NOTÍCIA
Por sua importância, IES e poder público devem realizar um esforço para fortalecer a modalidade
Publicado em 18/04/2017
Mesmo com quase 13 milhões de desempregados no país, centenas e até milhares de vagas – a depender do setor – permanecem ociosas. O motivo, segundo os empregadores, é dificuldade de contratar pessoas com o perfil e a formação adequados. Para mudar rapidamente esse quadro, os Cursos Superiores em Tecnologia (CST) seriam ideais. Afinal, eles têm uma duração mais curta que os bacharelados (são dois anos), são mais baratos (portanto, mais acessíveis) e focam demandas específicas de empresas e indústrias. Muitos de seus professores, aliás, vêm ou ainda estão inseridos nos setores dos quais tratam em sala de aula.
Mas, apesar de todos esses atributos, eles ainda não estão ocupando o espaço que deveriam ocupar. Uma pesquisa encomendada pelo Semesp mostrou que a modalidade de ensino não é bem conhecida por alunos e recrutadores, o que resulta em um subaproveitamento de seu potencial.
O levantamento foi realizado pela Folks Netnográfica, em associação com a numbr e a BTB, a partir de dados coletados em sites e redes sociais. Utilizando a metodologia da netnografia (pesquisa antropológica aplicada ao ambiente digital), foram revelados os perfis das pessoas interessadas em CST e dos estudantes já matriculados em 10 cursos, entre eles recursos humanos, gastronomia, análise e desenvolvimento de sistemas e gestão de logística.
Os pesquisadores também analisaram conversas e comentários postados na internet para entender como o CST é percebido. Por fim, ainda foram extraídos dados públicos de anúncios de vagas ativas de emprego para captar o olhar dos empregadores a respeito da modalidade.
Descobertas
A pesquisa mostrou que os interessados em CST são pessoas com idade entre 25 e 34 anos, provavelmente profissionais já inseridos no mercado de trabalho. A maioria é do sexo masculino (60%); 73% estão concentrados no Estado de São Paulo e 15% em Minas Gerais. Analisando os perfis por curso, descobriu-se uma grande heterogeneidade, como a presença superior de mulheres nos programas de gestão financeira e o fato de que, na carreira de recursos humanos, os alunos têm entre 35 e 44 anos.
Feito o mapeamento dos alunos e interessados, os pesquisadores se detiveram sobre as buscas feitas na internet para entender as grandes demandas. Foi nessa etapa que apareceu um dos primeiros apontamentos do estudo. Muitos consultam o Google para saber se os cursos tecnológicos são programas de ensino superior; se os egressos podem fazer mestrado ou concurso público; e quais as diferenças entre CSTs, bacharelados e técnicos. Outro dado que chamou a atenção foi a queda nas buscas sobre CST em comparação com o técnico, a licenciatura e a educação a distância nos últimos cinco anos. A modalidade foi a única que caiu no período.
Foi na análise das conversas, contudo, que os pesquisadores conseguiram esmiuçar aspectos comportamentais e motivacionais relacionados ao tema. Foram analisados mais de 70 sites pertinentes, além de posts e comentários (todos públicos) de mais de 400 pessoas. O critério para a seleção das conversas foi a riqueza de detalhes, a quantidade de trocas existentes a partir de cada post, e a existência de sentimentos e crenças sobre a categoria CST.
“De modo geral, o que se viu é que há uma grande desconfiança em relação à modalidade. O curso nasceu para atender a uma necessidade do mercado; ele deveria ser percebido como algo especializado. A realidade, contudo, é outra. A percepção é de que se trata de uma formação parcial e incompleta”, frisa Débora Ferreira Figueiredo, fundadora da Folks Netnográfica junto com Bernardo Lorenzo-Fernandez.
O olhar do mercado
O comportamento dos recrutadores é um dos motivos que explicam essa percepção de que se trata de uma subgraduação. Os pesquisadores analisaram quase 15 mil vagas publicadas nos sites Catho, Manager e Empregos.com. Desse universo, apenas 352 especificavam a formação em graduação tecnológica. “Ao olhar para a oferta em si, percebemos que o tecnólogo compete com o técnico, e não com o bacharel. Consequentemente, o salário é de um técnico”, afirma Débora. “Além disso, muitas vagas pedem qualificações que o egresso de um bom ensino médio apresentaria. Fala-se em funções de assistente, de auxiliar”, diz.
A única área em que os tecnólogos não sofrem esse problema é a de TI, justamente por um setor onde o ‘saber fazer’ é altamente valorizado.
Além do desconhecimento dos recrutadores sobre a modalidade, a falta de normatização em algumas áreas também atrapalha. A engenharia é uma delas. “Há clareza quanto ao que o bacharel e o técnico podem fazer e assinar. O mesmo não existe para o tecnólogo”, aponta Débora.
Embora o público não critique o curso em si – pelo contrário, as pessoas demonstram satisfação com o conteúdo aprendido –, o clima no ambiente digital é de não recomendação. “Quando avaliamos as opiniões, constatamos que 66,7% não recomendam o CST. É um índice muito alto”, alerta a pesquisadora.
Por que resgatá-los
Os dados levantados pela pesquisa explicam por que os cursos tecnológicos não avançam. De acordo com Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, as matrículas em CST correspondem somente a 14% do total. Em 2015, as matrículas ainda tiveram um decréscimo de 4,3% em comparação com o ano anterior. A queda vem desde 2014, período que coincide com a explosão do Fies. “O governo deveria ter direcionado uma parte do recurso para os cursos tecnológicos, mas não houve nenhuma preocupação com a modalidade”, critica. Como resultado, a grande maioria das pessoas optou pelos bacharelados, enquanto as matrículas nos CSTs minguaram.
“O problema é que a expansão do ensino superior passa pelos cursos tecnológicos. O Brasil terá de incluir 3,5 milhões de pessoas no ensino superior para atingir a meta do Plano Nacional de Educação. A taxa de escolaridade líquida, que hoje é de 18%, deve chegar a 33% até 2024”, enfatiza. “Resgatar a modalidade é fundamental para crescermos. Não dá para imaginar que vamos incluir todas essas pessoas em curso de administração, direito, engenharia”, completa.
Um primeiro passo já foi dado pelo Semesp para valorizar o CST. A iniciativa consistiu em sugerir ao CC Pares, o Conselho Consultivo do Programa de Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, que altere o modelo da oferta dos cursos para torná-la mais dinâmica.
Tendo em vista que o governo leva de um a dois anos para autorizar um programa, muitas instituições acabam não diversificando seus portfólios para não lançar cursos “vencidos”. Isso pode ocorrer porque se hoje há uma grande procura por profissionais na área de estética, daqui a dois ou três anos é possível que essa demanda esteja esgotada. Para lidar melhor com essas variações, o ideal seria que as autorizações fossem concedidas por eixos, deixando para as instituições decidirem quais cursos criarão, avalia Capelato. A sugestão encontra-se em discussão.
Esforço de comunicação
O governo e as instituições de ensino também deveriam fazer um esforço de comunicação para que o mercado conheça melhor a modalidade. “Até agora, isso não foi feito. Você imagina a Nestlé criar um produto e não divulgá-lo? Pois foi isso o que aconteceu com os cursos tecnológicos. Houve uma grande negligência”, declara Luiz Edmundo Rosa, diretor de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).
Por esse motivo, há recrutadores que não sabem a diferença dos tecnólogos para os cursos técnicos, o que é lamentável em sua opinião. “São programas excelentes, pois são mais objetivos e diretamente voltados para o mercado. Em países como Alemanha e China, eles constituem uma experiência muito bem-sucedida”, fala.
De fato, há uma série de países com boas experiências na oferta de cursos similares aos tecnológicos, o que mostra o potencial de crescimento da modalidade.
Nos Estados Unidos, 45% das matrículas no ensino superior estão nos community colleges, que oferecem formação similar aos tecnológicos. Na Coreia do Sul, esse mesmo indicador é de 35% enquanto que na Alemanha ele representa 44%.
Segundo Priscila Simões, vice-reitora do Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UniÍtalo), essa diferença se deve também ao fato de que o Brasil demorou para ofertar outros cursos, além dos bacharelados e das licenciaturas. “Não tem nem 20 anos que os tecnológicos existem”, pondera. Além da falta de divulgação, o setor também falhou ao reduzir demais o valor das mensalidades em um momento de acirrada concorrência, entre 2002 e 2003. “Os cursos foram tratados como algo menor, o que prejudicou a imagem que se fez deles”, analisa.
Por isso, hoje a percepção de valor do bacharelado é superior à dos tecnológicos. “Isso ficou claramente evidente quando o governo impulsionou o Fies e o ProUni. Os alunos optaram pelos bacharelados. Não queriam ‘desperdiçar’ o benefício com um curso menor”, conta Ruy Guérios, da Faculdade Eniac.
Priscila também acha que a modalidade mereça uma grande campanha de comunicação, visto sua relevância “É importante oferecer às pessoas uma diversidade maior de percursos formativos. As aspirações são diversas, bem como as necessidades do mercado. Fazendo uma comparação, o tecnólogo seria uma piscina menor, porém profunda, enquanto o bacharelado seria uma piscina maior, mas rasa. O administrador de empresas é tão necessário quanto o tecnólogo que se formou em logística”, enfatiza. Para esclarecer pontos como esses, as instituições deveriam visitar as empresas, se relacionar com os empregadores, para eliminar as barreiras que seus egressos estão enfrentando, acredita Rosa.
Mudar a nomenclatura seria outra saída, avalia a vice-reitora da UniÍtalo. Capelato concorda e acredita que poderia ser eliminada a diferenciação nominal que se faz entre o bacharelado e o tecnológico. Ambos deveriam ser chamados de graduação; a diferença ficaria nas diretrizes do curso. Sejam quais forem as estratégias adotadas, a lição que está posta é que tanto as instituições quanto o governo precisam agir. A modalidade pede atenção.