NOTÍCIA
Para que o ensino e aprendizagem possam melhorar com a experiência adquirida nesses anos de pandemia, instituições precisarão incorporar os ganhos obtidos, com mais pesquisas, debates e reflexões aprofundadas sobre as modalidades de ensino online, presencial e híbrido
Publicado em 01/02/2022
Não imaginaríamos a rapidez e a velocidade com que paradigmas, especialmente relacionados à educação mediada por tecnologia, seriam rompidos. Mesmo as pessoas mais resistentes tiveram que experimentar o ensino remoto, na maioria das instituições, avaliando desafios e potencialidades de diferentes ferramentas tecnológicas para a aprendizagem.
Ganhamos, todos e todas, uma nova perspectiva para enxergar as experiências do ambiente acadêmico. Devemos, porém, tomar cuidado para não voltarmos simplesmente à mesma prática docente de antes.
Neste ano que se inicia, já com vacinas, boas práticas e protocolos mais claros sobre a condução da vida em tempos de pandemia, a volta às aulas presenciais é certa para grande parte das instituições. Seja por comodidade, seja por limitações institucionais, é fundamental que o “velho normal”, ou seja, o ensino tradicional, com aulas expositivas e relações verticalizadas com os(as) estudantes, não volte a ser a regra.
Após o enorme salto de aprendizagem que tivemos, estruturar nossos cursos e dar aulas como fazíamos há dois anos seria desconsiderar tudo o que vivenciamos até agora.
Temos em nossas mãos a oportunidade valiosa de repensar toda a experiência que vivemos durante o período de aulas emergenciais a distância. É de nossa responsabilidade, instituições e docentes, avaliar criticamente o que fizemos de certo e de errado, e as perdas e os ganhos no processo de aprendizagem. Esse conhecimento, claro, ainda está sendo construído, exigindo mais pesquisas, debates e reflexões aprofundadas sobre as modalidades de ensino online, presencial e híbrido.
Por um lado, não podemos ignorar ganhos que vivenciamos com o ensino remoto, como promover com maior facilidade encontros nacionais e internacionais, contar com convidados(as) e parceiros(as) de diferentes regiões nas aulas e auxiliar os estudantes em sua jornada de aprendizagem sem colocar a sua saúde em risco. Estar juntos, em contato, para além da sala de aula, também foi muito valioso.
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Por outro lado, devemos ser muito cautelosos e cautelosas nessa avaliação e reestruturação dos cursos. Acrescentar a modalidade de ensino online ou híbrido a nossos programas não pode servir para aniquilar o próprio aprendizado, sustentando um sistema perverso. Juntar em um mesmo curso uma quantidade enorme de estudantes e reduzir o corpo docente, por exemplo, estruturando o ensino em torno de aulas gravadas e expositivas não seria benéfico ao processo de ensino-aprendizagem.
Costuma-se dizer que a tecnologia é neutra, apenas um meio para um fim, mas essa afirmação não é verdadeira. Novas tecnologias não apenas oferecem um cardápio de caminhos para chegar aos destinos, mas também reforçam e até mesmo condicionam determinadas escolhas, assim como um aplicativo de GPS é capaz de determinar por onde dirigimos. Toda a estrutura que foi montada para dar conta das aulas online pode nos levar a uma refundação do ensino em novas bases, mas também pode nos levar rapidamente a um estreitamento das nossas possibilidades enquanto docentes e limitar o potencial da aprendizagem.
A incorporação do ensino online não pode significar a redução das possibilidades de interações entre estudantes, docentes e funcionários das instituições, assim como o significado de estar junto presencialmente em uma sala de aula não pode ser mais o mesmo que em dezembro de 2019. Devemos valorizar ainda mais o potencial de experimentação, criação, colaboração e comunicação que um espaço oferece quando estivermos reunidos fisicamente.
Podemos ter um aproveitamento muito grande do ensino online e do presencial, desde que se tenha claro como e para quais objetivos dedicaremos e potencializaremos esses dois espaços. Há perdas e ganhos em cada um deles, dos quais estamos nos apropriando — algo que devemos fazer com urgência. Esse não é apenas um aprendizado individual, nem uma tarefa exclusivamente dos professores.
As instituições também devem se reinventar, reavaliando as estruturas de decisão, a diversidade dos corpos dirigentes, docente e discente, a infraestrutura tecnológica e física, e, principalmente, as relações humanas que são criadas naquele espaço. Se pudermos sintetizar duas importantes lições da pandemia, sabemos que o futuro dependerá cada vez mais de como as universidades aproveitam sua infraestrutura tecnológica para uma aprendizagem significativa (especialmente por serviços conectados à internet) e de como proporcionam um espaço de bem-estar e de construção coletiva para as pessoas que nelas convivem.
Não queremos nem devemos voltar ao ensino que era praticado até dezembro de 2019
Como garantir que esse aprendizado seja inserido na nossa prática docente e institucional diária será um grande desafio a partir de agora. Para isso temos que olhar para trás como quem atravessou muitas dificuldades, mas cuja caminhada foi repleta de crescimento. Que este ano possamos fazer escolhas em prol de um ensino que atenda às necessidades da comunidade acadêmica e que seja coerente com o amadurecimento que tivemos no último ano.
Não queremos nem devemos voltar ao ensino que era praticado até dezembro de 2019. Por isso, fica aqui nosso chamado de esperança e atenção às boas práticas docentes, para construirmos juntos e juntas um ensino significativo. Afinal, é nossa responsabilidade continuar zelando pela formação de cidadãos capazes de refletir e transformar a nossa sociedade.
Clio Radomysler é líder de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI) e Doutoranda pela Faculdade de Direito da USP
Guilherme Forma Klafke é líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa de pós-graduação lato sensu
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