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Direito brasileiro atribui responsabilidade às escolas privadas na inclusão do aluno com deficiência

A constituição, ao tratar no seu artigo 227, dentro do capítulo VII, sobre família, criança e jovem, repete o dever de todos com a educação

Publicado em 14/11/2022

por Kildare Meira e William Oliveira

Girl with Down syndrome studying with her teacher at home Male teacher and girl with Down syndrome sitting at desk. Laptop, books, pens on the table. Education for disabled children concept.

O direito brasileiro atualmente iguala as responsabilidades da família, da escola e de toda a sociedade com a educação das crianças. E a distribuição de responsabilidade de mesmo nível entre a família, estado e sociedade é calcada na Constituição Federal, que define a educação como um direito social, direito de todos. E o trata como direito potestativo ao impor o dever e a responsabilidade pela sua efetivação ao Estado e à família, mas também a toda a sociedade, como resta claro na redação dos artigos 6º e 205 da Constituição.

Ademais, a Constituição, ao tratar no seu artigo 227, dentro do capítulo VII, sobre família, criança e jovem, repete o dever de todos com a educação. Mas esse dispositivo constitucional vai além, ao tratar da pessoa com deficiência, seja física ou intelectual, objeto da presente reflexão, pois impõe no seu §1º, inciso II a ação ao Estado para promoção de políticas públicas que facilitem o acesso dos deficientes ao mercado de trabalho e à convivência igualitária.

Esses comandos constitucionais dialogam diretamente com a LDB (Lei nº 9434/96), que no seu art. 2º repete o tratamento à educação de direito potestativo a ser garantido pela família e Estado e por toda a sociedade trazida ao texto, pelo princípio da solidariedade humana.  É na LDB, art. 12, VI, que a responsabilidade da escola como direito potestativo do aluno à educação é linkado à família e à comunidade, impondo a obrigação daquela se articular com esta.

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O direito brasileiro definitivamente sistematiza seu compromisso com a efetivação do direito de crianças e adolescentes à educação também no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA-Lei nº 8096/90), onde repete o nivelamento da responsabilidade da família, sociedade (escola) e estado em assegurar os direitos da população infantojuvenil à educação. O que resta claro no art. 14 do ECA e no art. 5, que impõe a consecução dos direitos que garantem com extremo compromisso a igualdade de oportunidade e a repressão à discriminação. Nesse diapasão, o artigo 53 do ECA impõe a realização do direito à educação de crianças e adolescentes à igualdade de oportunidades e de respeito à sua personalidade: 

É importante salientar que o ECA traz como protagonista da fiscalização do cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes um órgão permanente e não jurisdicional, o Conselho Tutelar, definido na forma do seu artigo 131, que retira de dúvidas que a relação entre crianças e adolescentes com a escola sempre terá potencial para ter caráter de direito público. E que os atores que têm dever na realização desse direito, como a escola, serão permanentemente cobrados de suas responsabilidades em condições de igualdade com a família e o Estado. 

Em outro giro, há que se considerar, sobre o tema em estudo, a Lei nº 13.146/15, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência. A mens legis desta lei é impor na ordem jurídica a inclusão das pessoas com deficiência. A lei define deficiente como aquele que possui “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”. Ou seja, os deficientes físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais são os destinatários da lei, motivo pelo qual o Estado e o setor privado devem assegurar seus direitos, com o propósito de garantir isonomia.

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A respeito da educação, a norma dedica um capítulo ao assunto (artigos 27 ao 30), determinando que os setores público e privado desenvolvam medidas de inclusão ao deficiente. O Estatuto da Pessoa com Deficiência teve sua constitucionalidade questionada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM), sob o argumento eminentemente liberal de que a nova Lei traria custos adicionais ao ensino privado, impondo ônus a todos os estudantes.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da norma, por maioria, em julgamento ocorrido em 9/6/2016 (ADI 5357), reafirmando o Estatuto da Pessoa com Deficiência, uma vez que dificulta que seu conteúdo a respeito da educação tenha a constitucionalidade questionada em outros tribunais. A fundamentação foi baseada no direito à igualdade como fundamento de uma sociedade democrática, assim como pela necessidade de estimular a diversidade. Na linha do quando exposto pelo STF, os tribunais estaduais passaram a reafirmar a inclusão da pessoa com deficiência nas instituições de ensino privado. Sobre o tema, vale o reconhecimento de dano moral, em virtude de recusa na matrícula, sob o fundamento de que teria atingido o número máximo de alunos por sala de aula (TJSP; Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100). 

Pela forma inclusiva que os tribunais pátrios tratam o tema do direito de matrícula da pessoa com deficiência, o entendimento mencionado do TJSP se repete em outros tribunais, na direção de cominar a escola a matricular o aluno com deficiência. Ainda que legislações estaduais e resoluções das secretarias de educação restrinjam o quantitativo de alunos com deficiência por turma, certamente as cortes as considerariam inconstitucionais e ilegais frente ao ECA, ao Estatuto da Pessoa com Deficiência e não lhes dariam aplicação, obrigando a escola, como o fez o TJ/SP, a matricular o aluno.

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Ou seja, o direito brasileiro enxerga na escola uma responsabilidade com a materialização do direito à educação. E com a garantia da igualdade de oportunidades à pessoa com deficiência na consecução daquele direito em condições de igualdade, com a família e o Estado. Mas em se tratando de ensino privado, essas obrigações acabam sendo transferidas quase exclusivamente para a escola, pela opção da família em deixar o ensino público de fora e ao estabelecer um contrato de consumo, cujo bem é justamente a prestação do serviço da educação, atraindo, para além das normas citadas de caráter de direito público, o Código de Defesa do Consumidor (art. 14) e o Código Civil (arts 186 e 188).

Nesse cenário, o agir da escola na questão perpassa pelo respeito à Constituição, LDB, ECA, Estatuto da Pessoa com Deficiência, Código de Defesa do Consumidor e Código Civil, mas principalmente pela sua responsabilidade social na formação de uma sociedade justa e igualitária.

Kildare Meira é sócio e William Oliveira é advogado da Covac Sociedade de Advogados

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Kildare Meira e William Oliveira


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