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NOTÍCIA
A lógica pedagógica é a mesma que paradoxalmente cria o insucesso escolar
Publicado em 07/01/2013
O sociólogo francês Bernard Lahire tornou-se conhecido no Brasil a partir da publicação de seu estudo sobre o êxito escolar de alunos oriundos de meios populares. Em uma de suas mais recentes obras – La raison scolaire – ele se volta para o impacto pedagógico da difusão e generalização social das práticas escolares de escrita. Ao abordar aspectos históricos e antropológicos da emergência de uma cultura letrada no seio de sociedades marcadas pela oralidade, Lahire chama a atenção para as rupturas cognitivas e educacionais implicadas nessa operação social.
No contexto das interações orais, a palavra não existe como elemento isolado (como em um dicionário ou gramática); sua existência é sempre solidária de um contexto em que um falante se dirige a seus pares. Os demais elementos presentes – sua mão, seus gestos, o tom de sua narrativa – integram-se aos sentidos e práticas que veicula. O desenvolvimento e a difusão da cultura da leitura e da escrita representarão uma ruptura nessa relação imediata que se estabelecia com a linguagem.
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A invenção da escrita cria uma linguagem exterior ao agente: o enunciado transforma-se numa proposição que será objeto de recepção, análise ou crítica que prescindem da presença do enunciador. A escrita substitui a significação contextual (vivida numa situação de interação entre sujeitos falantes) por uma significação autônoma e exterior ao sujeito que a produz. Essa autonomia que a linguagem adquire em relação ao sujeito pressupõe, por sua vez, uma complexa operação: as palavras ganham potencial autonomia em relação à totalidade do enunciado (passam a ser substantivos, verbos, transformam-se em elementos analisáveis em sua função e significado); os sons se materializam em sílabas e estas se decompõem em letras que não correspondem a nenhuma realidade material tangível.
O que daí surge não é, pois, a simples transposição de um âmbito da comunicação (a oralidade) a outro (a escrita), mas a instituição de uma nova linguagem e de uma nova forma de relação com seu aprendizado. Em sociedades que desconhecem a escrita, as aprendizagens são feitas por meio da exemplaridade e da imitação; e não por meio de um processo de instrução racionalizada e fundada na difusão de informações elementares.
Mas a forma escolar, fundada nessa relação analítica e distanciada com a linguagem, cria uma nova modalidade de transmissão de saberes, baseada na difusão de práticas elementares e abstratas, tidas como pré-requisitos ao bom desempenho. Desenvolve-se toda uma pedagogia da escrita, que decompõe a linguagem em elementos abstratos cujo domínio passa a ser concebido como condição prévia para o êxito do aprendizado. Uma pedagogia que, pouco a pouco, espalha-se para outros campos e outras práticas. A pedagogia musical cria o solfejo como exercício que precede e prepara o desempenho no canto. A pedagogia do futebol inventa o treino em que chutes, passes, se separam da prática concreta do jogo e são tidos como elementos prévios necessários ao seu domínio técnico.
Mas, paradoxalmente, essa mesma lógica pedagógica que criou a racionalidade da instrução prévia e da prática abstrata como condição para o êxito da aprendizagem criou seu correspondente negativo: o “fracasso escolar”, concebido como a incapacidade de dominar elementos prévios e abstratos tidos por necessários ao bom desempenho numa prática social.
*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII
jsfc@editorasegmento.com.br