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Onde fica a sociedade civil

Composição de conselhos, fóruns e conferências reserva pouco espaço para a comunidade escolar; governos também são minoritários em relação ao setor privado

Publicado em 04/02/2014

por Cristina Charão e Lia Segre

Os espaços institucionais de participação da sociedade civil para a definição das políticas públicas de educação também não fogem à tensão entre o público e o privado. Embora a maior parte desses espaços preveja formalmente uma participação equilibrada entre os diversos atores e setores implicados na discussão, as disputas permanecem evidentes.

Realizada pela primeira vez em 2010 e com a segunda edição em novembro de 2014, a Conferência Nacional de Educação (Conae) acaba sendo uma espécie de retrato do intenso debate em torno dos desafios e rumos da educação. Resultado de uma reivindicação histórica dos “atores tradicionais” do campo da educação – sindicatos de professores e profissionais da educação, organizações estudantis, Academia e dirigentes das redes de ensino –, o processo da Conae (que inclui conferências municipais e estaduais) é facilmente associado a esses setores. No entanto, a conferência prevê um número substancial de representantes do setor privado, especialmente de trabalhadores e mantenedores de instituições da rede privada.
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Criado por decisão da Conae 2010, o Fórum Nacional de Educação (FNE) é responsável por dirigir o processo e acompanhar a implementação das diretrizes estabelecidas pela Conferência. Formado pelas organizações nacionais de dirigentes, profissionais, educadores e estudantes do setor público e privado, além de centrais sindicais e movimentos sociais, o Fórum é mais um espaço aberto dentro da estrutura do Estado para dar vazão ao debate educacional, mas não é um espaço para a solução de contendas, ressalta o coordenador geral do FNE, Francisco das Chagas Fernandes. “O Fórum não tem poder de resolver polêmicas entre os defensores dos setor es público e privado. A conferência é o espaço para isso”, comenta.

Conselhos
Por se tratar de órgãos de caráter normativo, com efetivo poder de decisão sobre o funcionamento das redes de ensino, a composição dos conselhos de Educação é frequentemente alvo dessas disputas. Na sua atual composição, o Conselho Nacional de Educação (CNE), formado por membros nomeados pela Presidência da República a partir de listas de indicações feitas por organizações ligadas à Educação Básica e ao Ensino Superior, apresenta-se como um colegiado basicamente de membros da Academia, com um certo equilíbrio entre os setores público e privado.

Dos 24 conselheiros, apenas os dois membros natos – os secretários de Educação Básica e de Ensino Superior do MEC – são, de fato, representantes do setor público. Entre os 15 membros ligados a instituições acadêmicas, oito estão ligados exclusivamente a universidades públicas. Um é professor em universidades públicas e privadas, quatro são dirigentes de instituições privadas e um é também membro do Conselho de Governança do Movimento Todos pela Educação. Os institutos e fundações ainda contam com um segundo representante, de um total de cinco conselheiros ligados ao setor privado – consultores privados e um diretor de uma grande empresa fornecedora de sistemas de ensino. Os trabalhadores da educação têm duas representantes, ambas trabalhando nas redes públicas estaduais.

Nos conselhos estaduais e municipais, as regras para a composição variam. No entanto, chama a atenção o fato de que setores da comunidade escolar estão alijados desses espaços. Segundo levantamento do Observatório da Educação, da Ação Educativa, 19 dos conselhos estaduais não preveem a participação de pais ou alunos. Em 10 deles, sequer há consultas ou indicações vindas da sociedade civil.

Essas disparidades permitem a ocorrência de casos em que um setor acaba prevalecendo sobre o outro em espaços que deveriam ser democráticos e participativos. O mesmo Observatório da Educação mostrou que o setor privado prevalece em conselhos de educação como o estadual de São Paulo (Ceesp). Mais da metade dos membros do Ceesp estão ligados a entidades privadas que incluem de escolas de ensino fundamental e médio renomadas e redes de ensino superior a bancos, com destaque para a Indusval & Partners.

Dos 24 conselheiros, 33% representam apenas o setor privado. Porém, o número pula para 58% (14 de 24) quando se leva em conta os que, além de representarem o setor privado, são também acadêmicos de universidades – caso da pró-reitora e sócia da Uninove, Maria Cristina Storópoli. Por sua vez, o setor público tem uma representação de 16%, e os representantes da Academia, unicamente, são 12,5%. Em último lugar, está a representação dos trabalhadores da educação, com apenas um representante.

O Conselho Municipal de Educação de São Paulo ilustra outra situação: o controle dos governos sobre os espaços participativos. Embora os critérios de composição prevejam que a representação seja dividida igualmente entre os segmentos de magistério, comunidade e poder público, metade dos integrantes são vinculados ao governo. Professores de instituições acadêmicas públicas ou privadas representam 33,3%. Dos trabalhadores, são dois representantes; e do setor privado, um. Já a comunidade escolar e movimentos da área não têm representação.

Autor

Cristina Charão e Lia Segre


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