NOTÍCIA

Edição 274

Fisioterapia pélvica: reabilitação funcional abre mais mercado

Avanço no campo da fisioterapia pélvica vem, aos poucos, desmoronando tabus. Mudanças fazem crescer a demanda pela especialização

Publicado em 04/05/2023

por Ensino Superior

Fisioterapia pélvica Cresce demanda para essa especialidade (Foto: Freepik)

“Tome uma taça de vinho para relaxar.” Essa tem sido a prescrição mais comum de médicos ginecologistas às pacientes que relatam dificuldades e dores no ato sexual. Isso porque a ginecologia caminhou mais para cima, preocupada com trompas, útero, ovário.

Há pouco menos de uma década, restava à paciente tentar o vinho – como se, provavelmente, já não tivesse tentado –, perceber que a prescrição não tinha eficácia e se conformar com as dores ou com a impossibilidade de ter parceiros. Para além do campo do prazer feminino, atravessado por questões culturais profundas e machistas, outras disfunções da pelve, como a incontinência urinária, são muitas vezes normalizadas pelo senso comum.

Esse contexto começou a mudar. Um dos fatores para essa transformação é o avanço no campo da fisioterapia pélvica, que vem, aos poucos, desmoronando tabus, oferecendo informação, tratamento e proporcionando às mulheres a autodescoberta. Antes conhecida como fisioterapia voltada à saúde da mulher, mais vinculada à uroginecologia, ganhou esse novo nome – fisioterapia pélvica – para abranger homens e mulheres. Isso porque os homens também vêm vencendo tabus e escolhendo tratar, por exemplo, o câncer de próstata. A reabilitação após cirurgia para as disfunções decorrentes é oferecida como tratamento complementar por essa especialidade.

Luciana Barcala

Luciana Barcala, da Estácio: “é tudo novo nesse campo” (Foto: divulgação)

“Antes a fisioterapia era muito reconhecida para problemas ortopédicos e neurológicos, para recuperar pacientes com AVC, traumatismo craniano, lesão medular, e os problemas de ortopedia, osteoporose, fraturas. Mas hoje não. Tudo o que está relacionado à funcionalidade do paciente está envolvido com a fisioterapia. Fisioterapia é a reabilitação para o funcional”, explica a professora Luciana Barcala, coordenadora do curso de fisioterapia da unidade de São Paulo da Universidade Estácio de Sá. Na capital paulista, o curso é recente e no semestre que vem abre sua clínica para atendimento da população.

 

Leia: Conselho não aceitará inscrições de fisioterapeutas formados em EAD

 

Ela menciona o crescimento exponencial dos cursos de especialização em fisioterapia pélvica e o reconhecimento da comunidade científica. “Nos últimos três anos, o número de instituições que oferecem a especialização em fisioterapia pélvica cresceu 300%”, revela. As pesquisas avançaram e deram comprovação científica para todo o processo de reabilitação do homem e da mulher, nas disfunções urinárias, fecais e sexuais. São disfunções que acabam por afetar a vida social e comprometem a saúde. “A incontinência é uma fraqueza da musculatura do assoalho pélvico, que é possível ser treinado, há reabilitação. Já na graduação do curso de fisioterapia os alunos aprendem acerca desse treinamento”, diz.

Num campo em que falta informação para todos os públicos, os futuros profissionais são preparados para informar pacientes e médicos. A “taça de vinho”, diz a professora, não é por negligência. “O médico dá o diagnóstico, o medicamento, e precisa saber para onde encaminhar. É tudo muito novo nesse campo. E nós fazemos essa conscientização junto às clínicas médicas”, afirma.

 

Mulheres têm mais incontinência

 

Clarissa Marzinotto é fisioterapeuta com especialização em fisioterapia pélvica. É doula e também se especializou em fisioterapia obstétrica, por opção, não por obrigatoriedade. Ela conta que a fisioterapia pélvica tem encontrado cada vez mais espaço na fisio obstétrica, “porque está muito ligada ao movimento, à biomecânica da pelve, que é muito importante para o trabalho de parto. Como fisioterapeuta pélvica tenho total capacidade para atuar na sala de parto”.

Ela também atua em todas as disfunções que podem aparecer na gravidez, faz o preparo para o parto – com prevenção de lesões –, reabilitação do assoalho pélvico pós-parto, diástase, enfim, a fisioterapia pélvica tem “uma infinidade de objetivos na gestação”, resume Clarissa. Tudo o que está disfuncional no âmbito do assoalho pélvico a fisioterapia pélvica pode ajudar a resolver e prevenir.

 

Edição 274: O Brasil é forte em pesquisa científica e pode ser melhor

 

As disfunções na região pélvica atingem mais as mulheres, diz Clarissa. O corpo da mulher sofre mais alterações hormonais, há sobrecargas na gestação, há o processo da menopausa com queda hormonal. Por exemplo, a incontinência urinária é de longe uma disfunção que acomete mais as mulheres. Em idade avançada, 75% das mulheres apresentam essa disfunção. “O homem tem outros mecanismos, outras estruturas anatômicas que fazem com que ele seja continente. Já a mulher é basicamente dependente da musculatura, então uma sobrecarga já a fragiliza mais”, ela explica.

O fator cultural também não ajuda. “As mulheres foram ensinadas a não falar de suas dores, principalmente íntimas. É uma troca, no máximo, entre mulheres e há o despreparo de profissionais de saúde que não têm a informação dos ramos de atuação da fisioterapia pélvica. Todos os tabus precisam vir à luz para que as mulheres entendam que a pelve faz parte do corpo delas e é tão importante quanto todas as outras partes do corpo”, diz. Além de atender mulheres por meio de sua empresa, Clarissa ministra palestras, como trabalho educativo voluntário, para ampliar essa conscientização, por meio da BC Stuart – Associação Brasileira pela Continência – e outras entidades.

 

Prazer em conhecer

 

Clarissa Marzinotto

Clarissa Marzinotto desvenda a pelve às mulheres com a ajuda de materiais pedagógicos (Foto: divulgação)

Numa palestra sobre saúde feminina, Clarissa apresenta cada parte às mulheres: uretra, canal vaginal, vulva, clitóris, e onde fica cada um deles. Clarissa diz que a desinformação acerca do próprio corpo independe de classe social; há mulheres com pós-graduação que não diferem uretra e vulva. “É um tema tabu; até a educação formal tem dificuldade de abordar.” Esse fenômeno não acontece com os homens, por terem os órgãos externos e, culturalmente, a repressão sobre eles ser menor. “Além disso, a sexualidade masculina, quando começa a se apresentar na adolescência, é muito respeitada.” Isso não acontece com a mulher. Quando cursava sua especialização na Faculdade de Ciências

Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 2015, Clarissa percebeu a falta de material imagético para representar os órgãos genitais femininos. “Tínhamos uma representação do clitóris 2D, estrutural, mas não tridimensional, não dava a ideia de onde ele ficava anatomicamente. Essa falta de material não era um problema da instituição. Lembro de encontrar uma foto na internet, mostrar para uma colega que trabalhava com sexualidade, na Unifesp, e ela me pediu, porque também não tinha.”

Hoje em dia, há imagens tridimensionais, possibilidade de ter os órgãos impressos em 3D, em tamanho real. E as pelúcias. “Temos partes dos órgãos femininos e masculinos em pelúcia que dão leveza ao estudo”, diz Luciana. “Há confecções agora, e são macro, então eu pego uma vagina grande de pelúcia e consigo mostrar todos os elementos, inclusive o clitóris. As mulheres vão entendendo, identificando e podendo fazer todo o trabalho de reeducação e estimulação”, fala a professora. Clarissa também comemora essas mesmas pelúcias.

 

Opinião: O papel da autoavaliação do Sinaes

 

Além de dúvidas, nas palestras Clarissa ouve queixas, em especial, em relação às dores no ato sexual. A fisioterapia pélvica contribui ao oferecer treinamento para o músculo que precisa aprender a relaxar e contrair. Muitas mulheres demandam acompanhamento psicológico, sobretudo se houver algum vínculo da dor física com memórias de abuso. Orientações para uso adequado de vibradores também é tarefa da fisioterapia pélvica, pois eles contribuem muito para que as mulheres conheçam o próprio corpo. E, sim, nesse aspecto, a fisioterapia pélvica é revolucionária.

Luciana comenta que, nos homens, há necessidade de sensibilização da região pélvica. Especificamente na disfunção sexual, o problema também é cultural: foi ensinado a eles uma única prática sexual. Assim como foi aos poucos que eles venceram tabus e começaram a buscar a prevenção ao câncer de próstata, é ainda com dificuldade que lançam mão da reabilitação na fisioterapia.

Autor

Ensino Superior


Leia Edição 274

Fisioterapia pélvica

Fisioterapia pélvica: reabilitação funcional abre mais mercado

+ Mais Informações
Fachada Unifran

A busca por outro espelho

+ Mais Informações
Capa Edição 274 - Pesquisa científica

O Brasil é forte em pesquisa científica e pode ser melhor

+ Mais Informações
Rose Luckin

IA, importante termos uma boa regulamentação

+ Mais Informações

Mapa do Site