NOTÍCIA
Embora a maioria dos gestores e educadores reconheça a necessidade de mudar o processo de aprendizagem, apenas alguns conseguem sucesso na empreitada. O que segura uma transformação mais radical no setor?
Publicado em 25/09/2017
Não há quem discorde de que os métodos de ensino precisam ser renovados para possibilitar o desenvolvimento de outras competências além da memorização de conteúdos. Os alunos da atual geração também estão saturados do tradicional modelo – basta olhar os índices de evasão para comprovar isso. Outro consenso é a falta diversidade na ementa dos programas, nos percursos formativos e nos projetos de pesquisa.
Embora esse diagnóstico seja bem conhecido, a grande maioria das instituições de ensino continua apostando nas carreiras mais “básicas” e no velho esquema das aulas expositivas combinadas com um roteiro de leitura e uma avaliação no final. O que explica essa situação? Em outras palavras, o que impede uma transformação mais radical do setor?
O problema tem várias causas e uma das mais significativas é a maneira como o sistema educacional está estruturado. Não há estímulo para inovação, garantem os especialistas, e essa será uma das discussões centrais da 19ª edição do Fnesp (Fórum Nacional do Ensino Superior Particular).
Estima-se que haja mais de 30 mil pedidos de abertura de cursos pendentes no MEC. São solicitações feitas por instituições de ensino superior para ofertar, muitas vezes, programas que naquele momento são importantes para a sociedade.
Segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp, é assim que funciona a dinâmica dos cursos tecnológicos, que por sua natureza formam profissionais com habilidades predominantemente técnicas para atender, inclusive, novos setores ou setores em expansão. Para que isso ocorra, porém, é preciso celeridade na autorização. Uma liberação dois ou três anos mais tarde causa desperdício de oportunidades e desânimo entre os dirigentes para inovar.
Ainda sobre os cursos tecnológicos, constata-se que nunca foi feita uma campanha para divulgar os programas e incentivar os alunos a seguir outros caminhos que não o dos bacharelados. Pelo contrário, ainda há concursos públicos que só aceitam egressos destes últimos. Além disso, uma pesquisa encomendada pelo Semesp revelou que uma parcela importante dos jovens não sabe que os tecnólogos são formações de nível superior. Eles são associados a cursos técnicos, uma confusão feita até pelos recrutadores. Esse problema precisa de solução urgente, defende Capelato, pois disso depende a maior inclusão de indivíduos em cursos de graduação e ainda o aumento da empregabilidade.
Parametrização
A regulação é outro entrave à inovação e um dos críticos mais contundentes ao atual modelo é Sérgio Fiuza, vice-reitor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa). “Temos um caudaloso marco microrregulatório na área da educação. São portarias, resoluções, decretos que interferem lá na ponta da ação quando, na realidade, a regulação deveria definir marcos gerais”, critica.
Esse excesso de normas torna mais complicado para as instituições elaborar, com liberdade, seus planos institucionais. Estabelecer metas próprias, ainda mais se forem ousadas e caminharem no sentido da inovação, se torna um grande desafio. “Faltam ‘pernas’ para fazer as duas coisas, então muitos vão pela agenda mínima. É claro que essas agendas são conciliáveis, mas é muito difícil fazer isso acontecer”, acrescenta. A consequência disso é a uniformização dos modelos educacionais. “Em vez de pensar outra forma de fazer educação, as IES entram na rota da parametrização”, pontua Fiuza.
São as amarras da regulação, portanto, que impedem a modernização da educação, hoje tão dependente da sala de aula. Se não fosse pela rigidez da estrutura que fatia os conteúdos em disciplinas e estabelece cargas horárias fixas para cada uma delas, a aprendizagem poderia acontecer, formalmente, nas empresas, nas comunidades, no contato com a natureza, enfim, em praticamente qualquer lugar. Em condições mais flexíveis, os alunos também poderiam compor seus próprios itinerários educacionais, sempre com orientação dos professores.
Na visão do vice-reitor da Cesupa, se as instituições conseguissem tirar o aluno do “confinamento” da sala de aula, o conhecimento acadêmico se conectaria mais fortemente com o mundo real. Consequentemente, os jovens teriam um preparo melhor para lidar com problemas reais, uma habilidade altamente desejada pelos empregadores.
A junção entre os dois mundos ainda serviria para resgatar a diversidade cada vez mais rara no segmento do ensino superior, pontua o vice-reitor. Esse modelo, contudo, não se sustenta sem outra revisão, esta na avaliação. “Precisamos de avaliação multidimensional, que contenha outros indicadores, e não mais esses das ‘caixinhas’”, destaca.
Avaliação descentralizada
A contratação de agências acreditadoras independentes seria uma alternativa para realizar avaliações mais flexíveis, capazes de respeitar as distintas realidades locais. A Alemanha, que tem um dos sistemas educacionais mais modernos do mundo, adotou esse modelo há quase duas décadas, como informa Christian Schneijderberg, pesquisador do Centro de Pesquisas Internacionais sobre Ensino Superior da Universidade de Kassel.
Atualmente, há dez agências habilitadas, sendo que duas delas são estrangeiras. Elas passam por um rigoroso processo de seleção para poder emitir selos de acreditação. Entre as agências, há aquelas que validam qualquer tipo de programa e/ou instituição e outras menores, especializadas em determinadas áreas, como estudos religiosos e engenharia.
De acordo com Schneijderberg, a acreditação trabalha a partir de critérios gerais para a gestão das IES e a organização dos programas acadêmicos, além de listar recursos e estruturas básicas. A essência dos programas, isto é, o conteúdo que oferecem e as competências que trabalham, não é objeto de análise das agências. Por isso, há muita liberdade para criar programas inovadores – para alguns, até demais. Há dois anos, o Conselho de Ciência Alemão publicou um relatório criticando a criação de cursos como os de Jornalismo Pop e Interação Homem-Máquina, que seriam programas de nicho com atuação profissional excessivamente reduzida.
Os Estados Unidos são outro exemplo de país que recorre às agências acreditadoras para assegurar a qualidade dos cursos de graduação e pós-graduação. O país, aliás, se destaca por não ter um ministério da Educação ou outra autoridade nacional para controlar as IES.
Nas palavras de James A. Hyatt, diretor associado e principal pesquisador do Centro de Estudos sobre Ensino Superior da Universidade da Califórnia, em Berkeley, o governo federal tem basicamente duas preocupações: garantir que as instituições em operação estejam credenciadas e prover ajuda financeira aos alunos que necessitam.
A máquina pública é mais leve, portanto, bem como a pressão sobre as instituições. Na opinião do pesquisador, essa estrutura mais arejada faz com que as instituições tenham mais facilidade para responder às demandas que vão surgindo, inclusive no campo das pesquisas.
Assim como na Alemanha, as agências são independentes e certificadas pelo governo. Em um período que varia de 7 a 10 anos, as instituições precisam se submeter a uma análise que envolve uma autoavaliação e a recepção in loco de um grupo de avaliadores.
Atualização contínua
Para Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp, o Brasil precisa de um sistema de ensino superior que impulsione a inovação. Por isso, acredita, os formuladores de políticas públicas precisam acompanhar as novidades e saber como as instituições – inclusive as de outros países – estão trabalhando para, assim, repensarem as diretrizes que impactam a aprendizagem e, consequentemente, a competitividade do país.
Essa atualização, aliás, precisa ser contínua, o que pressupõe um sistema flexível o suficiente para acomodar adaptações. O contrário disso, um sistema engessado, impede o surgimento de inovações. “Uma boa política pública não burocratiza o sistema; ela confere autonomia com prestação de contas”, afirma Reis.
Referências externas
As experiências da Coreia do Sul e da Finlândia exemplificam bem como a organização do sistema influencia a aprendizagem e a formação de profissionais. Na primeira, o governo e a sociedade reconheceram a iminência da quarta revolução industrial, marcada pela proeminência da tecnologia em várias áreas e a consequente extinção – e criação – de profissões.
Diante desse fato, moldou-se o sistema para que os jovens começassem a se preparar para esse futuro próximo. Currículos foram refeitos, objetivos de aprendizagem foram revistos, cursos foram criados e mais uma série de medidas foi tomada para que os jovens não se vissem, num futuro próximo, sem condições de participar das mudanças.
Já o sistema finlandês tem inspirado gestores do mundo inteiro pelas mudanças que vem fazendo nos espaços de aprendizagem. Cientes de que o mundo contemporâneo precisa de pessoas com excelentes competências técnicas e habilidades socioemocionais, o país nórdico adotou um modelo inovador de aprendizagem na educação básica, onde o conhecimento não é segmentado em disciplinas.
Em vez disso, ele é trabalhado como um todo, de forma multidisciplinar. Além disso, a explanação pura e simples dos conteúdos está sendo substituída pela execução de projetos que, naturalmente, levarão os alunos aos conteúdos. Essa reforma já começou em algumas cidades e deve se estender para todo o país. Com isso, espera-se que os alunos cresçam com conhecimentos mais sólidos e saibam resolver problemas de forma criativa. Espera-se também que eles aprendam a trabalhar em equipe, a tolerar as diferenças e a assumir riscos e responsabilidades.
Na área do ensino superior, há um posicionamento claro da parte do Ministério da Educação para incentivar a inovação e isso é percebido pelas instituições de ensino e demais agentes que participam do processo educacional. Na mais recente visita técnica promovida pelo Semesp, cujos destinos foram Finlândia e Dinamarca, ficou claro para os participantes a importância desse posicionamento, que reflete uma concepção de educação. Essa atitude seria até mais importante que a existência de recursos financeiros para promover as contínuas transformações.
Naturalmente, não se pretende comparar as realidades coreanas e finlandesas com a brasileira. Mas esses e outros países podem inspirar em termos de referências, como salienta Fábio Reis: “São realidades distintas, mas são realidades concretas. Estamos falando de algo que é possível realizar e, por esse motivo, pode servir de inspiração. Podemos fazer uma releitura dessas experiências”.
Reformas
Para promover a inovação acadêmica em massa, portanto, é preciso conduzir algumas reformas no sistema educacional, a exemplo do que vem fazendo a Austrália, para citar um exemplo.
Como explica Ruth Schubert, diretora associada da Universidade de Melbourne, há dois anos o primeiro-ministro lançou um programa de inovações – a National Innovation & Science Agenda (NISA) – para estimular a inovação na economia com a ajuda, inclusive, das IES, especialmente daquelas que oferecem cursos de perfil muito semelhante ao dos tecnólogos brasileiros (Higher Vocational Education). Como resultado, afirma Ruth, as IES adotaram novas políticas e práticas para aumentar o engajamento delas com empresas e indústrias e incentivar o surgimento de inovações.
Para os gestores brasileiros, o novo marco regulatório da educação é um exemplo positivo de mudança que poderia inspirar outras pequenas reformas na mesma linha. Desde a publicação do decreto 9.057 e da portaria nº 11/2017, as instituições bem-avaliadas têm autorização prévia para criar, no mínimo, 50 polos por ano, o acervo pode ser exclusivamente on-line, as instituições podem oferecer exclusivamente cursos a distância e parcerias com outras figuras jurídicas estão liberadas.
Como provavelmente haverá expansão tanto de cursos como de instituições, a competição estimulará as instituições a usar novas metodologias, a propor parcerias com o mercado de trabalho, a criar novos modelos de curso, enfim, a inovar. A expectativa do setor é que a revisão do decreto 5.773 saia nos mesmos moldes do marco regulatório da EAD, que se destacou pela concessão de “bônus regulatório” a partir dos resultados da avaliação. Até o fechamento desta edição, o novo decreto não havia sido publicado.
Para estimular reformas mais amplas, o Semesp publicou recentemente as Diretrizes de Política Pública para o Ensino Superior. O documento, elaborado por um conjunto de acadêmicos e especialistas nacionais e internacionais, já foi levado para discussão na Câmara dos Deputados e foi tema de um congresso realizado em São Paulo (leia mais na pág. 32). Trata-se de um documento abrangente, que vista estimular o Estado brasileiro a adotar uma política pública de Estado, e não de governo, para o setor. São referências para que se comece a pensar na educação em longo prazo e buscar a tão almejada inovação acadêmica.