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O que há além dos rankings

Temas relacionados à área educacional ganharam espaço na mídia, mas a divulgação de indicadores ainda é o maior foco de interesse, o que pode tornar o debate superficia

Publicado em 06/09/2013

por Lucas Vasques






Há quase duas décadas, o leitor de jornais e revistas tinha pouco acesso a notícias sobre educação no Brasil. Desde o final da década de 90, porém, o espaço dedicado pela imprensa a temas educacionais tem crescido de forma perceptível. Sem dúvida, o espaço foi conquistado. Falta agora discutir a qualidade e diversidade da informação que chega à população em geral.

+ Leia mais: Confira a cobertura do I Seminário Educação, Jornalismo e Comunicação


Tema central do 1º Seminário Educação, Jornalismo e Comunicação promovido pelas revistas Educação e Negócios da Comunicação em setembro último (leia mais na página 92), um dos problemas apontados por especialistas é o desequilíbrio: enquanto índices e rankings ocupam as páginas dos jornais, temas como a Educação de Jovens e Adultos continuam fora do raio de interesse da grande imprensa.
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Para Veet Vivarta, secretário executivo da Andi – Comunicação e Direitos (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), a cobertura da imprensa na área educacional apresenta avanços importantes, principalmente quando se trata de uma análise quantitativa. Segundo ele, o crescimento do espaço dedicado aos direitos da criança e do adolescente como um todo, foco de estudo da Andi, é o primeiro fator a ser considerado. Desde 1996, a Andi monitora entre 40 e 50 veículos diários brasileiros. No primeiro ano, o levantamento indicou 11 mil reportagens sobre o tema. Em 2010, última aferição realizada, o volume chegou a 150 mil no ano. “Esses números influenciam, diretamente, na consolidação do setor como prioridade na mídia”, avalia.


Nesse contexto, a cobertura específica do tema educação começou a se tornar mais relevante a partir do final da década de 90. “Houve sem dúvida uma diversificação. Enquanto em 1996 e 1997, por exemplo, outros temas importantes sobre criança e adolescente apareciam com mais força, em 1998, a educação se consolidou e passou a ser o assunto mais abordado dentro de nossa avaliação”, diz Vivarta, se referindo a rankings quantitativos frequentemente elaborados pela Andi.


Outro dado representativo é que antes os jornais dos chamados grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, predominavam nessa cobertura. Hoje, afirma o secretário executivo da Andi, os veículos regionais importantes começam a aparecer no ranking. “É importante ressaltar que a mídia das capitais não reduziu espaço e, sim, os outros é que avançaram. Estes elementos, dentro do cenário geral, servem para contextualizar a cobertura.”


Indicadores
O aumento considerável na divulgação de indicadores por parte do governo federal ajudou na evolução do processo. Na visão de Vivarta, os temas relacionados a políticas públicas de educação contribuem de forma direta para o debate.


O último ranking elaborado pela Andi detectou 17 temas sobre educação na agenda social. “Ao todo 66% (ou dois terços) da cobertura contemplam, em algum momento, o tema educação, em comparação com apenas 4,8% de assuntos sobre violência infantil. Isso sempre com um viés de política pública. Os números são uma boa notícia, porque apesar de detectarmos problemas na cobertura do setor, tivemos grandes avanços em relação a outras agendas temáticas”, diz Vivarta.


Mas ele aponta deficiências. “Existem alguns limites na cobertura, como as discussões sobre orçamento, que são sempre complicadas por se tratar de um tópico mais técnico e que exige a participação de um repórter especializado para traduzir os números, o que nem sempre é possível. Este fenômeno é decorrente do fim das editorias de educação e do jornalismo investigativo, de um modo geral. A cobertura do Legislativo, em seus três níveis, também deixa a desejar”, avalia.


Na opinião do repórter de educação do jornal O Estado de S. Paulo, Paulo Saldaña, o Judiciário, por exemplo, tem forte influência nos assuntos de interesse da mídia. “Certamente o Judiciário pauta mais os veículos de comunicação do que a educação, principalmente quando ele toma decisões a respeito das demandas do setor. É fácil notar que quando o Judiciário impõe decisões, atua efetivamente em causas que chamam a atenção e têm muito mais chances de se transformar em notícia”, exemplifica o repórter. E, apesar do aumento da quantidade de notícias sobre educação nos jornais, ele ainda se ressente da falta de espaço. “Eu tenho de travar uma verdadeira guerra para emplacar as matérias de educação, pois tenho de concorrer pelo espaço com outras editorias, apesar de o jornal ter um espaço para a área”, diz.


Resultados
Camilla Salmazi, gerente de comunicação do Todos pela Educação, tem a convicção de que, nos últimos anos, a cobertura cresceu, com algumas variações entre o lançamento e o fechamento de espaços dedicados especificamente à educação nos veículos de imprensa. Contudo, ressalta, sempre pode ser melhor, pois o tema se relaciona diretamente com os mais variados setores da vida do país, como economia, esporte, saúde etc.


Os aspectos fundamentais, explica Camilla, têm ganhado espaço, especialmente com a divulgação expressiva de resultados estatísticos. “Há alguns anos não havia a divulgação de indicadores. Essa prática, sem dúvida, estimula o debate sobre educação.” Entretanto, ela alerta para que a cobertura não se limite, apenas, à divulgação de números e rankings­, sob pena de se fixar em uma superficialidade que não interessa a ninguém.


Segundo a representante do movimento, os profissionais de imprensa devem aproveitar esses indicadores para ganhar subsídios, no sentido de investigar, contar histórias e indicar caminhos para uma análise mais aprofundada e a consequente melhoria da cobertura do setor. Esse fator, na opinião de Camilla, sofre influência, inclusive, da qualidade dos jornalistas que atuam na área. “A melhor forma de dar confiabilidade aos dados é trabalhá-los bem e retirar deles pautas mais atraentes para o leitor. Isso vem ocorrendo, embora prejudicado pela rotina limitadora das redações e pela disputa por espaço entre editorias. O imediatismo on-line também atrapalha, forçando os profissionais a partir para o lado mais simples da cobertura”, analisa.


O jornalista Luciano Máximo, repórter de educação do jornal Valor Econômico, concorda. Para ele, é compromisso dos profissionais de imprensa se especializarem no assunto, mesmo nos temas de viés econômico. “O jornalista precisa se aprofundar, pegar os dados dos economistas e fazer o contraponto. O jornalista tem de ser crítico, estudar mais, levantar questionamentos e não apenas publicar os números e dados econômicos”, exemplifica.


Na opinião de Camilla, o Plano Nacional de Educação (PNE) acabou ganhando, sem querer, espaço significativo na mídia, principalmente pelo fato de estar tramitando há quase três anos na Comissão de Educação e Cultura do Congresso Nacional. “Inicialmente, o PNE foi pouco discutido, mas, em função da demora, se transformou em notícia frequente. Contudo, as abordagens eram mais sobre o atraso do que em relação ao conteúdo do programa e sua implementação. Mas acho que isso não importa, pois o que vale é que deixou o assunto mais quente. E isso, num segundo momento, pode chamar a sociedade para a discussão. Aliás, do plano, o que gerou mais matérias foram os investimentos destinados à educação. Houve muito debate, mas, novamente, mal direcionado, pois se falava mais dos percentuais do que do destino para o encaminhamento dos recursos.”


No entanto, Camilla faz uma crítica. “Sinto na imprensa, de um modo geral, a pouca divulgação de bons exemplos. Há muita coisa boa sendo feita e levar isso à opinião pública ajuda a divulgar e multiplicar as ações positivas. Esses assuntos fogem da chamada grande mídia, que se preocupa mais com os temas pontuais.”


Pauta oficial
A jornalista Fernanda Campagnucci é ex-coordenadora do Observatório da Educação, criado pela ONG Ação Educativa, além de pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ela lembra que, na época da criação do órgão, em 2002, o diagnóstico inicial apontava para uma cobertura deficiente. “As notícias e opiniões eram quase sempre pautadas pelos três níveis de governo, por meio do Ministério da Educação (MEC) e secretarias estaduais e municipais. Outro ponto observado é que a comunidade escolar não era ouvida. Este quadro indicava a necessidade de pluralizar a discussão”, lembra.


Em mais de dez anos de atuação, segundo Fernanda, houve um crescimento significativo na cobertura e novas vozes passaram a ser ouvidas, como pesquisadores, que não serviam de fontes à época. Mas o professor continua invisível nas páginas. “Outro problema que ainda ocorre é a ausência de professores no noticiário, além do hábito da grande imprensa de ouvir as mesmas pessoas. Este panorama levou o Observatório a criar um banco de fontes, com mais de 200 especialistas divididos por área”, explica.


Para a ausência do professor na mídia, Fernanda tem uma explicação. “Ele não se sente à vontade para expor sua opinião. No Brasil, ainda há a cultura do silêncio, provocada por anos de ditadura militar, que manteve, no estatuto dos servidores públicos, a proibição de falar com a imprensa. Essa prática foi revogada, mas ainda existe de forma simbólica.”


Para o editor-adjunto de País de O Globo, Antonio Gois, um dos jornalistas mais reconhecidos na cobertura educacional no país, a falta de entendimento entre repórteres e os entrevistados, as chamadas “fontes”, é um dos desafios. “Entre as principais dificuldades enfrentadas está a falta de preparo do jornalista de um lado, e a falta de interesse ou paciência da fonte de entender que o jornal é um produto que tem de ser ágil e conciso, e que o risco de simplificação ou erro sempre existe, e faz parte do nosso cotidiano.”


Fernanda sugere alternativas para que a cobertura da imprensa avance ainda mais. “Além da necessidade da pluralidade de vozes no debate democrático, a concepção de educação precisa mudar. Houve progressos, mas o setor não pode ser reduzido apenas a um instrumento para o desenvolvimento. Isso tem impacto na forma como a mídia registra os temas do setor. Outro problema é o excesso de divulgação de índices, exames, avaliações, internacionais ou não. São assuntos episódicos.” Os indicadores, afirma Fernanda, geram a cultura do ranqueamento, que faz com que a imprensa abuse de posicionar o Brasil, o estado e a escola. “Esta prática não ajuda a entender a situação da educação.”


A pesquisadora entende que alguns temas importantes são marginalizados pelos veículos de comunicação. “Falta falar da Educação de Jovens e Adultos (EJA), um grande desafio, e não há um monitoramento da imprensa, no sentido de fiscalizar se o programa está funcionando. Outro assunto esquecido é o Custo Aluno Qualidade (CAQi), modelo de financiamento da Educação Básica. A educação nas prisões também é ignorada. E é um tema que precisa ser debatido, pois somente 8% da população carcerária tem acesso e, assim mesmo, o programa é desestruturado.”








A imagem negativa do professor


A mídia constrói uma imagem negativa do professor. Esta é a conclusão do estudo Quando o professor é notícia? Imagens de professor e imagens de jornalismo, desenvolvido por Kátia Zanvettor Ferreira, jornalista, pesquisadora e professora de comunicação. Durante o período entre dezembro de 2010 e dezembro de 2011, ela analisou notícias de diversos jornais do Estado de São Paulo, observando a construção do texto jornalístico e a análise do discurso, que é conservador, segundo suas avaliações.


“Os principais problemas são que há pouco espaço para pluralidade de opiniões e os temas abordados pela mídia são ditados pelas fontes oficiais. O professor é pouco ouvido e quando isso acontece, é apenas para abordar assuntos de senso comum. A imagem que a imprensa cria do professor é negativa. Ele é criticado, frequentemente, por sua pouca qualificação. No entanto, ao invés de cobrar formas de qualificá-lo, como planos de carreira, melhorias de salários, a imprensa vai na direção de uma simples substituição do profissional. É uma solução reacionária da mídia, simplista e que evita reflexões e um confronto de opiniões”, analisa Kátia.


Ela defende, como pesquisadora e pessoa política, que há necessidade de fazer novas conformações, desconstruir o discurso dos jornalistas, que alimentam os meios de comunicação com deturpações sobre a imagem do professor. Para isso, acredita que o profissional deve ter uma formação mais crítica.









O Seminário


Para debater a cobertura da educação na mídia, as revistas Educação e Negócios da Comunicação, além do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), promovem o I Seminário Internacional de Educação, Jornalismo e Comunicação. A programação prevê a divisão de temas em quatro mesas debatedoras: cobertura jornalística e linhas editoriais sobre educação na América Latina, contribuições e desafios derivados da presença de economistas na educação, comunicação, educação e tecnologia e direito e judicialização da educação. O seminário acontece nos dias 9 e 10 de setembro e tem cobertura on-line no site da revista Educação.

Autor

Lucas Vasques


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