NOTÍCIA

Edição 286

Mudança célere: o novo Enade

Exame das licenciaturas passa a ter novo formato já neste ano; Inep deve contratar avaliadores e capacitá-los para equalizar a avaliação dos estágios supervisionados

Publicado em 03/09/2024

por Rubem Barros

Novo Enade Além das atualizadas matrizes de referência, o Enade das Licenciaturas utilizará metodologia de Blocos Incompletos Balanceados

É hora de acelerar o processo de mudanças para dar mais consistência aos cursos de licenciatura e, consequentemente, à formação dos professores da educação básica. Depois de homologar em maio as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior do Magistério da Educação Escolar Básica, o MEC editou, no final de junho, duas portarias que regulamentam o novo Enade das Licenciaturas, já acompanhadas de textos adicionais que trazem as matrizes de referência dos componentes específicos de cada uma das 17 áreas de formação, além da matriz de referência da Formação Geral Docente, comum a todos os cursos.

Em 2023, quando MEC e Inep divulgaram os indicadores de qualidade da educação superior, apresentando o CPC (Conceito Preliminar de Curso) e as notas do Enade de 2021 nas licenciaturas, o ministro Camilo Santana demonstrou preocupação com os resultados, atribuindo ao excesso de cursos a distância parte das responsabilidades pelo mau desempenho. Na época, apenas uma das 17 licenciaturas avaliadas (a de filosofia, com 52%) obteve um desempenho igual ao superior a 50% na média nacional. Pedagogia, por exemplo, ficou na casa dos 36%.

A partir de então, um grupo de trabalho formado por representantes de diversas instâncias do MEC, do Conselho Nacional de Educação, Fórum Nacional de Educação e associações ligadas ao ensino superior desenharam ações em várias áreas, como no Plano Nacional de Educação. As diretrizes vieram suprir um buraco de muitos anos. A avaliação surgiu como passo seguinte.

Com inovações tanto no conteúdo das provas como na metodologia empregada para sua realização, o novo Enade das Licenciaturas passa a ser realizado anualmente já a partir de 2024. Sua novidade mais esperada é a instituição de uma avaliação prática com 37 questões (36 de múltipla escolha e uma dissertativa), além de outras 27 de avaliação teórica, agora totalmente voltadas à formação geral docente, totalizando 64 questões. Na prova realizada até 2021, eram 10 perguntas de conhecimentos gerais (não atreladas à docência) e outras 30 de conhecimento específico, das quais cinco discursivas, num total de 40 questões.

 

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Os licenciados, com isso, terão 30 minutos a mais para fazer o exame. Pode parecer pouco para um aumento de 24 itens, mas o Inep esclarece que, além de agora só haver uma questão discursiva, os itens serão remodelados. Até então, cada item trazia um texto de contextualização que servia apenas para ele próprio. Na prova deste ano, um mesmo texto poderá estar relacionado a quatro ou cinco itens (questões).

No caso da avaliação prática, ela estará atrelada ao estágio supervisionado obrigatório que os estudantes devem fazer, mais especificamente à parte do estágio voltada à regência de classe, ou seja, quando o licenciando efetivamente assume o posto de professor, sob a supervisão de um responsável pelo seu estágio na instituição escolar. Esse supervisor do estágio é um elemento novo que o Inep está criando e que demandará um processo longo de capacitação para que esta avaliação possa ser feita a partir de critérios equalizados. Com a criação do supervisor do estágio na escola e do orientador do estágio na IES, a ideia é provocar uma aproximação entre educação básica e universidade. Os supervisores serão contratados como avaliadores externos do Inep. Cada um poderá avaliar no máximo 10 estudantes por semestre, remunerados a R$ 100 por avaliação.

Ulysses Tavares Teixeira

Ulysses Tavares Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep, afirma que os anos iniciais do novo Enade servirão como diagnóstico da prova e do processo (foto: divulgação)

Segundo Ulysses Tavares Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep, as instituições têm até o dia 31 de agosto de 2024 para fazer as inscrições dos estudantes habilitados para a prova teórica. “Depois, a partir do dia 16 de setembro abriremos um outro período de inscrição para os estudantes que estiverem habilitados para a avaliação prática”, diz. Ele explica que os estágios costumam começar com atividades mais de acompanhamento e planejamento. Para realizar a prova prática neste ano é preciso que o estudante realize o período correspondente à regência de classe. Em fevereiro de 2025 será aberto outro período de inscrição para quem for fazer o período que inclui a regência de classe no primeiro semestre do próximo ano.

 

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Um ponto frisado pelo diretor do Inep é que neste primeiro ano e possivelmente no segundo, o Enade não vai ser contabilizado na nota das instituições, podendo ser considerado como algo próximo a um projeto piloto. A ideia nesse período é coletar o maior número possível de dados para calibragem da prova e do processo como um todo.

Uma vez calibrados itens e escalas nos próximos exames, os estudantes e instituições poderão ter a referência do desempenho mínimo esperado de cada licenciando, algo reclamado por muita gente. Esse seria um parâmetro mínimo para demonstrar a condição de o postulante assumir uma sala de aula.

 

Repercussões

Joaquim Soares Neto

Joaquim Soares Neto, presidente da Abave, enfatiza que daqui para a frente as instituições não poderão mais selecionar alunos para o exame (foto: divulgação)

Joaquim Soares Neto, ex-presidente do Inep e presidente da Abave, a Associação Brasileira de Avaliação Educacional, viu com bons olhos a introdução do Enade anual e a ênfase colocada nos estágios supervisionados no combinado entre as novas diretrizes e as mudanças na avaliação. “Imagino que isso irá induzir uma aproximação entre as IES e a educação básica, estruturas fundamentais da formação. A prática efetiva do estágio supervisionado é um avanço. Da mesma maneira como na formação de médicos, é preciso já ter passado por situações de fato para assumir a profissão.”

Neto, que atualmente é pesquisador do Caed, da Universidade Federal de Juiz de Fora, acredita que os resultados poderão ter maior visibilidade para as instituições formadoras e para a sociedade. Entre outros aspectos, pela adoção da TRI (Teoria de Resposta ao Item), que permitirá comparabilidade ano a ano.

E acrescenta: “vai acabar a estratégia de filtrar os melhores alunos. Agora, 100% dos alunos têm de fazer o Enade”. No entanto, a nota continuará a não ser computada no histórico do aluno, o que muitas vezes faz com que os estudantes não se empenhem ao fazer a prova. “Mas não seria justo que ele carregasse essa nota para o resto da vida, pois corresponde apenas a um momento. Mas a nota poderia ser usada como pontuação extra em processos seletivos”, sugere.

 

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Alexandre Nicolini

Empolgação com a nova prova: para o consultor Alexandre Nicolini, teremos mais e melhores dados (foto: divulgação)

Já para o consultor Alexandre Nicolini, o que está acontecendo é ótimo para o país. “Teremos mais dados, mais amplos, vai ser possível ver melhor onde estamos falhando. Muitas IES montam um currículo com 40 disciplinas diferentes que não conversam entre si. Isso não funciona. O currículo precisa ser articulado. Imagino que haverá uma queda grande de desempenho nos primeiros anos, até que haja uma adaptação a esses novos padrões”, avalia.

Isso, acredita o consultor, em razão de as instituições continuarem formando professores por qualificação profissional ou, no máximo, por conhecimento, e não por competências, como pressuposto nas novas diretrizes e matrizes do Enade.

Este ponto é mencionado como a principal mudança do Enade por Ulysses Teixeira, do Inep. “As matrizes de avaliação estão saindo de uma perspectiva muito focada nos conteúdos disciplinares de cada curso, para uma perspectiva mais focada no desenvolvimento das competências docentes. Isso é para que saibamos se o curso A está formando um bom professor de matemática, e não um bom bacharel em matemática”, resume.

 

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Apesar dessas expectativas positivas, a adoção de novas diretrizes e da prova anual estão longe de ser suficientes para a melhoria da formação docente e, por extensão, dos alunos da educação básica. Em recente entrevista ao Jornal da Unesp, Ana Maria Albuquerque, professora da Universidade de Brasília (UnB) e doutora na área de Políticas Públicas e Gestão da Educação, viu como positiva a preocupação com a inserção dos licenciandos no início da carreira, mas aponta que é vital que isso aconteça também “durante sua permanência e na formação continuada”.

A formação continuada, aliás, imagina-se que seja um dos próximos pontos a serem atacados, pois há um contingente de mais de 2 milhões de professores na educação básica, profissionais que espelham as enormes diferenças do país em relação a pontos diversos, como universo sociocultural, acesso a tecnologias e até mesmo a livros.

 

Formação geral e fundamentos

Um dos pontos que estão sendo objeto de mudança no novo Enade são os itens relativos à formação geral docente, agora voltados à especificidade da formação e não mais a conhecimentos gerais mais genéricos ou ligados aos bacharelados. De certa maneira, isso responde às reclamações anteriores quanto às diretrizes da formação de 2019, reformuladas no documento deste ano. Além de um olhar mais específico quanto a questões de identidades, respeitando as diferenças de ordem sexual, de gênero, étnicas, religiosas e etárias, incluídas no segundo grupo de competências, elas trazem também componentes ligados aos fundamentos da educação. Ou seja, filosofia da educação, história da educação, sociologia da educação e psicologia da educação.

Estes são os quatro primeiros objetos de conhecimento listados em um total de 24, que ainda incluem pontos centrais da formação, como teorias pedagógicas, políticas públicas, letramento científico e todo o arco de temas voltados à diversidade.

Enquanto os conhecimentos gerais da prova anterior traziam 10 questões, agora são 27 itens de múltipla escolha. Seria um desafio interessante se na elaboração desses itens questões ligadas à literatura, às artes em geral e à história brasileira embasassem as questões. Dessa maneira, talvez se pudesse também incentivar uma formação de repertório cultural dos candidatos.

 

A questão discursiva

Ao ser perguntado sobre o item discursivo que integra a prova prática dos estudantes, o diretor de avaliação do Inep soltou uma gargalhada ao pensar que a reportagem tentava extrair dele indícios de como seria a formulação da pergunta. A pergunta era se essa pequena dissertação seria pedida a partir de alguma situação-problema ou estudo de caso e se exigiria que o estudante demonstrasse conhecimentos teóricos que o ajudassem a solucionar um desafio prático, e mesmo se ele poderia indicar caminhos alternativos (mais de um ou algum menos frequente), afinal muitas situações exigem ou possibilitam o conhecimento de métodos, e não de um método único.

Por fim, assentiu que esse deve ser o caminho, mas que isso também poderá estar presente nos itens de múltipla escolha. “Provavelmente será algo nesse sentido, mas isso também vai fundamentar a elaboração de muitos dos itens objetivos. O foco é estar mais próximo das competências docentes do que das disciplinares. A lógica de avaliar o conhecimento pedagógico que o estudante tem sobre o conteúdo também deve prevalecer nos itens objetivos”, disse Ulysses Teixeira.

 

Nova metodologia potencializa uso de itens

Além das atualizadas matrizes de referência, o Enade das Licenciaturas utilizará uma metodologia, os Blocos Incompletos Balanceados (BIB), estratégia útil quando se quer obter informações amplas com um grande número de itens, porém limitando a quantidade destinada a cada aluno. É um esquema otimizado para aplicação de blocos em diversas áreas, entre elas a educação. Com ele, determina-se um número de itens aceitável para obter as informações com a distribuição em diferentes cadernos de prova.

“Até 2021, havia 30 itens do componente específico, agora serão 45 itens de formação geral docente e conhecimentos de didática geral, mais 60 itens dos componentes específicos, totalizando 105 itens. Com essa distribuição dos itens em cadernos de prova variados, cada estudante receberá o mesmo número de itens relacionados a cada habilidade avaliada, num total de 63 itens. No conjunto dos estudantes chega-se aos 105 itens totais, por mais que respondam itens diferentes”, explica o diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep.

Segundo Roberto Bekman, da Fundação Carlos Chagas, o BIB é muito útil no “uso conjunto com análises à luz da Teoria de Resposta ao Item para uniformizar a exposição das questões, visando a obtenção de resultados mais precisos”.

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Semesp

Ofício pede ao CNE implementação das Diretrizes Curriculares das licenciaturas

O Semesp participou de reunião com o Conselho Nacional de Educação, em Brasília, em 7 de agosto e entregou para Henrique Sartori, presidente interino do CNE, ofício solicitando um regulamento referente à transição entre as Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura.

Segundo o ofício, com a publicação da Resolução CNE/CES nº 4, de 29 de maio de 2024, que estabelece as novas diretrizes para a formação inicial e continuada de professores da educação básica, as instituições não tiveram tempo hábil para se adequarem. “(…) os alunos ingressantes no segundo semestre de 2024 realizaram a inscrição para o processo seletivo do curso de Licenciatura com base no edital que levava em conta as diretrizes anteriores”, diz o documento, “persistindo dúvidas no sentido de saber se alunos ingressantes no segundo semestre de 2024 poderão finalizar o curso com as diretrizes anteriores. Isso porque o curso finalizará após 2026, prazo máximo para a implantação das novas diretrizes”.

“Diante de tantas incertezas, algumas instituições tomaram a difícil decisão de não oferecer o curso no segundo semestre de 2024, aguardando uma regulamentação pelo CNE, uma vez que a migração para as novas diretrizes no andamento do curso é praticamente impossível, tanto na adaptação das disciplinas, quanto nos custos do curso da nova formatação”, prossegue o ofício. “A definição de regra de transição se faz necessária para garantir os direitos dos alunos e, também, dar mais segurança jurídica para as instituições de ensino.”

 

Autor

Rubem Barros


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