NOTÍCIA

Ensino edição 220

O lugar do RH

Gerenciar pessoas vai muito além de definir políticas de remuneração e avaliação. Também cabe aos profissionais desses departamentos moldar culturas e disseminar valores organizacionais – e isso vale para as instituições de ensino

Publicado em 10/07/2017

por Marleine Cohen

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Aquela figura arcaica do chefe do departamento de recursos humanos que ficava disparando mensagens otimistas aos aniversariantes do mês deve ser varrida das instituições de ensino. No seu lugar, os mantenedores devem alçar gestores que tenham como missão disseminar os propósitos e valores da escola.

João Alqueres, diretor-geral do Grupo Educacional Flamingo

Esta é, em síntese, a visão de João Alqueres, diretor-geral do Grupo Educacional Flamingo, que mantém o Colégio das Américas e o Colégio e a Faculdade Flamingo. Sua avaliação encontra eco entre gestores de instituições de porte variado, que vêm reconhecendo a importância de uma gestão eficiente de RH para o sucesso do negócio.

Durante muito tempo, a área de RH permaneceu confinada à tarefa de prestar suporte operacional às empresas. Definir a política de remuneração, entrevistar e contratar profissionais, avaliar o desempenho dos funcionários e até mesmo garantir as condições de higiene e segurança do trabalho eram e ainda são responsabilidades atribuídas ao gestor de pessoas, como esclarecem, no ensaio O papel estratégico do RH, os pesquisadores Hortência Brock, Maria José Seidel Monteiro, Leandro Maurício Medeiros Vieira e Marcos Ferasso.

“Embora algumas organizações também percebessem a gestão de pessoas como componente importante na atividade organizacional (…), não havia espaço para se pensar em um RH diferente que tivesse mais participação nas estratégias e trouxesse mais valor para a empresa”, relatam.

Porém, essa realidade mudou. As transformações ocorridas nas últimas décadas tanto no cenário econômico e tecnológico quanto no mercado criaram um cenário de instabilidade para as organizações, exigindo um novo posicionamento, inclusive do gestor de pessoas. “Hoje, os responsáveis pelas estratégias estão se dando conta de que, na atual conjuntura econômico-produtiva, é preciso ter, além de uma linha de produção com equipamentos modernos, empregados qualificados, proativos e comprometidos com o crescimento do negócio. E isso se consegue com o apoio da área de recursos humanos”, ressaltam novamente os pesquisadores.

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Sala dos professores da Faculdade Flamingo: docentes não podem ficar à deriva das políticas de RH

Ruy Guerios, reitor do Centro Universitário Eniac, de Guarulhos, e Simone Vianna, assessora de inovação pedagógica da instituição, notaram esse hiato há alguns anos quando decidiram oferecer novos métodos de ensino aos seus alunos. Ao optar por esse caminho, eles perceberam que, antes, precisavam desenvolver uma ação institucional para apresentar o conceito de aprendizagem ativa aos funcionários da área administrativa.

“Notamos que não bastava criar metodologias e plataformas inovadoras se os próprios empregados da instituição não entendiam o propósito dessas novidades. E já que a metodologia ativa ecoava no administrativo, resolvemos criar no portal um programa de treinamento na modalidade ‘sala de aula invertida’ para que todos se envolvessem”, conta o reitor do Eniac.

Para tanto, foi realizado um grande evento. “Formamos equipes mistas e fizemos a gestão de inovação com as pessoas”, acrescenta Simone Vianna, adiantando que esse trabalho de compartilhamento permitiu produzir excelentes resultados. Assim, muito rapidamente, o RH do Eniac ganhou musculatura: onde havia antes apenas duas pessoas para cuidar do DP – o famoso Departamento Pessoal –, agora há oito profissionais especializados.

Além disso, explica Ruy Guerios, eles passaram a responder pela política de RH do Eniac, isto é, pelo plano de carreira adotado pela instituição, a forma de acesso, a seleção, os salários e a definição clara de cada missão. A nova equipe também instituiu a gestão por competência, graças à qual todos os cargos são previamente definidos de acordo com o que se espera de cada liderança.

O reconhecimento da importância de uma política de RH bem azeitada e proativa rendeu ao Centro Universitário Eniac não só o selo ISO 9001 como uma certificação da Fundação Vanzolini. “Migramos de uma mera pagadoria para a estruturação de uma área de gestão de pessoas eficiente”, festeja o reitor.

Não basta vontade
Iracema Amélia Ribeiro, RH da Rede de Educação Marcelinas, mantenedora, entre outras, da Faculdade Santa Marcelina, não teve o mesmo sucesso quando decidiu, a pedido da sua área financeira, desenvolver uma ação focada na retenção de alunos.

“Planejamos criar um programa de excelência no atendimento que seria difundido em todas as unidades da instituição – na mantenedora, nos colégios, nas faculdades e nas obras educacionais –, a partir dos segredos de sucesso da Disney, a mais poderosa empresa de diversões do mundo, relatados no livro Os bastidores da Disney”, conta a profissional.

Para isso, foi criado um grupo de trabalho, que, inicialmente, leu o livro com o intuito de propor iniciativas que pudessem ser implementadas na instituição. A área de RH assumiu e organizou o processo, que teve início com uma palestra motivacional. “Em seguida, imaginamos diversas ações que seriam desenvolvidas em distintas áreas com o objetivo de abordar o assunto de forma técnica e comportamental”, conta.

 

Muito concorrida, a palestra inicial, ministrada em um dos auditórios do Santa Marcelina e transmitida por videoconferência para toda a instituição, foi um sucesso na avaliação de Iracema. A iniciativa, contudo, morreu ali.

“A continuidade das ações foi mal dimensionada. Não tivemos ‘braços’ para dar sequência às atividades nos momentos planejados. Sendo os processos de aprovação morosos nas instituições de ensino, isso gerou descompasso entre as ações planejadas pelo RH e a alta direção”, explica a gestora, mostrando, através desse contraexemplo, o quanto um RH burocrático, voltado para os processos de pagamento e cumprimento da legislação trabalhista, ainda é muito forte no setor educacional e pode explicar grande parte da desarticulação entre áreas de uma mesma empresa.

De cima para baixo
Para Edna Rodrigues Bedani, professora de gestão de pessoas e diretora executiva de Aprendizado e Conhecimento da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP), existe um fator determinante para o sucesso de qualquer ação de RH: vontade política. “Acredito que sem um interesse genuíno pelas pessoas, é bem difícil implantar e sustentar uma cultura empresarial focada em recursos humanos e ter uma gestão de RH eficaz”, afirma.

“Minha experiência de mais de três décadas na área, das quais três anos só em instituições de ensino, me permite dizer que todo e qualquer gerenciamento negligente dos recursos humanos decorre da falta de uma estratégia e de uma cultura corporativa de gestão de pessoas. Estas devem ser definidas e implantadas de cima para baixo.

Sem o apoio direto dos responsáveis pela empresa, sejam eles donos, acionistas ou executivos contratados, não há como consolidar um modelo de gestão de recursos humanos com regras claras e procedimentos bem definidos”, completa, lembrando que, somado a isto, é preciso contar com profissionais experientes e bem preparados, que estejam engajados e dispostos a defender a causa.

Ruy Guerios, do Centro Universitário Eniac

Recorrendo a sua experiência numa IES de comando familiar adquirida por um grupo estrangeiro com mais de 70 instituições de ensino superior no mundo e que, em 2014, passou por um processo de profissionalização da gestão, Edna descreve a transformação do simples centro de custos em um centro de oportunidades e resultados, focado na busca de excelência organizacional e no reconhecimento das competências necessárias para responder com agilidade e rapidez às exigências do mercado:

“A empresa familiar tinha um estilo próprio de gestão, baseado no gerenciamento de interesses e na validação do ‘favoritismo’, bem como processos, regras e procedimentos administrativos que atendiam a esse paradigma. O grande desafio foi implantar o modelo de gestão que fazia parte da cultura da rede internacional de educação e era validado pelos seus principais executivos, sendo que eles já estavam orientados para cumpri-lo. Isso representou uma variável importantíssima para o sucesso da iniciativa”, relata a diretora da ABRH-SP.

Assim, uma vez concluída a transição, rapidamente foram agregados novas normas e procedimentos, tais como uma comunicação direta e eficiente em toda a organização, feedbacks individuais, pesquisas de clima, preparação de lideranças, envolvimento de todos os públicos e mapeamento das competências existentes e necessárias para atingir os objetivos do negócio.

O papel do docente
Uma vez manifesta a vontade política de instituir uma gestão de RH antenada com o capital intelectual existente internamente, é preciso descentralizar a área de recursos humanos para que ela possa disseminar os valores da instituição junto aos estudantes, acredita João Alqueres, do Grupo Educacional Flamingo. “Cabe a esses gestores difundir o produto educacional, atuando como multiplicadores dos propósitos da IES, daí a importância de uma estrutura que não seja verticalizada”, explica.

Equipe de recursos humanos do Eniac

Um dos principais embaixadores dos valores institucionais é justamente o professor, ressalta o diretor-geral do Grupo Flamingo, para quem todo docente é um comunicador nato. Estas mesmas habilidades que fazem dele “um formador de jovens profissionais nas mais diversas áreas, que transmite ideais, motiva, ensina a liderar e envolve em causas”, como diz Iracema Amélia Ribeiro, geram muitas vezes uma resistência natural em ser capacitado por um RH.

Mal interpretado por conta dessa suposta relutância em se envolver com questões internas da IES que não dizem respeito às suas aulas, entendendo que as novidades só podem representar mais uma carga de trabalho que nada vai agregar à sua atividade, o docente comumente segue alheio às políticas de RH.

Para reverter isso, ele precisa ser convidado a abandonar sua função de dono da sala de aula e vestir a camisa de mediador junto aos alunos, aproximando-os da instituição onde trabalha, analisa Alqueres. Isso significa não só eliminar a hierarquia – entre o diretor e o professor existem, às vezes, até cinco esferas de poder –, como permitir que a informação que se espera que ele dissemine chegue ao seu conhecimento. “Reconhecer os vícios da gestão, e não culpar o professor por ser relutante, pode ser útil. Se as ações do RH chegarem até ele, ele se sentirá mais confortável para transmiti-las”, aposta o diretor.

Edna Bedani, por sua vez, defende que as instituições desenvolvam ações específicas para os acadêmicos, de maneira a lhes transmitir uma cultura de gestão clara e direta: “Se se definir, de cima para baixo, que a cultura empresarial consiste, por exemplo, em manter o corpo docente atualizado, o professor vai entender que tem de seguir esse modelo, se quer continuar dando aulas naquela escola”, explica.

Adepto de relações hierárquicas mais enxutas, o reitor Guerios enfatiza, por fim, que no Brasil o professor acredita ser seu papel apenas dar aula: “Ele foi culturalmente levado a pensar que não deve se envolver com o resto”, justifica, lembrando que nos países escandinavos, por exemplo, tanto o diretor quantos os docentes resolvem tudo dentro da escola. Por se tratar de uma questão cultural, qualquer mudança nesse terreno implica o emprego de múltiplos esforços. Quem já está seguindo por esse caminho, contudo, garante que vale a pena.

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Marleine Cohen


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