Adotar a mentalidade de gigantes como Apple e Google, poderia tornar a IES mais inovadora, focada no estudante e eficaz em sua missão educacional
Foto: FreepikEm meio à revolução digital, as instituições de ensino superior (IES) se dividem em dois grupos. No primeiro, estão aquelas que investem em inovação, se transformam em empresas de base tecnológica e reinventam seus modelos de negócio. Elas mapeiam a jornada do cliente com o uso estratégico de dados e integram inteligência artificial desde a ativação do estudante até seu acompanhamento contínuo como egresso. No segundo grupo, encontram-se aquelas que caminham a passos largos para a extinção ou, na melhor das hipóteses, para a perda de relevância.
Na maioria dos casos, a inovação está mais presente na narrativa do que no negócio. Em seu livro “A empresa orientada pelo Design”, Marty Neumeier defende que o design motiva a inovação, a inovação dá poder à marca, a marca constrói a fidelidade e a fidelidade sustenta os lucros. Ou seja, se uma IES deseja lucro a longo prazo, ou “resultados” para aquelas sem fins lucrativos, jamais deve começar pela tecnologia, mas sim pelo design.
Coisas incríveis acontecem quando começamos pelo design. A centralidade no cliente influencia toda a estratégia. A busca pela excelência impacta o branding. A visão de futuro contempla cenários disruptivos e desafia o status quo.
Então, como o ensino superior poderia se reinventar? Onde buscar inspiração e exemplos da aplicabilidade do design se o setor carece de tal abordagem? Imagine se uma IES priorizasse inovação ao invés de burocracia e adotasse a mentalidade de gigantes como Apple e Google. Essa abordagem poderia tornar a instituição mais inovadora, focada no estudante e eficaz em sua missão educacional, transformando potencialmente o ensino superior. Para avaliar essa ideia, propus analisar o relacionamento com o estudante em seis etapas principais: ativação, escolha, ingresso, consumo, finalização e acompanhamento.
Assim como muitas empresas, existem IES que acreditam firmemente que seus times e agências estão utilizando as técnicas mais avançadas de marketing digital. No entanto, poucas conseguem visualizar como suas máquinas de venda operam no detalhe. Mas como seria a etapa ativação de uma IES com mentalidade de Amazon?
A Amazon utiliza Inteligência Artificial (IA) para monitorar a navegação em seu site, personalizando a experiência do usuário. Se um visitante mostra interesse em certos produtos, a IA destaca itens relacionados em sua página inicial.
Se um item é adicionado ao carrinho mas não é comprado, a Amazon envia lembretes ou sugere produtos complementares. Essa aprendizagem de máquina visa melhorar a experiência de navegação e aumentar as conversões. Perceba que toda estratégia acima é perfeitamente aplicável ao contexto educacional.
Durante minha carreira como consultor especializado em estratégias de diferenciação para IES, desenvolvi um exercício que sempre causou alvoroço. Nas reuniões, desafiava os coordenadores a refletirem sobre o que realmente fazia seus cursos se destacarem. Pedia que escrevessem, em post-its, o que acreditavam ser os diferenciais competitivos de seus cursos e observava-os colar cada nota colorida na parede.
As respostas eram frequentemente as mesmas: “professores doutores”, “infraestrutura de ponta”, “atividades extensionistas”, “coordenadores acessíveis”. E, para minha surpresa, até “wi-fi de alta velocidade” surgia ocasionalmente.
Com todos os post-its à vista, projetava na tela a definição de diferencial competitivo: ‘atributos que tornam uma organização única, difícil de ser copiada e superior aos seus concorrentes.’ Em seguida, convidava todos que, por ventura, tivessem se equivocado a retirar algum post-it.
O silêncio enchia a sala. Os dirigentes trocavam olhares desconfortáveis, esperando que alguém tomasse a iniciativa. Mas, para sua consternação, nem um único papel era removido da parede. Era um momento revelador sobre o mindset predominante na gestão universitária.
Como seria, então, a etapa “escolha” em uma IES com mentalidade da Apple?
Eu precisaria de vários parágrafos para explicar algo que pode ser entendido com um simples exercício. Imaginem que sua IES é a Apple e que cada curso de graduação é um produto. Agora, visitem o site da Apple e observem como a marca principal (Apple) destaca seus diferenciais e como cada produto é apresentado em suas respectivas páginas. Não prossigam na leitura antes de fazer isso.
A Apple não vê seus produtos como commodities.
Como os cursos são apresentados em sua IES? São listados com nomes e hiperlinks ou dispostos em um conjunto de cards? Na Apple cada produto recebe atenção especial, com foco em seus diferenciais únicos e, por mais que muitos considerem uma analogia infundada, temos alguns ótimos exemplos de IES que tratam seus cursos da mesma forma, como joias únicas.
Um dos pontos de contato mais negligenciados por muitas IES é o onboarding. Se você acredita que em sua IES isso não ocorre, convido-o a refletir: a energia dedicada ao onboarding é a mesma da captação? Acolhemos com a mesma atenção com que convidamos? Que mensagem estamos transmitindo aos calouros? Como seria a etapa de ingresso em uma IES com as mentalidades da Disney e da OpenAI?
Cada detalhe, desde a comunicação inicial até a integração em sala de aula, deve ser planejado para encantar, educar e inspirar, assegurando que os estudantes se sintam valorizados, acolhidos e prontos para iniciar sua jornada acadêmica, sempre orientados pelo método HEARD.
HEARD é uma estratégia da Disney para atendimento ao cliente. “H” é para Ouvir o cliente atentamente. “E” destaca a Empatia, reconhecendo os sentimentos do visitante. “A” sugere Pedir desculpas sinceramente. “R” incentiva a Resolver o problema proativamente. E “D” é para Diagnosticar a causa principal e evitar repetições no futuro.
Quais disciplinas mais impactam no ENADE? Como as competências do mercado são abordadas nas disciplinas? E se uma IES adotasse a mentalidade da Netflix, IBM, Apple e OpenAI?
Combinando tecnologia e interação humana, a IA proporciona experiências personalizadas aos estudantes, adaptando-se às suas necessidades.
O conteúdo deve ser customizado, com feedbacks instantâneos e simulações de cenários profissionais. Inspirado na Netflix e no design da Apple, a aprendizagem é monitorada por máquinas, ajustando-se ao ritmo de cada estudante.
Assistentes de IA estariam disponíveis 24/7 para dúvidas e orientações de carreira, prevendo tendências do mercado.
Dashboards avançados permitiriam aos gestores e empresas parceiras identificar talentos e otimizar trajetórias, enquanto professores teriam visões detalhadas do desempenho dos estudantes.
A formatura, é o ápice da jornada educacional, um momento carregado de uma energia inigualável, onde as emoções e realizações convergem em uma celebração monumental. Contudo, também é um dos pontos de contato mais menosprezados pelas IES. Como seria a etapa de finalização em uma IES com as mentalidades da Microsoft, Disney e OpenAI?
Recrutadores seriam alertados instantaneamente sobre novos talentos prontos para o mercado. Automações potencializariam a visibilidade dos formandos nas redes sociais, garantindo alcance global. Para fortalecer a relação entre formandos e a IES, seriam implementadas estratégias como plataformas de networking e mentorias, promovendo crescimento mútuo.
Após a formatura, o bom e velho aperto de mão e votos de sucesso. Como saber onde estarão nossos egressos? Em quais empresas? Empreenderam? Foram promovidos? Estão ganhando quanto? Estão realizados? Fazem pós conosco? Como seria a etapa de acompanhamento em uma IES com as mentalidades da Amazon e OpenAI?
Na etapa de finalização, inspirada pelas mentalidades da Amazon e OpenAI, a IES não encerraria sua relação com os estudantes após a formatura. Utilizando algoritmos avançados, a instituição rastrearia a carreira dos egressos, identificando suas posições em empresas, promoções e até empreendimentos próprios.
Assistentes virtuais de carreira, alimentados por IA, forneceriam orientações personalizadas, indicando cursos de pós-graduação e oportunidades de emprego alinhadas ao perfil e competências de cada ex-estudante. Além disso, a plataforma da IES incentivaria a interação e feedback constante, fortalecendo a comunidade de ex-estudantes e permitindo que a instituição ajuste seus currículos com base nas necessidades do mercado.
Em um mundo em constante evolução, as IES enfrentam o desafio de se reinventar ou correr o risco de se tornarem obsoletas. As mentalidades de gigantes como Apple, Google, IBM, Amazon, Disney, Microsoft e OpenAI oferecem um vislumbre do futuro da educação, onde a experiência do estudante é personalizada, dinâmica e continuamente enriquecida.
À medida que nos aproximamos desse futuro, as IES devem abraçar a inovação em todos os aspectos, desde a sala de aula até a gestão, posicionando a tecnologia como meio e garantindo que permaneçam relevantes em um mundo digitalizado.
Por: Daniel Sperb | 06/10/2023