Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Como desenvolver resiliência

Como ajudar os jovens a melhorar seu estado mental e emocional? Embora complexo, tema exige a atenção das IES

o desenvolvimento da resiliência nos estudantes Como ajudar os jovens a melhorar seu estado mental e emocional?

A frágil saúde mental dos jovens universitários parece ser uma preocupação mundial. Estudos em diversos países apontam para que uma grande parte dos estudantes sofre de depressão, ansiedade, síndrome do pânico e, até mesmo, pensamentos suicidas. A Ensino Superior recentemente chamou atenção para este fato, por meio de uma excelente entrevista com o psiquiatra espanhol Vicent Balanzá-Martínez. Nela, o médico alerta que cerca de ⅓ dos estudantes universitários espanhóis “teve ao menos um problema de saúde mental nos últimos 12 meses”. Não só isso, destes “só um de cada oito recebeu algum tratamento”.

No Brasil, a situação também preocupa e não é de hoje. Por exemplo, em 2018, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) divulgava resultados que já despertavam preocupações sobre o estado de saúde mental dos universitários

 

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Fonte: Gaucha Zero Hora Saúde (2019) (1)

 

Ainda segundo a ANDIFES, problemas emocionais ocupam o terceiro lugar na lista de dificuldades de aprendizado dos estudantes, atrás somente de falta de disciplina e dificuldades financeiras (2). Em um mapeamento realizado em 2021, resultante de uma parceria entre o Instituto Ayrton Senna e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (3) verificaram que 70% dos estudantes que participaram (684 mil estudantes do Ensino Fundamental II e do 3.º ano do Ensino Médio da rede estadual) relataram “sintomas de ansiedade e depressão em níveis altos”.

 

Leia: Por que devemos ensinar ética no ensino superior

 

Como ajudar os jovens a melhorar seu estado mental e emocional?  É um tema complexo e controverso. Não há consenso de que esse seja um papel da universidade, mas penso que devemos nos atentar a essa situação. Ademais, talvez em algum momento os jovens aqui no Brasil considerem o cuidado com a saúde mental do estudante um importante diferencial no momento da escolha de uma instituição, como já fazem nos EUA (4). Segundo o artigo, em uma pesquisa realizada com estudantes universitários, o apoio à saúde mental foi o principal fator relacionado ao bem-estar na escolha de sua instituição, seguido por alimentação, condicionamento físico e saúde física. Os serviços de saúde mental foram ainda mais importantes para estudantes que necessitavam de cuidados ou que já tomavam medicamentos específicos para o bem-estar emocional antes de frequentar a faculdade.

Bem, esse tema não é exatamente novo nas discussões sobre o papel da universidade e, em um artigo publicado na revista da Association for Supervision and Curriculum Development (ASCD) em 1996, o educador estadunidense Richard Sagor discutia o assunto com bastante propriedade (5). Em resumo, a solução que Sagor, já há quase 30 anos, propunha para a melhoria da saúde mental dos jovens é o desenvolvimento da resiliência, um conceito que tem se popularizado nos últimos anos a ponto de se tornar uma competência altamente valorizada no mercado.

 

Leia: Nas IES dos EUA, saúde mental conta com aconselhamento religioso

 

Sagor define resiliência como o “conjunto de atributos que proporciona às pessoas a força e a fortaleza para enfrentar os obstáculos que todos estamos fadados a enfrentar ao longo da vida” (5). Essa não é a única definição possível para o conceito de resiliência, mas é uma boa definição, que nos oferece possibilidade de atuação. Por exemplo, se resiliência for um conjunto de atributos, podemos entender que atributos são esses e ajudar as pessoas a desenvolvê-los. Por outro lado, se resiliência fosse vista como herança genética, pouco haveria que pudéssemos fazer para desenvolver esse traço.

A seguir, o autor oferece um quadro de como uma pessoa resiliente se comporta. Ela seria sociável, otimista, energética, curiosa, autoconfiante. Na sequência vem aquela que eu considero a principal contribuição deste artigo em particular. Sagor argumenta que os estudantes não irão desenvolver essas competências por meio de falas motivacionais (com o que eu concordo), mas por meio de experiências educacionais bem planejadas (com o que eu novamente concordo). Para ele, escolas podem inserir oportunidades na rotina dos estudantes para que eles desenvolvam sentimentos de competência, participação e envolvimento. A tabela a seguir apresenta alguns exemplos de intervenções estratégicas. Sagor reforça, no entanto, que este trabalho deveria ser conduzido pelo corpo docente da instituição.

 

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A professora e empreendedora da educação indiana Pallavi Dhody Dwivedi, em um artigo de 2020 para a Harvard Business Review (6) comenta que as estratégias propostas por Sagor, há tantos anos atrás, continuam válidas e podem ser agrupadas em quatro famílias. Para Dwivedi, as estratégias propostas por Sagor:

  • Comprovam e desenvolvem sentimento de competência;
  • Desenvolvem um sentimento de pertencimento a uma comunidade;
  • Fomentam o sentimento de sermos úteis;
  • Fortalecem a percepção de que podemos influenciar nossos rumos (locus de controle interno).

 

Leia: Saúde mental precisa da diversidade

 

Uma diferença importante entre estes dois artigos é que Dwivedi chama o estudante à responsabilidade por desenvolver a sua própria resiliência, de uma forma que Sagor não faz (ele escreve principalmente para professores de ensino fundamental e médio). Dwivedi também acredita que as escolas devam criar oportunidades para o fortalecimento da resiliência dos estudantes, mas ela também chama a atenção do estudante para essa necessidade.

Se dirigindo diretamente ao estudante-leitor de seu artigo, ela o incentiva, por exemplo, a tomar o controle daquilo que ele pode controlar:

“Você pode fazer isso seguindo dois passos muito simples — (1) controlando estímulos externos e (2) controlando suas respostas. Esteja consciente do que você deixa entrar em sua mente — Netflix, jogos online, publicações em redes sociais. Permita-se algum espaço e tempo para organizar sua mente e coloque religiosamente um “tempo para mim” no seu dia. Isso pode ser simplesmente algum tempo para realizar uma meditação silenciosa, fazer exercícios em casa ou rabiscar. Responda a situações ou pessoas somente após ter parado para pensar. E quando precisar pensar, repita o primeiro passo.”

 

Leia: Ampliando a reflexão sobre as competências do século 21 para a Educação

 

Há umas duas semanas  estava conversando com os calouros de um dos cursos de graduação da ESPM. Eu gosto de fazer uma fala para nossos novos estudantes justamente que os alerte para a necessidade de se engajar no processo de aprendizagem, que o que eles irão colher depende forçosamente do que irão semear. Ao final da minha fala, um dos estudantes levantou a mão e disse algo como “eu começo muita coisa e termino quase nada, comecei a correr, por exemplo, e depois parei por falta de motivação”. Na minha experiência, esse quadro é muito comum e a pessoa fica à espera de uma pílula mágica que faça com que ela se desenvolva sem precisar se esforçar, ou, pelo menos, sem precisar se esforçar tanto, por tanto tempo.

Sabemos, é claro, que essa pílula não existe e os próprios estudantes parecem reconhecer isso (como demonstrado na pesquisa da ANDIFES mencionada acima (3), mas parece que esse seja um dos sinais dessa desmotivação que vem sendo constatada em tantos estudos: a falta de disposição em se engajar

Os pesquisadores concluíram que diversas habilidades socioemocionais, além de outras variáveis, influenciam a saúde mental do estudante e que esta, além de influenciar a capacidade de aprendizagem propriamente dita. Novamente, fica claro que auxiliar os estudantes a se autorregular melhor é uma estratégia totalmente alinhada à missão de instituições de aprendizagem.

Juntando os vários pontos de vista que exploramos até este momento, me parece que as universidades devam atuar simultaneamente por meio da combinação de abordagens que misturem acolhimento, experimentação e desenvolvimento da autonomia.

 

Leia: Faculdades cuidam da saúde mental

 

  1. Acolhimento de estudantes em risco: IES devem reservar recursos para constituir uma área especializada no acolhimento de estudantes com dificuldades de adaptação ao ensino superior e/ou com dificuldades de aprendizagem. Por exemplo, muitos estudantes mudam de cidade para cursar o ensino superior e esse pode ser um fator de estresse. Um calouro não consegue organizar seu tempo e precisa de algum apoio para gerir melhor seus horários;
  2. Conscientização de professores: há docentes que pensam que dificuldades de aprendizagem são desculpas inventadas por pessoas que não querem se dedicar, por preguiça, ou por que têm medo do desafio.;
  3. Capacitação de professores: não basta conscientizar o corpo docente, precisamos capacitar os professores a lidar melhor com estudantes com necessidades diversas de aprendizagem. Esse é um grande desafio, pois exige mais do professor e da turma, que precisa demonstrar a capacidade de conviver com a diferença (a aceitação de casos mais complexos, por parte mesmo dos estudantes, não é automática, nem garantida);
  4. Utilização de recursos e metodologias de aprendizagem variadas e inclusivas: a aprendizagem depende fundamentalmente do engajamento do estudante; para necessidades diversas precisamos encontrar formas diferentes de aprendizagem;
  5. Desenvolvimento de uma mentalidade de crescimento: já se vão quase 20 anos desde que Carol Dweck publicou seu bestseller Mindset: A nova psicologia do sucesso (7), em que explica a importância e o impacto sobre a aprendizagem de o estudante acreditar que pode melhorar com as tentativas, que pode superar os erros e ninguém sabe onde ele pode chegar dado esforço suficiente e tempo para desenvolvimento das habilidades. Não obstante, ainda é muito comum ouvirmos coisas como “não dou para números”, ou “escrever não é comigo”, ou ainda “sou fraco em relacionamento interpessoal”. A neurociência não sustenta esse tipo de afirmação determinística sobre nossas habilidades e Dweck desconstrói esse mito brilhantemente. A conquista de uma mentalidade de crescimento, de que o esforço se paga com juros, e que podemos nos tornar muito mais do que imaginávamos no início da jornada, se estivermos dispostos a nos engajar é um tesouro do qual a pessoa poderá usufruir por toda a sua vida.

 

Referências

 

(1) Gaúcha Zero Hora Saúde (2019), disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2019/08/depressao-e-ansiedade-de-universitarios-um-problema-em-ascensao-que-preocupa-especialistas-e-instituicoes-cjze96go8034t01pau0l8bbe2.html

(2) ANDIFES (2019): V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES, disponível em https://www.andifes.org.br/?p=88796

(3) Instituto Ayrton Senna e Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2021): Mapeamento Socioemocional SÃO PAULO 2021, disponível em https://institutoayrtonsenna.org.br/app/uploads/2022/11/IAS_SaudeMental_2022.pdf

(4) InsideHigherEd (2023): Reputation, Affordability, Location and… Mental Health?, disponível em https://www.insidehighered.com/news/student-success/health-wellness/2023/06/06/how-prospective-students-value-colleges-mental#

(5) Sagor, Richard (1996): Building Resiliency in Students, disponível em https://www.ascd.org/el/articles/building-resiliency-in-students

(6) Dwivedi, Pallavi Dhody (2020): How to Build Resilience During College—When it Matters Most, disponível em https://hbr.org/2020/05/how-to-build-resilience-during-college-when-it-matters-most

(7) Dweck, Carol (2007): Mindset: A nova psicologia do sucesso

 

Por: Alexandre Gracioso | 14/06/2023


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