NOTÍCIA
Falar nesses termos não implica necessariamente asseverar o declínio da escola
Publicado em 16/12/2014
Afirmar que vivemos hoje uma crise na educação escolar virou lugar-comum. Os mais variados segmentos da sociedade parecem ter certeza de que algo vai mal no campo da educação. Mas o que pode significar – para além desse vago consenso – admitir que a experiência escolar esteja em “crise”?
Em geral o uso do termo “crise” nos remete às noções de “declínio”, “decadência” ou “desaparecimento”. Afirmar a existência de uma “crise” na educação implicaria lhe atribuir algum tipo de juízo negativo (como um suposto declínio em seus padrões de rendimento, uma alegada obsolescência de suas práticas ou uma hipotética irrelevância de seus conteúdos) ou mesmo profetizar seu ocaso. Mas poderíamos investigar e pensar outros sentidos para seu uso semântico?
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O termo grego κρίση (krisis) – de onde deriva a palavra “crise” em português – se refere simplesmente à ação de separar, distinguir; à necessidade de uma escolha ou seleção ou ainda à ação de julgar, de decidir. É dele que deriva, por exemplo, o termo κριτήριο (kriterion): critério, faculdade de julgar ou norma para discernir o verdadeiro do falso. É também a raiz da palavra grega kritikós (juiz, crítico ou o antigo Mestre da Justiça), por referência àquele que, com seu veredito, cinde a realidade e inaugura um novo momento. Assim, em seus usos primeiros a noção de crise remete ao momento em que se faz necessário julgar, decidir, escolher. É, pois, um momento crucial; uma ocasião na qual as decisões a serem tomadas podem tanto promover a justiça como a injustiça, uma oportunidade que pode levar tanto a um “bom” como a um “mau” desfecho.
É essa a acepção que Hannah Arendt, em meados da década de 50, empresta ao termo “crise” ao falar dos rumos da educação norte-americana (e mundial!). Para ela, uma crise na educação não é necessariamente um desastre, mas a oportunidade de refletir sobre a razão de ser da educação, sobre seu sentido para aqueles que educam e para aqueles que são educados. O que caracteriza a emergência de uma crise é o fato de que perdemos as respostas e certezas que tínhamos e que guiavam nossas escolhas e justificativas. Constatar, por exemplo, que vivemos uma crise ética não significa afirmar que as novas gerações são piores – ou decadentes – em relação àquelas que as precederam. Significa tão simplesmente que os princípios éticos que herdamos do passado já não mais se apresentam como parâmetros seguros para os dilemas morais do presente. Significa, como afirmou Tocqueville, que o passado cessou de iluminar o futuro; e que estamos condenados a caminhar sem o apoio da tradição.
Nesse sentido, falar de uma crise da educação não necessariamente implica asseverar o declínio da escola, nem ansiar por uma restauração de um suposto passado idílico. Ao contrário, se pensarmos a crise da educação como a perda de certezas (O que ensinar? Como fazê-lo? Em nome do que educar…) ela pode se afigurar como uma oportunidade de reflexão e um exercício de responsabilidade. Como nos sugere seu uso arcaico, o momento de crise é aquele em que somos chamados a tomar uma decisão. E nos responsabilizarmos por ela.
*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII
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