NOTÍCIA
Docentes relatam experiências de início de carreira e apontam os desafios que precisam ser enfrentados com prioridade
Publicado em 03/01/2019
“Eu entrei na rede estadual em 2007 sem saber como funcionava o sistema público educacional”, confessa o professor de física Ricardo Pataro. Mais de uma década depois, o docente conta que a passagem da licenciatura para as salas de aula é um momento muito delicado na vida profissional e, infelizmente, essa transição vem sendo repetidamente subestimada pelas faculdades (que fazem vista grossa com o cumprimento dos estágios obrigatórios), pelo Estado (que pouco ou nada faz para ajudar o transcurso) e até pelos próprios professores.
“Quando comecei a ir atrás de estágios, os professores não queriam que eu assistisse a suas aulas, prossegue Pataro, que identifica um comodismo nada saudável nesse ciclo. “Muitos professores não deixam os estagiários entrarem, mas assinam as horas de estágio mesmo assim. Acaba sendo cômodo para eles e para os futuros profissionais, que se livram da obrigação sem o menor esforço”, detalha.
E mesmo quando a vivência obrigatória em sala de aula é feita cumprindo a carga horária determinada, ela tende a ser deficiente. O desestímulo à formação e à carreira é tamanho que os professores ouvidos pela reportagem relatam ser difícil encontrar jovens colegas que queiram, por exemplo, participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). O projeto federal oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao estágio nas escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do magistério na rede pública.
“Os professores aprendem suas disciplinas, mas não são treinados de fato para a atual geração de alunos”, afirma a professora e pedagoga Heloisa Argento, que deu aulas na rede pública durante mais de 30 anos. De acordo com a especialista, as redes públicas perpetuam a miséria educacional do país, pois, além de uma carência em infraestrutura, os professores e alunos ficam “presos num sistema de notas que hoje faz pouco sentido, com currículos ultrapassados e uma gestão conservadora”.
São raras as escolas públicas que conseguem romper com esse modelo e produzir bons resultados, diz ela. “A média geral é baixíssima e o nível dos professores é determinante nisso.” Ciente de que é impossível formar perfeitamente 100% dos professores, ela defende uma formação “mais eficaz”, com profissionais “que saibam dialogar com os alunos atuais e sejam aptos a ensinar as competências exigidas na sociedade de hoje”.
Outro problema mencionado pelos professores é a alta desistência da carreira na rede pública. “Sempre trabalhei e defendi a rede pública, mas os melhores professores não ficam, não são incentivados a ficar”, diz a professora de português, inglês e redação Neiva Portes. Com melhores salários e estrutura, as escolas particulares atraem os bons profissionais e amplia-se ainda mais a distância na qualidade entre as redes públicas e privadas. Até para continuar estudando, na rede privada há mais facilidade.
A professora Neiva disse que teve problemas para ter um dia livre durante a semana e assim conseguir fazer aulas de mestrado. “Tem colegas que não aceitam”, reconhece. Há ainda casos extremos (e absurdos) de professores que tiveram de entrar na Justiça para conseguir uma liminar para estudar. “Não é toda diretora que libera.” Na rede privada, a direção geralmente é mais flexível e entende a importância da formação continuada, e muitas até incentivam financeiramente os seus professores que querem fazer pós-graduação.
Portes afirma que “independentemente da faculdade que fazemos, não sabemos lidar com os anseios dessa geração”. A sincera observação ganha mais peso na voz de uma professora com mais de 10 anos de carreira dedicada ao ensino na rede pública e que cursou três graduações em IES de referência — Letras e Tradução no Mackenzie, Letras Português-Inglês e Pedagogia da USP.
Portes vê uma crise grande na comunicação e no relacionamento dos professores com os alunos. “Os jovens de hoje não querem aprender como as outras gerações, não veem sentido em muitos dos conteúdos e sabem que uma boa educação, no Brasil, não é necessariamente uma garantia de sucesso. Tem muita gente com pós, mestrado e doutorado desempregada”, relata.
Para conseguir se manter atualizados e melhorar tanto o ensino como o relacionamento com os alunos, Pataro acredita que os professores “não poderiam sair da faculdade”. Para ele, o público de hoje é muito dinâmico e, paralelamente às aulas, os professores deveriam ser também sempre alunos. Cabe ao Estado e às IES privadas ouvirem e darem conta da missão.
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