NOTÍCIA

Edição 274

Criatividade: as respostas que dávamos já não servem mais

Acredita-se que todos têm a capacidade de ser criativos, pois se nasce com potencial para criatividade, que é a habilidade de imaginar e criar ideias originais

Publicado em 19/04/2023

por Karen Cardial

criatividade Lúcia Hiratsuka, escritora e ilustradora: "ser criativo é um processo" (Foto: Freepik)

O Dia Mundial da Criatividade e Inovação criado pela ONU e comemorado em 21 de abril, sobre a importância da criatividade e da inovação na solução de problemas, visa o avanço das metas globais. A ação teve apoio de 80 países, cientes de que tais questões não seriam resolvidas com as estratégias do passado, com as formas que pensávamos até então. “A gente tem uma série de elementos ao nosso redor que mostram que não podemos continuar respondendo às coisas da mesma forma. Precisamos trabalhar com nossos estudantes para que sejam capazes de pensar de uma forma mais criativa”, explica Luciane Bonamigo Valls, psicóloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Criatividade pela State University of New York (Buffalo/NY).

Hoje, acredita-se que todos têm a capacidade de ser criativos, pois se nasce com potencial para criatividade, que é a habilidade de imaginar e criar ideias originais. “A imaginação já vem de fábrica na espécie humana. É a capacidade de imaginar o que nos diferencia das demais espécies. Essa necessidade de resgatar a nossa criatividade é um convite da vida a voltarmos a ser humanos”, afirma Murilo Gun, graduado em administração de empresas e com MBA em Gestão de Negócios, artista e professor de criatividade. 

 

Leia: Como podemos fortalecer a criatividade de nossos estudantes?

 

Autora do livro Criatividade Contagiante – Como a escola pode nutrir o pensamento criativo, Valls explica que nosso cérebro possui capacidade associativa, faz relações e combina o repertório que já temos de experiências, informações e habilidades, gerando novas possibilidades. “O ponto está na forma como a criatividade vai se desenvolver e como vamos explorar o nosso potencial, pois depende de fatores como o estímulo da família, da escola e da sociedade, do quanto isso é desejado, estimulado e permitido”, enfatiza.

Lúcia Hiratsuka

Lúcia Hiratsuka afirma que a arte nos abre para experimentações e estimula a criar (Foto: divulgação)

Foram vários os estímulos a Lúcia Hiratsuka, escritora e ilustradora, graduada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo e ganhadora dos prêmios Melhor Livro para Crianças FNLIJ, Prêmio Literário Biblioteca Nacional, Jabuti, Hours Concours Cátedra Unesco de Leitura, entre outros, que ajudaram a desenvolver a sua criatividade. Na infância, a sonoridade dos livros que ainda não lia e a apreciação da natureza, através das cantigas japonesas, e depois as cantigas brasileiras com sua diversidade, as brincadeiras e os desenhos que fazia, não apenas no papel, mas no chão, com barro e o brincar na terra, foram exercícios de criação constante.

O momento caracterizado por mudanças rápidas, tecnológicas, repleto de ambiguidades e sem a mesma previsibilidade de antes, aspectos que se intensificaram com a pandemia da Covid-19, obrigou as pessoas a serem flexíveis e adaptáveis em diferentes contextos.

No mercado de trabalho nota-se um movimento de trazer a criatividade como uma das habilidades mais importantes. Relatórios do Fórum Econômico Mundial (The Future of Jobs Report), traz, desde 2016, a criatividade como uma das principais habilidades para os próximos anos. A busca por profissionais que sejam criativos, flexíveis e capazes de solucionar problemas é cada vez maior. Alunos universitários passam por processos seletivos que exigem a resolução de problemas através do repertório individual, de experiências e informações que possuem.

 

A tão desejada memória já não traz soluções, é preciso criar

 

A criatividade é hoje uma necessidade, afirma Valls. É urgente desenvolver no estudante as habilidades de pensamento criativo que darão a ele flexibilidade e agilidade, capacidade de lidar com incertezas e ambiguidades e de gerar novas possibilidades no mercado de trabalho. Segundo Valls, outro aspecto que torna a criatividade importante é que, ao trabalhar com pensamentos criativos, colocamos em ação níveis elevados de pensamento. Quando um aluno reproduz, memoriza ou aplica uma informação já conhecida, está, do ponto de vista cognitivo, trabalhando habilidades simples. Mas, quando cria algo que ainda não existe, constrói uma nova solução, aciona uma série de estratégias que combinam informações existentes, avalia se o que criou faz sentido ou se é apenas original, se agrega valor e se tem utilidade.

“A forma como a espécie homo sapiens, em todo o planeta, foi treinada, nos 20 primeiros anos de vida, para resolver problemas, foi através da memória, para dar respostas previamente definidas”, lembra Murilo Gun. Ao pedir uma solução criativa ao aluno, acionamos seu lado imaginativo, de criação, mas também sua capacidade de julgar e avaliar uma situação. E tudo isso leva a níveis elevados de pensamento, afirma Valls.

Luciane Valls

Para Luciane Valls, “é preciso uma cultura que seja promotora da criatividade” (Foto: divulgação)

“A gente não precisa transformar as aulas em espaços megalomaníacos ou montar um circo para dar uma aula criativa. Com pequenos elementos e clareza do que promove um espaço propício para a criatividade, um ambiente seguro para as novas ideias e que reflita sobre elas, que dê espaço para o aluno falar sobre suas dificuldades, já é suficiente para promover mais criatividade do que ousar algo muito diferente e radical que gere angústia ao professor”, orienta Luciane Valls, que em 2020 recebeu o Mary Murdock Creative Spirit Award, uma premiação concedida pelo International Center for Studies in Creativity.

 

Não basta um professor criativo, é preciso promover a criatividade em sala de aula

 

Há, no ensino superior, tentativas de criar aulas criativas, com o uso de ferramentas, tecnologias e metodologias ativas, para ajudar o professor com aulas originais e engajadoras, onde estudantes tenham um papel ativo. Porém, não há um trabalho para a promoção da criatividade dos estudantes. Dar uma aula mais criativa não desenvolve a criatividade do aluno, quando esse professor ainda acredita que há apenas uma resposta correta. “Não basta só o professor ser criativo, ele precisa, de forma intencional, promover criatividade nos seus estudantes”, assegura Valls. “É preciso criar uma cultura que seja promotora da criatividade para que o aluno tenha segurança em trazer ideias diferentes para a sala de aula, pois de nada adianta uma solução original, se ao expressar sua forma diferente de pensar não é bem recebido, e sim, julgado”, ilustra.

O grande desafio na tarefa de formar estudantes criativos está na formação dos professores, que não são preparados sobre o que é e o que não é criatividade. “É preciso conhecer os diferentes elementos envolvidos na criatividade, pois gerar múltiplas ideias é uma das habilidades do pensamento criativo, mas existem outras”, levanta Valls. “É muito difícil que, hoje, um professor universitário seja capaz de promover a criatividade se ele não tiver a formação adequada”, completa.

 

Criatividade e saúde mental

 

Quando temos um pensamento fechado, com uma única alternativa para solucionar um problema, e por alguma razão essa solução não é capaz de nos ajudar, uma série de sensações negativas aparecem, como angústia, medo, ansiedade e insegurança. Quando aprendemos a pensar de forma criativa, somos capazes de criar novas possibilidades, mais flexíveis e mais adaptáveis e isso reflete no nível de otimismo, de bem-estar emocional e na saúde mental. “Quando a gente promove criatividade, também estamos promovendo saúde”, conclui.

 

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Criar sem medo de errar

 

Murilo Gun traz 3 pontos cruciais para dar início ao processo criativo: a curiosidade, a imaginação (o faz de conta, o brincar) e a coragem, a mais desafiadora delas, pois todo território novo, que é por onde vai a imaginação, passa pelo medo. Há três anos, Murilo estuda um novo tipo de criatividade, mais profunda, onde as ideias surgem de um lugar subjetivo, sutil, que ele chama de intuição. É a criatividade que vem do silêncio, quando você está em paz e centrado, e que é quando as ideias surgem.

Luciane Valls ensina que diversificar as atividades em sala de aula, dar a possibilidade para que os alunos façam escolhas, priorizar o processo de construção e a reflexão em cima dos trabalhos são estratégias para trabalhar a criatividade nos alunos, hoje.

Lúcia Hiratsuka diz que ser criativo é um processo. E o que ela pratica? Olhar ao redor, se abrir para o mundo, estar com pessoas e aberta ao que a vida oferece. Apreciadora do silêncio, Lúcia precisa de pausas e reserva momentos consigo mesma. “A arte nos abre para experimentações e estimula a criar. Observar a natureza e conviver com pessoas apuram nossa percepção e o nosso olhar.”

 

Esta reportagem sobre criatividade foi produzida para a edição 274 da revista Ensino Superior.

Autor

Karen Cardial


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