Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Criatividade impulsiona a inovação

A sociedade brasileira precisa se mobilizar em prol do fortalecimento da criatividade nos jovens

Collage,Portrait,Of,Black,White,Colors,Working,Girl,Sitting,Chair Relatório do PISA indica que o Brasil está entre os países com a maior proporção de estudantes que não atingiram o Nível 3 em pensamento criativo

O exame do Pisa de 2022 (1), pela primeira vez, avaliou o pensamento criativo (creative thinking) dos participantes. E, infelizmente, o resultado dos estudantes brasileiros (na faixa dos 15 anos de idade) foi ruim, muito ruim. Segundo o relatório, 54,3% dos estudantes brasileiros apresentaram baixo nível de criatividade quando desafiados a resolver problemas sociais e científicos, atingindo um nível de proficiência no exame até o nível 2, de 6 (o nível 3 é considerado a linha de base de proficiência necessária em pensamento criativo).

A OCDE considera que a importância da criatividade para a evolução da humanidade não pode ser subestimada. Segundo o relatório do Pisa:

A criatividade tem impulsionado a inovação na cultura e na sociedade humana por milênios – das ciências e tecnologia, à filosofia, às artes e às humanidades. Um objetivo fundamental da educação é equipar os indivíduos com as competências de que precisam para ter sucesso na vida e na sociedade, tanto para seu próprio bem-estar quanto para o bem-estar coletivo (OCDE, 2018[1]). Criatividade, pensamento criativo e inovação estão entre essas competências importantes.

 

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O pensamento criativo ajuda a preparar os jovens para se adaptarem a um mundo em rápida mudança que exige trabalhadores flexíveis e inovadores. Além de preparar os estudantes para o mercado de trabalho, o pensamento criativo na educação contribui para o desenvolvimento holístico dos alunos – ele apoia a aprendizagem, a resolução de problemas e as habilidades metacognitivas através da exploração e descoberta, ajudando os alunos a interpretar informações de maneiras pessoalmente significativas. Também foi descoberto que apoia uma série de outros aspectos importantes do desenvolvimento e das conquistas dos estudantes. (p.46)

É importante enfatizar que o exame do Pisa avaliou o pensamento criativo referente ao que os pesquisadores do campo definem como criatividade com “c minúsculo” (little “c” creativity) que é o processo criativo associado a descobertas e soluções para problemas do dia-a-dia e está acessível a todos. Eles enfatizam que não estão tentando medir a Criatividade com “C maiúsculo”, que “está associada a avanços intelectuais ou tecnológicos ou a obras-primas artísticas ou literárias que requerem profunda expertise em um determinado contexto. Em contraste, todos podem demonstrar a criatividade “little-c” (ou “cotidiana”) ao se envolverem em pensamento criativo. Esse é o tipo de criatividade que as pessoas manifestam quando, por exemplo, organizam fotos para exibição, combinam sobras para fazer uma refeição saborosa ou encontram soluções para problemas do dia a dia. A criatividade “little-c” é desenvolvida através da prática e aprimorada pela educação” (p.46).

 

O quadro brasileiro

Com a participação de 10.798 estudantes (2), o Brasil está colocado em 9o lugar em termos de tamanho de grupo participante do Pisa, ou seja, o esforço nacional de representação nesse exame é grande e os resultados precisam ser considerados cuidadosamente pela sociedade, pelo governo e pela academia. Nesse sentido, a avaliação de 2022 do PISA trouxe à tona diversas questões relacionadas ao desempenho dos estudantes brasileiros em pensamento criativo para as quais  líderes educacionais precisam dar uma resposta. Dada a importância da criatividade para a sociedade, é preciso enfatizar o desenvolvimento dessa competência.

Dos 75 países participantes do Pisa 2022 (entre membros e parceiros da OCDE), 10 não tiveram resultados para o exame de criatividade (Argentina, Áustria, Geórgia, Irlanda, Kosovo, Noruega, Reino Unido, Suíça, Turquia, e Montenegro). Entre os 65 países com resultados apresentados no relatório, Singapura ficou em primeiro lugar, com uma média de 41 pontos no exame e o Brasil ficou em 50° lugar, com uma média de 23 pontos. Também com 23 pontos estão Arábia Saudita, Azerbaijão, El Salvador, Panamá, e Peru.

Além de um resultado global desapontador, os resultados indicam que o Brasil está entre os países com a maior proporção de estudantes que não atingiram o Nível 3 em pensamento criativo. Isso posiciona o Brasil ao lado de países como Albânia, Uzbequistão, República Dominicana, Filipinas, Marrocos e outros que também enfrentam desafios significativos nessa área.

 

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O relatório também apresenta várias comparações entre recortes da população. Por exemplo, no Brasil, os estudantes que frequentam programas de estudo pré-vocacionais ou vocacionais tiveram um desempenho melhor em pensamento criativo do que aqueles em programas de educação geral. A diferença foi de aproximadamente 6 pontos, destacando a possível influência positiva dos currículos mais práticos e aplicados presentes nos programas vocacionais. Esta hipótese está de acordo com a definição de criatividade utilizada para o exame, a criatividade com “c minúsculo”.

O relatório também apresenta as diferenças de resultados entre gêneros que, no Brasil, tendem a ser pequenas quando comparadas com outros países. As meninas tiveram um resultado médio superior ao dos meninos em todos os países que participaram do exame, incluindo no Brasil. O que difere a situação brasileira é que as diferenças entre gênero no Brasil tendem a ser pequenas, quando comparadas com outros países, ou seja, tanto meninos quanto meninas têm desempenhos similares, com ligeira vantagem para as meninas.

A grande diferença nos resultados brasileiros aparece quando o recorte é feito a partir da classe socioeconômica. O relatório PISA 2022 revela que o nível socioeconômico dos estudantes brasileiros influencia significativamente seu desempenho em pensamento criativo. Estudantes de classes mais altas apresentam melhores resultados e maior auto eficácia criativa, acreditando mais em sua capacidade de gerar ideias inovadoras e resolver problemas. Essa diferença de desempenho é medida pelo índice de status socioeconômico e cultural (ESCS) do PISA, que leva em consideração o nível educacional dos pais, a posse de bens culturais e educacionais em casa, e a ocupação dos pais.

 

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Estudantes de classes socioeconômicas mais baixas no Brasil tendem a mostrar maiores níveis de desengajamento com as tarefas de pensamento criativo, frequentemente respondendo rapidamente sem fornecer respostas válidas ou não respondendo a algumas questões. Esse comportamento, mais comum entre estudantes desfavorecidos, afeta negativamente seu desempenho. Além disso, a mentalidade de crescimento (3), acredita que a criatividade desenvolvida com esforço e prática é mais prevalente entre estudantes de classes mais altas, contribuindo para as diferenças de desempenho observadas.

Fica claro, portanto, que a sociedade brasileira precisa se mobilizar em prol do fortalecimento da criatividade nos jovens. A competitividade nacional depende disso; na economia da informação e da inteligência artificial, criatividade é uma das competências mais importantes que uma pessoa pode desenvolver. A pergunta que se coloca, portanto, é: como trabalhar a criatividade no ensino superior?

 

Fortalecendo a criatividade no ensino superior

É claro que a forma de trabalhar a criatividade no ensino superior deve ser diferente daquela utilizada com estudantes da educação básica. As abordagens devem ser adaptadas para atender às necessidades específicas de carreiras distintas, reconhecendo que cada área do conhecimento requer um conjunto particular de habilidades criativas. No ensino superior, os estudantes já possuem uma base de conhecimentos e habilidades mais desenvolvidas, o que permite a implementação de estratégias mais complexas e específicas para fomentar a criatividade.

Inicialmente, destaco o ponto dos currículos flexíveis e interdisciplinares, fundamentais para o desenvolvimento da criatividade. Projetos que integrem diferentes áreas do conhecimento permitem que os estudantes apliquem conceitos de várias disciplinas para resolver problemas complexos de maneira criativa. Programas que incentivem a colaboração entre departamentos, como engenharia e artes, resultam em soluções inovadoras e únicas. Por exemplo, um curso de engenharia beneficia-se da integração com disciplinas de design e artes visuais para desenvolver projetos de prototipagem criativa.

 

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Além disso, ambientes de aprendizagem estimulantes também têm sua importância. Espaços como laboratórios de inovação, estúdios de arte e makerspaces equipados com ferramentas tecnológicas e materiais diversos incentivam os alunos a explorar e materializar suas ideias. Esses ambientes permitem que os estudantes de diferentes áreas, como ciências exatas e artes, experimentem e desenvolvam soluções inovadoras em um ambiente colaborativo.

Atividades extracurriculares contribuem. Programas de artes, teatro, música e tecnologia, como robótica e programação, proporcionam oportunidades para os estudantes desenvolverem suas habilidades criativas fora do ambiente de sala de aula tradicional. Essas atividades ajudam a cultivar um pensamento criativo através de práticas lúdicas e desafiadoras, beneficiando estudantes de todas as áreas de estudo, desde as ciências humanas até as ciências exatas e da saúde.

 

Capacitação de professores e avaliação criativa

Quem me honra com a leitura destas colunas sabe o quanto valorizo e respeito o papel dos docentes no processo de aprendizagem. Pode até ser miopia, mas realmente tenho dificuldade em conceber um processo educacional bem sucedido sem a participação ativa de professores. Com relação ao desenvolvimento da criatividade, isso não poderia ser diferente.

A capacitação de professores é fundamental para criar um ambiente que valorize e estimule a criatividade no ensino superior. Aliás, sem o engajamento do corpo docente, qualquer iniciativa institucional está fadada ao insucesso. Porém, também é verdade que os docentes precisam ser sensibilizados, mobilizados e capacitados a trabalhar deliberadamente a competência da criatividade em suas aulas. Mudanças organizacionais não podem ser deixadas ao acaso.

Entre as possibilidades de engajamento e desenvolvimento destaco três que têm maior potencial de impacto:

  • Desenvolvimento formal: pode-se oferecer ao corpo docente cursos e workshops regulares sobre metodologias de ensino criativas. Esses programas incluem tópicos como aprendizagem baseada em projetos, gamificação e técnicas de brainstorming. Por exemplo, um workshop sobre design thinking aplicado ao desenho do currículo ajuda professores a criar planos de aula mais envolventes e engajadores, além de mais objetivos e assertivos quanto às competências que serão desenvolvidas (a esse respeito ver, por exemplo, (4));

 

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  • Parcerias com especialistas: trazer especialistas em criatividade e inovação para trabalhar com os professores oferece novas perspectivas e técnicas de ensino. Parcerias com organizações especializadas em educação criativa geram recursos valiosos e oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo;
  • Comunidades de prática: estabelecer grupos de estudo ou comunidades de prática onde os professores compartilhem experiências, discutir desafios e trocar ideias sobre como promover a criatividade em sala de aula. Deve-se valorizar os talentos da casa. E dar visibilidade a essas boas práticas e permitir que os professores se inspirem com seus próprios colegas. Pela experiência do desenvolvimento organizacional corporativo, esta é uma estratégia das mais poderosas para promover uma cultura de aprendizagem realmente institucionalizada.
  • Avaliações: finalmente, as avaliações. O processo avaliativo também deveria refletir a importância da criatividade. Métodos de avaliação que valorizem a originalidade, a inovação e a capacidade de resolver problemas de maneira criativa devem ser integrados aos sistemas de avaliação tradicionais. Isso inclui portfólios, apresentações, projetos e protótipos. Além disso, a própria abordagem do Pisa, muito interessante, serve de inspiração.

 

Conclusão

Os resultados do PISA 2022 revelam uma realidade desafiadora para o Brasil no que diz respeito ao desenvolvimento do pensamento criativo entre os estudantes. A posição de 50º lugar entre 65 países, com uma média de 23 pontos, coloca o país entre aqueles com as maiores dificuldades nesta área, ressaltando a urgência de medidas concretas para melhorar esse cenário. A análise detalhada dos dados indica que as disparidades socioeconômicas e a falta de estímulo adequado nas escolas são fatores críticos que influenciam negativamente o desempenho dos estudantes brasileiros.

Para reverter essa situação, é essencial adotar uma abordagem multifacetada no ensino superior, inserindo a promoção da criatividade como um componente central dos currículos, incorporando projetos interdisciplinares que incentivem a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento. Ambientes de aprendizagem estimulantes, como laboratórios de inovação e makerspaces, são fundamentais para permitir que os estudantes experimentem e desenvolvam soluções inovadoras.

 

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Além disso, a capacitação dos professores é vital para criar um ambiente propício ao desenvolvimento da criatividade. Instituições de ensino superior devem investir em programas de formação continuada, parcerias com especialistas e a criação de comunidades de prática que permitam a troca de experiências e a disseminação de boas práticas. Os métodos de avaliação também devem ser ajustados para valorizar a originalidade e a inovação, utilizando portfólios, projetos e apresentações como ferramentas de mensuração.

Em última análise, fortalecer a criatividade no ensino superior brasileiro exige um compromisso coletivo da sociedade, governo e instituições de ensino. Somente através de uma abordagem integrada e focada no desenvolvimento de competências criativas poderemos preparar os estudantes para os desafios futuros, garantindo um avanço significativo na qualidade da educação e na competitividade global do Brasil.

 

Referências

(1) PISA 2022 Results (Volume III). (2024, junho 18). OECD. https://www.oecd.org/en/publications/2024/06/pisa-2022-results-volume-iii_1933a4a1.html

(2) OECD (2023), Annex A2. The PISA target population, the PISA samples, and the definition of schools, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/007f7d8e-en

(3) Dweck, C. (2017). Mindset – Updated Edition: Changing The Way You think To Fulfil Your Potential. Hachette UK.

(4) Wiggins, Grant & McTighe, Jay. (2005). Understanding By Design (2a edição). Assn. for Supervision & Curriculum Development.

Por: Alexandre Gracioso | 24/07/2024


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