhar para as condições das escolas frequentadas por essas crianças. Atualmente são 15 milhões de crianças de 6 a 15 anos e quase três milhões de adolescentes entre 16 e 17 anos que têm a frequência escolar acompanhada. 


O recebimento da bolsa é atrelado à matrícula das crianças e jovens na escola, com o objetivo de transformar a condição social dessas famílias. Mas a inclusão dessas crianças e adolescentes à escola garante o necessário para que possam romper o ciclo da pobreza?


O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), gestor do Bolsa Família, está elaborando um levantamento para identificar a trajetória desses alunos, em parceria com o Ministério da Educação (MEC). Por meio do Censo Escolar, que identifica cada matrícula pelo CPF do estudante, a ideia é mapear o caminho desses alunos, inclusive depois que eles saem da escola. Os primeiros dados já indicam que o sistema de ensino, em muitos casos, não recebe de forma adequada as crianças beneficiárias do programa, que estão em situação de vulnerabilidade: nas escolas onde mais de 50% dos alunos matriculados são beneficiários do programa, a infraestrutura é inferior à média nacional.


Mapa da desigualdade
Em todo o país, 163 mil escolas recebem crianças e jovens que estão incluídos no Bolsa Família – em 60 mil delas, mais da metade das matrículas é de beneficiários do programa. Essas unidades, chamadas de maioria PBF (Programa Bolsa Família), foram alvo de um estudo desenvolvido pelo Departamento de Condicionalidades do MDS. Os resultados indicam que as escolas que recebem esses alunos em situação de pobreza têm a pior infraestrutura, considerando vários aspectos que são medidos pelo Censo Escolar.






Se entre o total de escolas brasileiras 51% têm acesso à rede de esgoto, nas que são “maioria PBF” o índice é de apenas 14%. Só 40% das unidades que atendem majoritariamente alunos cadastrados no Bolsa Família têm acesso a água potável, enquanto a média nacional é de 76%.


As condições desfavoráveis se estendem a outros equipamentos escolares: 12% das escolas maioria PBF têm quadra de esportes, contra 40% na média nacional. Apenas uma em cada quatro tem acesso à internet, índice que chega a 60% no total de escolas da rede pública. Menos de 30% têm laboratório de informática, quando 47% das unidades do Brasil já contam com esse equipamento. Além disso, menos de 20% têm biblioteca e só 2% contam com laboratório de ciências.


“Embora possamos ter situações atípicas de casos de sucesso quando nós temos esse cenário adverso de forma extensa – porque às escolas com pior infraestrutura se somam pais com nível de escolaridade baixo, pouca exposição à aprendizagem no ambiente familiar e uma situação de pobreza que não permite o acesso a bens culturais – as situações escolares são bem mais difíceis para essas crianças”, explica Daniel Ximenes, diretor do Departamento de Condicionalidades do MDS.


Ex-membro da equipe da Secretaria de Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, Ximenes é um dos responsáveis por esse banco de dados que está sendo formado cruzando-se informações dos cadastros dos programas sociais com o Censo Escolar.


Já se sabe onde essas escolas que atendem crianças em situação de pobreza e com sérios problemas de infraestrutura estão localizadas. No Cento-Oeste, apenas 2,2% das escolas são maioria PBF, no Sul 4,8%, no Sudeste 11,7% e no Norte 18,11%. Já no Nordeste, elas são maioria: 63,2% das unidades têm mais da metade dos alunos inscritos no programa. “Claro que a situação da escola pública em geral não é confortável, mas dentro desse grupo da escola pública, as que são maioria PBF são mais vulneráveis ainda”, aponta Daniel.


Uma parceria estabelecida entre MEC e MDS começa a tentar contornar o problema. As escolas com maioria PBF são priorizadas desde 2011 no programa Mais Educação, que garante recursos extras para desenvolvimento de atividades que viabilizem o ensino em tempo integral. “Essa primeira experiência com o Mais Educação foi muito forte porque permitiu chegar às escolas com contexto mais desfavorável. A partir disso é possível pensar uma política de infraestrutura, por exemplo, para essas escolas que possuem piores condições em diversos itens, direcionando os esforços em especial para aquelas que têm uma fragilidade maior”, acredita Ximenes.


Mais permanência
A vinculação do recebimento do benefício do Bolsa Família à frequência escolar trouxe benefício às crianças inscritas no programa. Se, em geral, os indicadores educacionais são sempre piores para o público mais pobre, o Bolsa Família conseguiu reverter essa lógica nos quesitos acesso e permanência. Enquanto no ensino médio a taxa de abandono foi de 10,8% em 2011, entre os adolescentes de famílias que recebem o benefício o índice foi 7,1%. No ensino fundamental, a média nacional de alunos que abandonaram a escola foi 3,2%, contra uma taxa de 2,9% entre os que  participam do programa.






Mas os mesmos bons resultados não se repetem quando o assunto é a aprendizagem. Considerando a condição das escolas que recebem esses alunos e o contexto social em que eles vivem, os resultados não poderiam ser muito diferentes. Enquanto a taxa de aprovação do ensino fundamental em 2011 ficou em 86,3%, entre os alunos do Bolsa Família o patamar foi de 83,9%. Já a distorção idade-série para o ensino médio é menor entre os estudantes do Bolsa Família (18,5%), em  comparação à média nacional (36,3%).


“De fato a principal contribuição que o Bolsa Família coloca para o setor educacional é garantir, monitorar e apoiar a inclusão e permanência na escola. Com o tempo, esses meninos persistem mais na escola e aí conseguem a progressão escolar. Mas o Bolsa Família não tem como interferir na qualidade da educação, pelo menos não de forma central. Isso é próprio da política educacional”, aponta Ximenes.


Pesquisador dos efeitos do programa Bolsa Família e da desigualdade social no país, o professor de sociologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Jessé Souza, defende que é uma grande ilusão acreditar que a escola pode, sozinha, romper o ciclo da pobreza. O maior desafio é combater a vulnerabilidade social em que essas crianças e jovens se encontram, contexto que dificulta a aprendizagem e a trajetória escolar.


“A escola não é a salvação, nem mesmo o dinheiro que as famílias recebem é a salvação. Essas crianças de classe baixa chegam perdedoras à escola porque antes disso, na socialização familiar, elas não desenvolveram uma série de capacidades psicossociais”, aponta Souza.  A autoestima necessária para aprender e o estímulo familiar são carências dessas famílias que podem levar a escola a ser uma continuação da situação de vulnerabilidade. “Existe uma certa economia emocional que em algumas classes sociais as pessoas nascem e aprendem a ter, o que significa um contexto psicoemocional favorável que vai possibilitar-lhes a ter sucesso na escola. Mas isso não ocorre nas famílias mais pobres”, pondera.


Para o professor, a grande barreira para que o país consiga erradicar a pobreza, uma das metas do governo da presidente Dilma Rousseff, é a “miopia social” que acredita que o problema pode ser superado apenas com o pagamento de benefícios e a inclusão na escola. “Existe uma cegueira em um país com tanta gente inteligente que tem uma percepção muito fragmentada da realidade. A violência e outros problemas graves do Brasil são todas faces de uma mesma coisa”, aponta.

Autor

Ensino Superior


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