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Políticas Públicas

Quanto custa a educação

Debates sobre recursos dos royalties do petróleo e a percentagem do Produto Interno Bruto que deveriam ser investidos na educação pública reacendem a dúvida sobre qual valor é o ideal para alcançar as metas de qualidade

Publicado em 02/08/2013

por Maria Celeste Oliveira






Até final da década o Brasil terá de cumprir uma série de metas no campo da educação. Seja por força da legislação em vigor ou daquela que deverá entrar em vigor após a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), o país se vê diante de uma complexa equação que envolve ampliação da oferta de vagas, investimento em infraestrutura, melhoria dos salários dos docentes, além da equalização das desigualdades regionais, dentre outros.


É nesse cenário, atiçado pelos protestos que tomaram as ruas de cidades em todo o país no mês de junho reivindicando melhorias sociais, que ocorre o atual debate sobre financiamento da educação. Embora não haja divergências quanto à necessidade de ampliar o acesso e melhorar a aprendizagem, não há consenso em torno do montante necessário para que o país dê o salto de qualidade nessa área, abrindo um campo de disputa política.
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Enquanto o governo aceita assumir no âmbito do PNE o compromisso de destinar, até 2020, 7% do Produto Interno Bruto (PIB) ao setor, o movimento social organizado reivindica 10% das riquezas produzidas pelo país. Outra frente de debate é a destinação dos recursos obtidos pela União com a exploração de petróleo na camada do pré-sal.


No início de julho, o Senado aprovou um projeto que garante R$ 2 bilhões por ano, a partir de 2014, à educação. Esse montante diz respeito a 50% da arrecadação da União com os contratos de exploração de petróleo na camada do pré-sal que já estão em vigor. Para o futuro, o Senado aprovou que 75% dos royalties obtidos com a exploração do pré-sal irão para a educação (50%) e a saúde (25%) – o que significa, segundo estimativas, R$ 4,8 bilhões por ano entre 2014 e 2022.


Metas e desafios
Mas, até o fechamento desta edição, o texto que passou pelo Senado foi rejeitado pela Câmara, cuja proposta original, aprovada em junho, previa o repasse de 50% do capital do Fundo Social – e não apenas dos rendimentos, como querem os senadores – para a saúde e a educação, até que sejam cumpridas as metas previstas no PNE. De acordo com estudo realizado pela Câmara, a alteração feita pelo Senado reduz em R$ 170 bilhões os recursos dos royalties destinados à saúde e educação até 2022 – um corte de R$ 209 bilhões para R$ 97 bilhões.


Em meio à dança dos números e às disputas políticas estão as metas do PNE e as obrigações legais. Por exemplo: até 2016 os estados e municípios têm de garantir atendimento às crianças e aos adolescentes de 4 a 17 anos.  Para cumprir esta lei, o país deverá ter de aplicar R$ 25,2 bilhões somente na construção e em equipamentos para pré-escolas e escolas, segundo cálculo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.


O Brasil vem aumentando o volume de recursos aplicados na educação, especialmente nos últimos anos. Segundo cálculos do economista Jorge Abrahão de Castro, do Ministério do Planejamento, de 2006 a 2010, o salto foi de 1% do PIB, chegando a 5% das riquezas produzidas no país. Em 2011, o governo afirma ter aplicado 6,1% do PIB em educação.


“O impacto do Fundeb, somado ao crescimento econômico, colaborou para esse cenário positivo”, analisa Castro. “No entanto, o PNE é ambicioso e não podemos esquecer que o plano anterior [que vigorou entre 1991 e 2001] fracassou porque não houve aporte de recursos necessários”, complementa. Na época, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, vetou o artigo que previa a destinação de 7% do PIB à educação.


Pouco investimento
Um dos principais desafios do novo PNE é ampliar a oferta de vagas nas creches: até 2020, 50% da faixa etária de 0-3 anos deverá ter vaga assegurada. “Em termos de acesso escolar no Brasil, o atendimento em creche é um dos gargalos. Apenas 20% das crianças estão estudando e grande parte é de filhos das classes médias”, analisa  Luiz Araújo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. As creches públicas respondem por 64% dos 2,5 milhões de matrículas.


Para cumprir a meta do PNE será necessário criar cerca de 3,1 milhões de vagas, num investimento que pode chegar ao calculado em R$ 20,2 bilhões, segundo projeção da Campanha. “O atendimento nas creches é um dos pontos mais críticos porque tem custo elevado”, afirma José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCHRP-USP).


Rezende Pinto foi um dos criadores do Custo Aluno Qualidade (CAQi), indicador que estabelece  o quanto deveria ser investido por aluno em cada nível de ensino, baseado no custo de insumos, materiais didáticos, número adequado de alunos por turma e remuneração docente, dentre outros fatores. Seus cálculos indicam que, em 2009, o montante a ser aplicado por aluno na creche girava em torno de R$ 6,4 mil, enquanto o investimento per capita era de R$ 2,3 mil, segundo dados oficiais.


“O país investe pouco em educação”, afirma o professor da FFCHRP-USP. Ele sustenta seu argumento comparando o investimento do poder público no ensino fundamental com as mensalidades na rede privada. “O investimento médio por aluno da rede pública é de R$ 300 por mês, enquanto a mensalidade das escolas privadas é, geralmente, duas ou três vezes maior”, argumenta Rezende.


Seus estudos indicam que, em relação a outros países, também investimos pouco: em 2006, o Brasil aplicou US$ 1,5 mil por aluno do ensino fundamental ante um investimento de US$ 9,7 mil per capita nos Estados Unidos. O Chile aplicou US$ 2 mil por estudante. O cálculo utilizou o Dólar Poder de Paridade de Compra, que padroniza as moedas pelo poder de compra.


Custo novo PNE
O Ministério da Educação e os movimentos sociais divergem quanto ao montante necessário para implementar as 20 metas do novo Plano Nacional de Educação. Enquanto o governo calcula que serão necessários cerca de R$ 61 bilhões, as estimativas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação chegaram à faixa de R$ 170 bilhões. A diferença se deve ao fato de que a Campanha utiliza como base de cálculo o Custo Aluno Qualidade (CAQi). Os dados fazem parte da nota técnica “Por que 7% do PIB para a educação é pouco?”, divulgada em 2011.


Para o MEC, a meta que mais demandará recursos é a de número 17, que enfoca a melhoria da remuneração dos professores com pelo menos 11 anos de escolaridade para níveis compatíveis com os demais profissionais com o mesmo grau de formação até 2020. Os cálculos oficiais chegam aos R$ 27 bilhões, enquanto os da Campanha somam R$ 16,9 bilhões.


Outra meta que deverá exigir grande aporte de recursos é a 12, que prevê elevar, até 2020, a taxa bruta de matrícula no ensino superior em 50% e a taxa líquida para 33% da faixa etária de 18 a 24 anos. Para a Campanha, serão necessários R$ 42,4 bilhões, e para o MEC, R$ 13,1 bilhões.


A meta 6 – elevar a oferta de educação em tempo integral para 50% das escolas públicas do país – deverá custar R$ 3 bilhões, nos cálculos do MEC, ante R$ 23 bilhões, nas estimativas da Campanha. A meta para a educação infantil (número 1) é outra que deverá exigir investimentos elevados: até 2016, o atendimento da faixa etária de 4-5 anos deverá ser universalizado, e até 2020, 50% da população de 0-3 anos deverá estar matriculada numa creche. O montante necessário, segundo a Campanha, será R$ 23,6 bilhões; para o MEC, o investimento gira em torno de R$ 9,6 bilhões.


A comparação com outros países também é desfavorável ao Brasil. Mesmo que, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2010, o nível de investimento público em educação do país tenha sido superior ao dos Estados Unidos (5,1% do PIB, em 2010) e comparável com o da Grã-Bretanha (5,9%), é essencial levar em conta que a renda, nesses países, é maior do que a brasileira.


Também é preciso considerar que nosso passivo na área da educação é grande, assinala o economista Castro. Historicamente, o país investe pouco em educação e, quando ocorreu a expansão do atendimento no ensino fundamental, a partir da década de 1990, não houve um aporte de recursos proporcional ao número de vagas abertas. “Nossa tarefa é maior que a de países como os Estados Unidos, onde o sistema já está ajustado. Temos de fazer mais esforço para dar conta da expansão de vagas e da melhoria da qualidade”, diz.


Assim, o dinheiro dos royalties é bem-vindo, mas ele não será a solução para os problemas. “A proposta inicialmente aprovada pela Câmara iria acrescentar 1,1% do PIB somente em 2022”, afirma Araújo, com base nas projeções de receita com a exploração de petróleo no pré-sal. “R$ 4 bilhões por ano não são suficientes para realizar as metas do PNE”, reforça Castro. Por isso, medidas como o aumento da participação dos recursos da União na Educação Básica – cuja maior parcela de responsabilidade recai sobre estados e municípios – e buscar mais fontes de receita são fundamentais, analisa o economista.


Simulações feitas por ele, em parceria com Cristina Helena Almeida de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da UnB, demonstram que o país pode conseguir ampliar entre 1,74% do PIB e 6,08% do PIB, se forem adotadas medidas como acréscimo da arrecadação tributária – a partir do Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU), dentre outros – e ampliação da vinculação de recursos para a educação.


Salto de qualidade
A melhoria da qualidade é um argumento central dos que defendem mais recursos para a educação, mesmo que não seja possível estabelecer uma relação direta entre aumento dos recursos e aprendizagem, pois um fator crucial é como os recursos serão aplicados. “Agora, a falta de dinheiro inviabiliza de antemão qualquer projeto de melhoria da qualidade”, argumenta Araújo, professor da UnB.


Já na opinião de Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas  do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o cerne do problema não reside no volume de recursos e, sim, na gestão dos recursos disponíveis. “Somente aumentar os recursos não garante melhoria do aprendizado, porque o dinheiro não será, necessariamente, aplicado em medidas que se traduzirão em ganhos de aprendizagem”, argumenta.


O economista cita o exemplo do município de Sobral, no Ceará, que entre 2005 e 2011 melhorou seu desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) graças a uma série de medidas voltadas a solucionar os principais problemas da rede pública: investimento em ações no campo da alfabetização, avaliação externa e substituição de professores e diretores não-efetivos, prêmios para as melhores escolas. “Eles conseguiram isso aplicando cerca de R$ 3,3 mil por aluno/ano. São Paulo aplica R$ 6 mil e não consegue isso”, compara.

Autor

Maria Celeste Oliveira


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