IES devem se tornar centros de promoção da paz e da convivência respeitosa
"Temos em nossas mãos a capacidade de desenvolver programas de conscientização, proporcionar apoio psicológico, incentivar o diálogo e estimular a resolução pacífica de conflitos" (foto: Shutterstock)Temos assistido, com apreensão, ao aumento da violência em nossa comunidade, cidade, estado, país e no mundo. Esse fenômeno não pode passar despercebido. A cada dia, diversas manchetes relatam diferentes formas de violência, desde aquelas ocorridas no ambiente doméstico, envolvendo cônjuges, pais, filhos e irmãos, até agressões verbais e físicas extremas que, em alguns casos, resultam em morte.
A violência entre jovens adultos, especificamente, tornou-se uma questão de saúde pública global que afeta todas as faixas etárias, mas com especial incidência entre os mais jovens. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é o “uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.
Globalmente, a violência figura entre as principais causas de morte de jovens adultos. Em 2019, estima-se que aproximadamente 200.000 homicídios ocorreram entre pessoas de 10 a 29 anos, representando 42% de todos os homicídios no mundo. A taxa de homicídios nessa faixa etária varia consideravelmente entre regiões, sendo mais elevada na América Latina e no Caribe. No Brasil, os números são particularmente alarmantes.
O Atlas da Violência 2023, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), registrou que, em 2021, dos 47.847 homicídios ocorridos no país, 50,6% envolveram jovens entre 15 e 29 anos, totalizando 24.217 vidas ceifadas. Isso equivale a uma média de 66 jovens mortos por dia. Paralelamente, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 revelou que 27% dos jovens de 18 a 29 anos sofreram algum tipo de violência nos 12 meses anteriores à entrevista, com a violência psicológica sendo a mais prevalente, afetando 25,3% dessa faixa etária.
Entre os tipos de violência mais comuns estão a violência física, psicológica, sexual e doméstica. A violência física envolve agressões que resultam em lesões corporais, como empurrões, socos e o uso de armas; violência psicológica refere-se a ações que causam danos emocionais, como insultos, humilhações e ameaças; violência sexual refere-se a qualquer ato ou tentativa de ato sexual forçado, sem o consentimento da outra pessoa, ou a exploração sexual e violência doméstica que compreende os diversos tipos de violência praticados no ambiente familiar ou entre parceiros íntimos. Outros tipos de violência são estudados hoje, mas independentemente disso, observa-se que as causas parecem ser semelhantes. Desigualdades socioeconômicas, exposição prévia à violência, abuso de substâncias e normas culturais que incentivam comportamentos agressivos. Em sociedades onde a agressão é tolerada ou incentivada, é sabido que as taxas de violência entre jovens tendem a ser mais elevadas.
Considerando a complexidade deste cenário, a diversidade de tipos de violência e fatores determinantes, tenho refletido muito sobre quanto, como educadores, devemos ser intolerantes com esse tema nas escolas e na vida. Como é possível trabalhar com jovens adultos e apenas tangenciar esse assunto? Como é possível ignorar o quanto isso pode se tornar uma marca na vida dos alunos? Assumimos de verdade nosso papel na mitigação da violência entre os jovens? Penso que não. Isso gera investimento e nem sempre é visto como prioridade na educação superior.
Somos a última chance de educar a maior parte dos alunos, que seguem a vida profissionalmente depois da universidade. A adoção da abordagem integral que vá além do ambiente acadêmico, impactando diretamente a vida dos estudantes e a comunidade ao redor é nosso problema e nos diz respeito diretamente. Somos capazes e responsáveis pela construção de uma cultura de paz e respeito. Temos em nossas mãos a capacidade de desenvolver programas de conscientização, proporcionar apoio psicológico, incentivar o diálogo e estimular a resolução pacífica de conflitos. Podemos Implementar disciplinas e workshops que abordem os melhores meios de lidar de forma mais saudável com frustrações e desafios. Tais ações e programas devem ser pensados com o mesmo rigor aplicado ao desenvolvimento curricular de novos cursos.
Como instituição, a Belas Artes tem sido incansável na preocupação com a saúde mental de jovens. Temos hoje uma gama de ações que vão desde oferta de serviços de apoio psicológico, com equipe qualificada para identificar e intervir em casos de bullying, estresse, ansiedade, depressão e outros problemas emocionais que podem conduzir à violência até atividades práticas com o mesmo objetivo. Temos políticas e protocolos para o atendimento desses casos, que incluem assédio, racismo, xenofobia, homofobia e outras formas de violência e discriminação no ambiente universitário.
Temos tolerância zero para atitudes e comportamentos violentos e acreditamos na eficácia de um ambiente seguro e inclusivo. Temos à disposição dos estudantes diversos cursos que abordam o tema, incluindo um curso de voluntariado para os alunos, preparando-os para serem proativos e empáticos nas comunidades em que atuam. Isso auxilia no desenvolvimento do senso de pertencimento, reduzindo comportamentos violentos, a partir da compreensão do impacto de suas ações na comunidade.
Nada disso é simples nem fácil de ser implementado. Requer esforço diário e investimento de recursos. No entanto, é nossa responsabilidade e ela é intransferível. Precisamos, como IES, nos tornar centros de promoção da paz e da convivência respeitosa. Esse é apenas um pedaço do grande trabalho que temos para contribuir na formação de profissionais e cidadãos capazes de melhorar o mundo em que vivemos.
Por: Josiane Tonelotto | 20/11/2024