NOTÍCIA
Documento recente da Unesco traz a proposta de um novo contrato social para a educação. Entenda os principais pontos; o tema também será destaque no painel online de fechamento do Grande Encontro da Educação, em 19 de agosto
Publicado em 09/08/2022
Aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver, aprender a aprender: certamente você já ouviu essas expressões que definem os chamados 4 Pilares da Educação, não é? Possivelmente todo o planeta, educadores, escolas e sistemas educacionais já leram, estudaram ou adotaram parcial ou integralmente essa referência como uma bússola para suas escolhas pedagógicas – desde que foi publicado, há 25 anos, o documento Educação: um tesouro a descobrir, produzido pela Comissão Delors, nomeada pela Unesco.
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Este foi o mais célebre, mas não o único documento para referenciar a educação global patrocinado pela Unesco. Antes, em 1972, havia sido publicado o relatório da Comissão Faure (traduzido em 1974 no Brasil com o título Aprender a ser).
Agora, produzido integralmente durante o período pandêmico, acaba de ser publicado pela Unesco um novo relatório, tão ou mais importante que seus antecessores. Intitulado Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação, elaborado pela Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação, coordenada pela presidente da Etiópia, Sahle-Work Zewde.
O Comitê de Pesquisa e Redação teve a liderança do pesquisador português António Nóvoa, um dos mais importantes pensadores da educação contemporânea. O Brasil foi representado por Cristovam Buarque, ex-senador e reitor da Universidade de Brasília, inovador que já inscreveu seu nome na história contemporânea da educação brasileira.
É um acontecimento de enormes proporções no mundo educacional. Assim como nos textos anteriores, o objetivo da Unesco é propor uma reflexão futura sobre o papel da educação em momentos-chave da transformação da sociedade, como lembra a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay. Mas, traz características únicas. Em primeiro lugar, o contexto inédito em que foi produzido. Embora tenha sido pensado antes do início da pandemia da covid-19, foi durante os anos de 2020 e 2021 que todas as discussões foram conduzidas, e essas marcas estão impressas nas reflexões do documento – por exemplo, no sentido de urgência das mudanças de rumos e na centralidade do tema da desigualdade e da inclusão.
Além disso, este é o primeiro dos documentos educacionais feitos a partir de uma consulta planetária a alunos, professores e outros cidadãos. Mais de 1 milhão de pessoas fizeram contribuições, em rodas de conversa, eventos digitais, pesquisas, debates.
Não se espera um conjunto de receitas futuristas, de alto impacto retórico e grande insignificância da vida prática das escolas. O documento traz a proposta de um novo contrato social para a educação, “que visa reconstruir nossas relações uns com os outros, com o planeta e com a tecnologia”, como escreve Audrey Azulay, e como tal é pertinente ao trabalho de cada professor e de cada escola. Basta querer entender, e mudar.
A leitura de Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação nasce essencial para se compreender a extensão das decisões a serem tomadas, equilibrando um diagnóstico duro de um mundo em perigo para uma educação firmada na esperança. A começar do título, que parte da indeterminação dos destinos, ou melhor, do postulado de que o futuro é uma escolha entre muitas possibilidades – e que deve ser feita já.
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Trazendo à cena as mudanças climáticas, o esgotamento dos recursos naturais, a crise da democracia, o aprofundamento das desigualdades, as ondas migratórias, as transformações no trabalho, o advento da inteligência artificial, entre outras movimentos que impactam a humanidade, o novo documento da Unesco coloca na mesa princípios que devem presidir o novo contrato.
Entre esses paradigmas, está o de uma pedagogia efetivamente baseada em cooperação, colaboração e solidariedade; de currículos que, de fato, incorporem a dimensão ecológica, intercultural e interdisciplinar, propondo uma escola em que os professores sejam reconhecidos mais do que aqueles que ensinam, mas como quem produz conhecimento, agindo colaborativamente e em rede.
O documento é dividido em três grandes partes. Começa por discutir a exclusão e a equidade, com o título “Entre as promessas do passado e os futuros incertos”, e apresenta quatro áreas de transformações: mudanças ambientais, aceleração tecnológica, governança e fragmentação social.
Na parte dois, defende a renovação da educação em cinco dimensões: a pedagogia, os currículos, o trabalho dos educadores, as escolas e a educação em diferentes tempos e espaços. Por fim, na terceira seção, traz ideias para a construção de um novo contrato social, apelando à pesquisa, à solidariedade global e à cooperação internacional.
Há muitos desdobramentos, mas talvez seja um bom começo fixar a discussão sobre um dos pilares em que se assenta esse novo contrato social: a ideia da educação como um bem comum. Esta é a visão que vem sendo frequentemente divulgada por António Nóvoa.
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Segundo o documento da Unesco, há duas características essenciais para caracterizar a educação como bem comum: em primeiro lugar, deve ser vivenciada como uma experiência de pessoas em contato umas com as outras. “Como um ato coletivo de criação conjunta, a educação afirma a dignidade e a capacidade de indivíduos e comunidades, constrói propósitos compartilhados, desenvolve capacidades de ação coletiva e fortalece nossa humanidade comum”, registra o texto.
Mas, a educação é também um bem comum porque precisa ser governada em comum. “A participação de professores, movimentos juvenis, grupos comunitários, fundos, organizações não-governamentais, empresas, associações profissionais, filantropos, instituições religiosas e movimentos sociais pode fortalecer a equidade, a qualidade e a relevância da educação”, afirma o documento.
Não se trata de velha disputa entre educação pública e privada. Na perspectiva do documento, educação pública é a que ocorre em espaços públicos, promove os interesses públicos e presta contas a todos. É essa dimensão que precisa ser recuperada, em toda ação educativa.
No primeiro quarto do século 21, trata-se de novamente colocar de forma urgente a questão central, que tantas vezes fica para trás, soterrada pela exclusão, pelo individualismo, pela ganância, pela competição. Afinal, que educação queremos, de que educação precisamos para que a utopia de um mundo como um lugar possível e bom para todos possa ainda prosperar?
*Artigo de Paulo de Camargo, jornalista e assessor-executivo do Programa das Escolas Associadas da Unesco no Brasil.
Paulo de Carvalho estará presente no painel Os futuros da educação segundo a Unesco, dia 19 de agosto, no Grande Encontro da Educação, que chega à oitava edição. Cristovam Buarque, ministro da educação (2003 a 2004) e Rebeca Otero, coordenadora de educação na Unesco do Brasil, também participarão da mesa. Promovido pela Plataforma Ensino Superior e Plataforma Educação, o evento ocorrerá entre 16 e 19 de agosto, de forma híbrida e com inscrições gratuitas. O encontro será híbrido nos dias 16 e 17 de agosto e somente online nos dias 18 e 19. Mais de 50 palestrantes estão confirmados.
Onde: Inteli (Instituto de Tecnologia e Liderança), localizado no campus Cidade Universitária da USP.
Inscrições gratuitas: https://grandeencontrodaeducacao.com.br/