NOTÍCIA
Felipe Morgado, superintendente de educação profissional e tecnológica do Senai Nacional, aborda a capacitação de profissionais para o mercado do hidrogênio verde no Brasil
Publicado em 30/08/2024
O Brasil se destaca na produção de energias renováveis e é um dos países que mais avançam na transição energética. Ocupa a 12ª posição, na frente de países como o Reino Unido, China e EUA. No G20, por exemplo, apenas seis países estão entre os 20 melhores avaliados.
As energias renováveis e a cadeia do carbono verde não são novidades para a área industrial. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) vem capacitando profissionais nessas áreas há quase duas décadas. Mais recentemente, os desafios se voltam para a formação de profissionais para o mercado do hidrogênio verde (H2V), que tem grande potencial no Brasil, em função das energias renováveis envolvidas em sua produção.
Esses desafios são tema desta entrevista com Felipe Morgado, superintendente de educação profissional e tecnológica do Senai Nacional. Ele é administrador formado pela Universidade Católica de Brasília, com MBA em Controladoria e Finanças e pós-graduação em Gestão de Projetos pela FGV e tem mais de 20 anos de experiência nas áreas de educação, planejamento, orçamento e gestão. Atuou na implantação de programas federais como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Programa Alfabetização Solidária, capitaneado pela antropóloga e ex-primeira-dama do país, Ruth Cardoso.
Atualmente, em seu departamento, Morgado e sua equipe são responsáveis pela prospecção tecnológica, a elaboração de currículos e perfis profissionais, materiais didáticos, formação de docentes, busca de novos modelos de negócios, todas atividades em âmbito nacional. O Senai tem mais de mil unidades entre fixas e móveis e atinge 95% dos municípios brasileiros com algum tipo de oferta, desde a formação inicial, de qualificação e aprendizagem profissional, a cursos técnicos, graduação e pós-graduação – especialização, mestrado e doutorado –, todos na área industrial.
Morgado abordará também os estudos realizados em parceria com o projeto H2Brasil, que integra a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável e é implementado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), como parte dos esforços de apoiar a expansão do mercado de H2V no país. Um destes estudos, o Mercado de hidrogênio verde e power to X: demanda por capacitações profissionais , já foi concluído. Outro, em fase final, mapeia a demanda por profissionais para o mercado de hidrogênio verde e já traz um número próximo a 100 mil profissionais ao ano.
O que está se discutindo hoje é o processo de descarbonização da economia, e aqui meu foco é na indústria, que está sendo afetada. A questão é como podemos reduzir as emissões de gás de efeito estufa em toda a cadeia, e como isso impacta não só o produto final, mas desde matéria-prima, produção, logística, design de produto, consumo da sociedade. Quando falamos de cadeia de carbono, é todo o processo, desde a matéria-prima até o consumo responsável do cidadão. Há um consumo alto de carbono e nosso objetivo é reduzi-lo, por meio da adoção de tecnologias limpas; 84% da produção de energia no Brasil é limpa, são fontes renováveis, o que deixa o país em posição de destaque.
O segundo ponto é melhorar a eficiência energética, pois não adianta produzirmos de maneira limpa e haver desperdício nos processos de transmissão, distribuição e principalmente no processo de produção. Por último, como podemos incorporar no processo de produção a tão famosa economia circular, como produzir e retroalimentar a produção de maneira mais sustentável. Então, quando falamos de cadeia de carbono verde, estamos falando disso.
O “verde” entra na geração de energia limpa, renovável e na eficiência energética desse processo de produção, a eficiência no consumo, incorporando, portanto, a economia circular. Isso tudo norteia a cadeia de carbono verde.
O país tem um consumo elevado, mas, como eu disse, 84% da produção de energia no Brasil é limpa – 55% da produção de energia provém das usinas hidroelétricas, 14,8% de eólica, 8,4% de biomassa e 6,2% de fotovoltaica (solar). Sobram 15,75% provenientes de fontes não renováveis como gás natural, petróleo, carvão mineral e 1 % de energia nuclear.
Como o Brasil tem um percentual alto de fontes renováveis, ele tem uma oportunidade de compensação desses créditos de carbono. E começamos agora a trazer o hidrogênio verde. Há uma grande oportunidade para o Brasil se conseguirmos produzir hidrogênio a partir de fontes renováveis.
A energia eólica tem um potencial muito grande e vai crescer. Cresceu bastante, estabilizou, e está com 15%. O Senai assinou com a Vestas, que é a maior indústria produtora de geradores eólicos do mundo, para formar profissionais principalmente no interior da Bahia, na região da Chapada Diamantina – e ali ultrapassará o Rio Grande do Norte em produção de energia nos próximos meses – e também no Rio Grande do Sul. Existe uma previsão de crescimento de produção de energia eólica e fotovoltaica (solar) e, aos poucos, vamos até garantindo que toda essa nova energia possa gerar hidrogênio verde para consumo interno ou exportação.
O desafio é a formação de pessoas, que começa no nível acadêmico, superior. O mercado está crescendo e vai especializando esses profissionais para que tenham domínio da tecnologia e, no segundo momento, vai para o nível técnico. O nosso desafio atual é como avançar rápido tanto na formação do nível acadêmico quanto técnico.
Não só. É preciso ter a usina para poder gerar a energia, tanto a eólica quanto a fotovoltaica. Então não é só porque o Brasil tem rios; isso foi no passado. Há vários anos o país incorpora na sua matriz energética a eólica, a fotovoltaica e a biomassa.
Estou há quinze anos no Senai e desde que entrei, talvez até antes, trabalhamos na formação de profissionais nos níveis técnico e superior. Temos faculdades e centros universitários, principalmente especialização. Focamos muito nas hard skills, em habilidades técnicas tanto de nível técnico quanto superior. Especificamente na área do hidrogênio verde, há três anos.
A cadeia do hidrogênio verde é a partir da geração de energias renováveis; essa energia é transformada em hidrogênio e esse hidrogênio se torna a fonte de energia, por exemplo, de caminhões – em vez de usar diesel, usa o hidrogênio verde –; já existem experiências em veículos. Por enquanto, o Brasil está iniciando. Há alguns pilotos em indústrias, protótipos, experimentos de geração de hidrogênio.
Nesse estudo, o objetivo era saber quais são as habilidades e os perfis dos profissionais que o Senai precisa formar para atender às novas demandas do mercado do hidrogênio verde, que é muito recente. Gosto desse exemplo do hidrogênio verde porque ele ainda está num processo de desenvolvimento de inovação, de tecnologia, para ficar mais barato, mas, em paralelo, o Senai já está formando pessoas, ou seja, a educação no Senai está chegando junto com a inovação nesse processo de produção do hidrogênio verde. Desde que estou aqui, é a primeira vez que inovação e educação andam juntas.
Verificamos que a formação de profissionais de hidrogênio verde deve ser complementar, as pessoas vão se especializar. Hoje, por exemplo, temos pós-graduação em hidrogênio verde e temos um itinerário de formação de técnicos, desde o operador, que vai instalar, aos que vão operar todo esse processo de produção. O Senai se preparou para a formação de técnicos. Hoje temos um centro de referência de hidrogênio verde, que é o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis, no Rio Grande do Norte, e temos cinco hubs regionais, na Bahia, no Ceará, Paraná, Santa Catarina e São Paulo, preparados com equipamentos, instrutores e professores qualificados para fazer a formação técnica e superior desses profissionais que esse estudo apresentou. O estudo trouxe quais são as competências, as prioridades, reunimos os especialistas das empresas, do setor produtivo, nesse caso especialistas internacionais, para definir nosso itinerário formativo, desde o início da produção até a especialização. Por isso eu disse que a inovação está puxando a educação profissional superior.
Então, temos a pós-graduação no âmbito do carbono e a mais nova está no âmbito do hidrogênio. É a especialização depois da graduação em engenharia mecânica ou elétrica e mecatrônica. No nosso estudo apareceram essas áreas como específicas.
Estamos finalizando mais um estudo com a GIZ acerca da demanda por profissionais apenas na cadeia de hidrogênio verde. Temos uma possibilidade de consumo interno muito grande. Nossa matriz de logística é via rodovia, pelo menos a maior parte, e hoje já há produção de caminhões que usam hidrogênio verde, por exemplo. O que esse estudo em fase final de elaboração aponta é que o mercado crescerá e a demanda chegará próximo a 100 mil profissionais ao ano.
Há estudos oficiais publicados, voltados para as energias renováveis. Por exemplo, no estudo feito pela Ernst Young, em 2021, a Europa estima 1 milhão de empregos até 2030. Há várias organizações que realizam projeções, mas hoje o estudo mais consolidado é o da Agência Internacional de Energia Renovável – Irena, na sigla em inglês – que projeta para o Brasil 1,27 milhão de empregos em energias renováveis nos próximos anos, sendo 863 mil em biocombustíveis. De acordo com a 12ª edição desse estudo – o próximo será publicado em breve –, o Brasil é o segundo maior empregador em energias renováveis e perde apenas para a China.
O desafio é ter a infraestrutura, pois é preciso investir em laboratórios de excelência e formar os docentes. Por exemplo, na parte do hidrogênio verde, o Senai formou 216 docentes no Brasil. As pessoas que estão no mercado ficam alocadas em pesquisa e desenvolvimento, normalmente em universidades. Então o desafio está na infraestrutura e na formação prática. Por exemplo, a questão do transporte do hidrogênio, que é arriscado, mais ou menos como o do gás, que é colocado dentro daqueles containers, e o hidrogênio é a mesma lógica: ele se torna líquido e fica dentro de uma estrutura e há todo o critério para transportar. O hidrogênio – nem só o verde – traz o desafio da redução de custos para a produção e aí está a pesquisa. Visitamos o Japão, que está com a Austrália realizando um processo de produção em que a Austrália produz hidrogênio verde e leva para o Japão, mas o custo ainda é mais elevado do que gerar energia no próprio Japão. Então, há um processo de pesquisa em desenvolvimento, e em paralelo já estamos formando.
O país está investindo nisso, alinhado à estratégia da neoindustrialização, sob a coordenação do vice-presidente Alckmin, que lançou o programa Nova Indústria Brasil. São recursos disponíveis para as empresas com juros reduzidos para estimular a geração da nova indústria, para que seja uma indústria verde.
Foram 2.5 milhões de euros, em laboratórios e importação de profissionais. É uma operação de transferência de tecnologia. Não adianta só montar o laboratório; tem que desenvolver os cursos, o perfil profissional, o desenho curricular, capacitar docentes, elaborar material didático. São as parcerias internacionais que auxiliam a alavancar.