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Em entrevista, presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) afirma que população não conhece pesquisas que mudaram a realidade social do país
Publicado em 17/10/2018
Apesar dos altos investimentos, a população não consegue citar dez trabalhos da USP que tenham mudado a realidade social. E isso vale praticamente para quase todas as universidades, aponta Antonio Freitas, pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV e presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação).
Em sua opinião, para alterar isso é preciso fazer amplas mudanças no sistema educacional, começando pela revisão dos gastos governamentais para priorizar a educação básica. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
A inovação é um ponto fraco dos países em desenvolvimento, incluindo Brasil. Entrando especificamente do campo das pesquisas, há um índice que afere o impacto delas. A média mundial é 1, enquanto a taxa do Brasil é 0,86, o que indica que as nossas pesquisas são pouco citadas.
O Brasil tem alguns centros de excelência na aeronáutica e na agricultura, por exemplo, mas, em geral, nossas pesquisas não têm relevância – e também não têm impacto social.
Contudo, isso deveria ser diferente, pois o dinheiro do contribuinte, que paga a universidade pública, o Fies, o ProUni, deveria ter retorno para a sociedade. Hoje a pesquisa fica encapsulada na universidade.
Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras? Você não consegue citar dez pesquisas da USP que tenham beneficiado a sociedade, apesar dos altos investimentos que ali são feitos.
Há também pouco incentivo para os brasileiros trabalharem com pesquisadores de outro país. O Ciência sem Fronteiras deveria ter investido nisso.
Voltando ao índice de impacto, o fator de impacto da Suécia é 1,16, que é acima da média, enquanto o nosso é de 0,86. Porém, considerando os 2,6 mil trabalhos conjuntos de brasileiros e suecos, temos o fator 4,19.
O trabalho em parceria, além de motivador, enriquece a pesquisa, visto que o problema passa a ser visto de diferentes perspectivas.
Um problema grande que temos é a má gestão da educação em todos os níveis, mas principalmente na educação básica. Por que o Rio de Janeiro investe o dobro do Piauí na educação e está com notas piores no Ideb?
Por causa da má gestão. E sem melhorar a educação básica, não vamos avançar no ensino superior e tampouco conquistar centros de pesquisa relevantes.
Em vez de investir 70% dos recursos na educação superior e 30% na educação básica, deveríamos inverter isso, tal como fez a Coreia do Sul. Também temos de usar leis, como a Lei Rouanet, para permitir às empresas investir diretamente na educação.
Em geral, as instituições de ensino preparam as pessoas para o mercado de trabalho, mas alguns poucos indivíduos têm interesse em fazer pesquisa.
Esse grupo deve receber atenção e, acredito, não faltam empresas que desejam apoiar esses indivíduos. Além disso, os alunos dos cursos mais concorridos da USP e de outras universidades públicas deveriam pagar pelo ensino, pois certamente eles podem fazer isso.
Essa mudança permitiria dar aos pobres não apenas a gratuidade do ensino, mas todo o auxílio de que eles necessitam para se manter e estudar.
Eles devem ter bolsas de estudo para estudar e pesquisar com tranquilidade e sair dessa condição em que estão hoje, trabalhando o dia todo para conseguir estudar à noite.
Sim. O Brasil precisa de mudanças radicais em muitos setores, inclusive na educação. A postura do MEC também tem de mudar, pois acho que a posição do MEC deveria ser semelhante à de um pai diante de uma escola que está em dificuldade.
Em vez de fechar essa escola, ele deveria ajudá-la. As melhores universidades públicas também poderiam ajudar, dando assistência a outras instituições. E na educação básica, poderíamos aceitar a participação da iniciativa privada para gerenciar as escolas.
Hoje, os diretores das escolas públicas são definidos a partir de conchavos políticos. Diria ainda que as IES públicas são muito mal gerenciadas.
Elas podem ajudar na atualização dos professores das escolas privadas que são contratados em regime parcial. Muitos deles trabalham em alguma empresa e dão aula de noite.
Eles têm o conhecimento prático, mas eventualmente não estão acompanhando a evolução do conhecimento em suas áreas. Também poderia haver um suporte para aprimorar o uso de técnicas de ensino e até para estruturar algumas instalações, como laboratórios e grupos de pesquisa.
Nesses cursos, as diretrizes estão sendo renovadas com a participação de docentes, do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), de pesquisadores engenheiros do ITA e de muitas empresas.
A primeira versão já está disponível para consulta na internet. O objetivo das mudanças é criar pesquisas relevantes e formar profissionais transdisciplinares, ou seja, aptos a trabalhar em equipe com especialistas de outras áreas.
As novas diretrizes também estão sendo pensadas para dar mais liberdade às IES para escolher o caminho que querem seguir, ou seja, se querem ser fortes em engenharia automotiva, em engenharia aeronáutica, em resistência dos materiais, e assim por diante. Pretendemos relatá-las em outubro.
O caso do Direito é o mais complicado, porque a OAB é muito conservadora. Levamos cinco anos, de 2013 a 2018, para reelaborar as diretrizes, que também serão relatadas em outubro, conforme previsão.
Definimos os conteúdos que todos os alunos terão de estudar e um conjunto de disciplinas optativas que serão escolhidas pelas IES conforme a especialidade que querem conferir aos seus cursoa, se ambiental, cibernético, eleitoral.
Todos os cursos querem imitar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas as novas diretrizes estão sendo pensadas para mudar isso.
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