NOTÍCIA

Edição 279

Internacionalização: mundo conectado exige mudança nas IES

Programas de internacionalização das IES brasileiras avançaram pouco. Em algumas, sequer existem

Publicado em 03/11/2023

por Sandra Seabra Moreira

Internacionalização Com tecnologia disponível e a ampliação do conceito de internacionalização, que não se resume à mobilidade de estudantes e professores, abrem-se portas para programas consistentes e nem tão custosos

Há décadas, quando as multinacionais dominavam o setor de importação e exportação no Brasil e os contatos interculturais aconteciam no âmbito de escritórios, entre chefias e profissionais especializados, nas universidades brasileiras a internacionalização era – talvez ainda seja – artigo de luxo.

Hoje, nos parques tecnológicos e nas próprias universidades, há startups que já nascem internacionais. Empresas têm escritórios no mundo todo e equipes multiculturais, ou trabalham com projetos pontuais que podem colocar em contato, por exemplo, profissionais indianos, chineses e canadenses. A realidade mudou. O mundo está conectado pela tecnologia e as pautas mundiais, capitaneadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mobilizam a comunidade planetária. Mas os programas de internacionalização das IES brasileiras avançaram pouco. Em algumas, sequer existem.

Quem traça esse cenário contemporâneo, que atesta a internacionalização como uma exigência do mercado, mas ainda ausente nas estratégias de muitas IES, é Carla Camargo Cassol, consultora para internacionalização, fundadora da IHub Educação. Foi gestora de Internacionalização da PUCRS até 2022, onde fundou, em parceria com a embaixada da Austrália no Brasil, o Centro de Internacionalização Brasil-Austrália. É pesquisadora desse Centro e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Carla Camargo Cassol

Carla Camargo Cassol, consultora (foto: arquivo pessoal)

Leia: Internacionalização não é bicho-de-sete-cabeças

 

Carla lembra que o ensino superior está vinculado à expectativa de empregabilidade do estudante, portanto, a internacionalização começa a ganhar um patamar de urgência “similar ao que a tecnologia teve em meio à pandemia”, compara, e lança a pergunta: “O aluno está pronto para o mercado de trabalho se não tiver um mínimo de conhecimento intercultural ou perspectiva global?”

Os desafios para a IES se lançar no que Carla denomina “processo de institucionalização da internacionalização” existem, não há uma receita, mas tem por onde começar. “Desmistificar a internacionalização, entender do que se trata, saber como fazer e colocar como item estratégico”, ensina Carla. É cara? “A internacionalização é cara se não traz retorno. Mas se ela agrega valor para a IES, traz mais alunos, impacta na qualidade da educação e na reputação institucional, retém os talentos, traz outras perspectivas até de acreditações internacionais, ela se torna barata.”

É importante lembrar que a internacionalização cria estruturas para captação de alunos estrangeiros. Se o interesse de estudantes do Norte Global não é significativo, há universidades em toda a América Latina e África.

 

O empurrão da tecnologia

 

Com tecnologia disponível e a ampliação do conceito de internacionalização, que não se resume à mobilidade de estudantes e professores, abrem-se portas para programas consistentes e nem tão custosos.

“A Covid finalmente fez com que as universidades deixassem de pensar que a internacionalização significa a mobilidade de alunos e professores. Existem muitos programas inovadores que permitem que mais alunos de instituições se envolvam globalmente sem precisar viajar”, afirma Liz Reisberg. Ela é consultora em educação superior e pesquisadora do Center for International Higher Education, do Boston College. Um de seus livros recentes é Student recruitment agents in international higher education: A multi-stakeholder perspective on challenges and best practices, publicado pela editora acadêmica Routledge.

Carla concorda. “Há a possibilidade de o aluno não sair de Porto Alegre, por exemplo, e cursar um semestre numa universidade na Espanha. Ele pode fazer mobilidade virtual sem problema algum.” Liz afirma que “essa era uma oportunidade para alunos de classe alta com recursos para viajar, e de universidades de prestígio que podiam fazer parcerias bem-sucedidas. A tecnologia nos ajudou a fazer virtualmente e com um alcance mais amplo – e profundo”.

 

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Liz Reisberg

Liz Reisberg, consultora em educação superior e pesquisadora (foto: arquivo pessoal)

“Para faculdades e universidades pequenas que desejam oferecer experiências internacionais para todos os alunos, a tecnologia abre muitas possibilidades”, afirma Liz, e cita um projeto exitoso. “O Tecnológico de Monterrey, no México, convidou a escritora Isabel Allende para dar uma palestra em vários campi simultaneamente. Ela o fez de seu apartamento em São Francisco, visitando diferentes salas de aula como um holograma. Câmeras e microfones permitiram que ela interagisse com os alunos em tempo real.” Conforme a tecnologia se torna acessível, talentos internacionais são “virtualmente móveis”. “O ensino colaborativo, as palestras com convidados e muito mais se tornarão tão simples quanto as reuniões pelo Zoom, mas em 3D em vez de 2D, tornando a interação dinâmica e satisfatória.”

É possível, ainda, “trazer o mundo para o currículo com pouco ou nenhum orçamento, usando as muitas novas ferramentas disponíveis”, conta Liz. “Recentemente, deparei-me com o tour de realidade virtual da casa de Anne Frank na Holanda. É muito poderoso.”

 

Primeiras ações

 

Um comitê de internacionalização pode ser o começo, reunindo pessoas de diversas áreas da IES. Estabelecer objetivos e estratégias e levá-las ao âmbito da governança é essencial. “Sem a institucionalização, iniciativas individuais de professores e pesquisadores podem não conversar com a estratégia institucional, elas ficam desarticuladas e não agregam valor para a instituição”, diz Carla.

A busca por parceiros internacionais é um passo importante. “Há professores em quase todas as universidades que tiveram a oportunidade de participar de uma conferência internacional. Voltam para casa com uma pilha de cartões de visita das pessoas que conheceram. Esses cartões representam um banco de dados subutilizado – na maioria das vezes, não utilizado – de possíveis parceiros internacionais”, detalha Liz. As instituições que estão vinculadas a pesquisas também podem adotar a perspectiva internacional para publicar. Os principais rankings internacionais, como o Times Higher Education (THE) e o Quacquarelli Symonds (QS), têm como um dos requisitos a publicação em revistas internacionais, lembra Carla.

 

Os recursos

 

“O MEC e a Capes já perceberam a necessidade de desenvolver a internacionalização das IES”, anuncia Carla. Um desses programas é o Capes/Print, lançado em 2017 para fomentar a internacionalização. De 2019 a 2023, foram investidos R$ 460,4 milhões. Neste período, foram implementadas 7.052 bolsas. A Fundação Getulio Vargas e a Universidade Mackenzie estão entre as 36 IES contempladas no edital. Entre as exigências para as IES, a Capes lista um plano institucional de internacionalização.

“Houve crítica em relação ao número reduzido de IES contempladas. Entretanto, quantas IES tinham um plano para apresentar?”, reflete Carla. Um dos pontos certeiros desse edital é que, diferentemente de outros projetos que vinculam o CPF do pesquisador, este está vinculado ao CNPJ institucional.

Assim como existe o programa Erasmus na Europa, há agências governamentais de fomento em todo o mundo. “Só é preciso alguém da IES com um olhar para essas oportunidades, e que escreva o projeto, submeta-o”, fala Carla. Para projetos mais complexos, ou que demandam mais recursos humanos, as IES podem criar um consórcio entre elas e conquistar mais envergadura. Entre os programas para uma internacionalização “em casa”, Liz aponta o Collaborative Online International Learning, ou COIL.1 “É um programa muito poderoso de ‘intercâmbio virtual’ que conecta alunos e professores de universidades de diferentes países para que estudem juntos e aprendam uns com os outros. As universidades podem se associar ao COIL ou criar sua própria versão”, finaliza.

 

Autor

Sandra Seabra Moreira


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