Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
Após a pandemia, tudo mudou. Temos que rever todas as componentes da educação, sob pena de perder relevância
Os arquitetos da Curl la Tourelle Head Architecture (CLTH), no Reino Unido, projetam sala de aula com design inovador para o pós-pandemia. Foto: reprodução/Dark StudioUma aula presencial tornou-se valiosa, mas sujeita a justificativas bem fundamentadas. Afinal, se determinado encontro puder ser realizado, sem prejuízos, a distância, qual é o sentido de todos se mobilizarem e gastarem tempo para se deslocar à universidade, não é mesmo?
Pensando nisso e no impacto do retorno ao espaço físico universitário, vimos refletindo bastante sobre o uso do espaço de sala de aula. Como aproveitar essa oportunidade de nos encontrarmos presencialmente considerando os aprendizados adquiridos nos últimos tempos, somada à necessidade de manter certo distanciamento e eventual uso de máscaras? Como planejar os investimentos em infraestrutura para que novos espaços sejam efetivos e facilitem o aprendizado?
Valorizar o encontro presencial implica um bom planejamento e objetivos bem definidos. Envolve que o espaço físico favoreça a interação e a construção coletiva de conhecimento. A infraestrutura de uma instituição de ensino, a arquitetura da sala de aula, e a forma como cada docente e discente se relacionam com o espaço são parte integrante do projeto pedagógico.
O padrão de carteiras enfileiradas e estudantes sentados de frente para a lousa – espaço exclusivo do docente –, e de costas para os colegas, revela pressupostos pedagógicos implícitos e explícitos, como comentam Ali Guney e Selda Al em Effective learning environments in relation to different learning theories.
O foco (para onde se olha) identifica o docente como principal ou mesmo única fonte de conhecimento em sala de aula; as fileiras mostram que cada pessoa aprende individualmente – quando não é também uma forma de ocupar um espaço menor com o máximo de estudantes; essa configuração de sala também faz com que as possibilidades de interação e de exploração do espaço sejam limitadas.
A configuração do espaço deve voltar-se para a formação de cidadãos integrais e profissionais com as competências técnicas e interpessoais relevantes para atender aos desafios atuais. Uma sala de aula que favoreça métodos ativos de ensino, que seja adaptável a diferentes dinâmicas de aulas, deve permitir a movimentação de carteiras e abrir espaços para a formação de grupos, a fim de permitir relações, privilegiando o protagonismo discente, a fluidez de falas, pessoas e saberes.
Não apenas o layout, mas o mobiliário em si também impacta as interações que serão favorecidas entre o grupo. A ventilação do local, a iluminação, o conforto das carteiras, tudo isso influencia na segurança e na motivação que estudantes terão ao participar de um encontro presencial, o que impacta diretamente o aprendizado e o tipo de ensino que pode ser proporcionado. Essa mudança está sendo observada na realidade. Hoje em dia, algumas universidades já contam com salas 360º, paredes móveis, pufes, espaços multimodais, sala espelhada para dinâmicas de grupo focal, entre outros.
Sabemos, contudo, que esse não é o cenário da maioria das instituições de ensino superior e que a adoção de métodos ativos de ensino ainda está caminhando. E quando não é o aluno quem está no centro dessa escolha, a infraestrutura reflete basicamente o que sempre fizemos. Precisamos de um espaço de sala de aula que seja convidativo ao encontro presencial, à abertura ao outro, à interação com colegas e à construção coletiva, tornando a experiência de aprendizado ainda mais significativa.
O espaço físico deve, portanto, facilitar esse processo de ensino-aprendizagem, ainda mais considerando esse novo momento, com todas as circunstâncias vividas devido à pandemia.
O aproveitamento do espaço físico depende em grande medida de como a instituição de ensino enxerga seu propósito e dos recursos disponíveis. No entanto, mesmo considerando as diversas realidades, não somente a infraestrutura proporcionada pela universidade, mas também os métodos de ensino e o tamanho da turma de alunos, com criatividade sempre é possível realizar algumas adaptações. Sugerimos algumas ideias para o uso das estruturas da sala de aula de modo a motivar ainda mais os estudantes ao encontro presencial e proporcionar experiências ainda mais significativas de aprendizado:
quebrar a zona física de conforto faz movimentar não só o corpo, mas a postura que temos perante o outro, além de contribuir para o engajamento e foco. Daí a importância de se propor algumas atividades em que os estudantes devam se movimentar, para quebrar resistências e mudar posturas. Um exemplo é trazer afirmações sobre um tema, pedindo para quem concordar ir para um lado da sala e quem discordar ir para outro. Isso trará uma outra disposição para se construir e reconstruir conhecimento.
nessa configuração, todas as pessoas podem se olhar e serem vistas também. O recado é direto — a sala de aula é um espaço para interações e trocas. Num ambiente em que há o pacto de todos serem respeitosos, contribuindo para a construção de um ambiente seguro e acolhedor aos participantes, essa conformação coloca as pessoas em posição de pertencimento. Além disso, o docente deixa de ocupar um lugar físico hierárquico ou de maior destaque, favorecendo o protagonismo discente.
Quebrar a configuração estática e previsível dos locais em que os alunos geralmente se sentam, realizando atividades com diferentes tipos de grupos (duplas, trios, quartetos, etc.), traz potencialidades para a aprendizagem. Proporcionar pequenas atividades em subgrupos pode ser acolhedor e frutífero para a turma, que terá a oportunidade de se integrar de forma mais profunda com uma variedade maior de colegas, além de favorecer a participação de estudantes que não se sentem tão confortáveis para expor suas perspectivas na frente da classe.
Geralmente, a divisão de grupos é realizada de forma arbitrária pelo professor ou de forma livre pelos estudantes. Uma ideia é formar grupos a partir do próprio interesse dos estudantes pelo conteúdo a ser ensinado ou mesmo por interesses e características pessoais. Uma técnica é a chamada “regra dos pés”, em que são afixados alguns temas (por exemplo: direito à saúde, direito à educação, direito à cultura, entre outros) nas paredes da sala para que as pessoas se agrupem por afinidade temática, desfazendo, assim, as “panelinhas”, mas sempre cuidando a fim de haver um equilíbrio entre o número de pessoas e os assuntos de interesse.
Já ouvimos muitos relatos de professores entusiasmados depois de levarem os estudantes para fora de sala de aula, seja uma praça ou mesmo uma sala em alguma instituição relacionada ao tema do curso. Essa estratégia também foi adotada por muitas escolas durante a pandemia, para possibilitar interações mais seguras ao ar livre. É possível também aproveitar outros espaços da instituição, inclusive por meio da reserva de salas desocupadas para dar mais conforto para atividades em grupo, por exemplo.
em muitos casos a estrutura da sua sala de aula será rígida, tais como cadeiras ou mesas fixas. Nessa situação, você poderá não apenas seguir a dica anterior ou adaptar as atividades para contornar esses problemas – por exemplo, pedindo que todos guardem os materiais e mudem de lugar para fazerem novos grupos. Seja institucionalmente, seja individualmente, existe uma responsabilidade de quem ensina em conectar o espaço com a aprendizagem. Os pontos trazidos aqui são uma pequena contribuição para essa reflexão
Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.
Clio Nudel Radomysler é líder de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação na FGV Direito SP (CEPI) e doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP)
Guilherme Forma Klafke é líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa de pós-graduação lato sensu.
Por: Marina Feferbaum | 15/06/2022