NOTÍCIA
Publicado em 03/08/2016
Um secretário de Educação tomou consciência de que o insignificante Ideb do seu município (2,8 numa escala de 0 a 10) talvez tivesse relação com o fato de não estar a ser cumprido o seu Plano Municipal de Educação… As diretrizes definidas no PME – nomeadamente, a melhoria da qualidade do ensino, a erradicação do analfabetismo, a sustentabilidade socioambiental, a promoção da gestão democrática e da cidadania (…) com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade – não se concretizavam.
Surpreendente constatação! As opções de política educativa adotadas nesse município não logravam alcançar a melhoria da qualidade do ensino. Os índices de analfabetismo continuavam aterradores, sendo o nível de proficiência em português e matemática (percentual de alunos de 9º ano com plenas condições de compreender e se expressar) inferior a 10%. A sustentabilidade socioambiental do município permanecia uma quimera, enquanto a floresta, que assegura o sustento da população, continuava sendo destruída. E a promoção da gestão democrática não passava da intenção. Em meados de maio, nenhuma iniciativa nesse sentido fora tomada, quando o Plano Nacional de Educação estabelece o final de 2016 como prazo limite para cumprimento dessa meta.
Cadê a promoção dos valores morais e éticos, se a promoção da cidadania é mera retórica? Em vão, vasculhei a proposta de Base Nacional Curricular em busca de referências concretas à dimensão ética do currículo. Apenas constam do texto introdutório, como mera expectativa de aprendizagem: que, ao longo de sua vida escolar, possam (…) cultivar o convívio afetivo e social, fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro.
Sucessivos escândalos revelam a existência de corrupção entre agentes educativos. Muitos milhões de reais são “desviados” por políticos, que parecem ter aprendido matemática sem terem aprendido a ser gente. Gestores corruptos “desviam” a verba destinada à merenda escolar e outras máfias se instalam no “sistema”. Porém, outra sutil corrupção afeta o funcionamento do sistema educativo, sendo mais destrutiva do que o Zika: a corrupção da prática pedagógica.
Professores do referido município compreenderam que, dando aula, muitos dos seus alunos reprovam, que essa obsoleta prática nega o direito de aprender. Por serem (como todos os professores são) seres inteligentes e sensíveis, concluíram que, se o modelo de ensino por eles adotado condenava muitos jovens à ignorância, não poderiam continuar a “dar aula”.
Se, há mais de meio século, o Lauro nos avisava de que a aula é nefasta, por que razão se continua a “dar aula” nas escolas brasileiras? Poderá um professor ser antiético? Porém, quando esses professores ousaram iniciar caminhos de mudança, viram cerceados os seus intentos, por ação (ou inação…) de supervisores da secretaria.
A situação não é exclusiva desse município. Impunemente, secretarias de Educação inviabilizam o cumprimento do Plano Nacional de Educação, dando-lhe o mesmo destino do anterior plano decenal, que não foi cumprido. Porque o exemplo “vem de cima”, observo práticas contraditórias. Na maioria das escolas, o político-pedagógico não passa do papel para as práticas. Com o aval do poder público, os professores continuam “dando aula”, conscientes (ou inconscientes?) de que, desse modo, muitos jovens não aprendem.
Até quando reproduziremos práticas excludentes? Cadê a ética, companheiros?
José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
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