Docentes e gestores têm a responsabilidade de formar estudantes reflexivos e autônomos, menos suscetíveis ao excesso de informação
Redes sociais se utilizam de algoritmos para oferecer conteúdos curtos e envolventes, que produzem a liberação de dopamina, criando um ciclo viciante e de sobrecarga (foto: Shutterstock)Há um ano, eu iniciava meus artigos nesta revista para falar da saúde mental de crianças, adolescentes e jovens adultos. Desde então tenho buscado reflexões sobre como e por que as instituições de ensino superior devem se comprometer com este tema. Tenho uma preocupação legítima com os desafios enfrentados por essas faixas etárias em relação ao bem-estar e qualidade de vida, numa perspectiva holística de saúde, incluindo aspectos físicos e emocionais.
Ao abordar os diversos aspectos desse tema e ao consumir leituras e conteúdos sobre o assunto, deparei-me com matérias que discutem as palavras mais citadas no Brasil e no mundo em relação à saúde mental. No Brasil, a palavra mais destacada é “ansiedade”. Isso não surpreende, considerando que o país recorrentemente figura entre os que apresentam índices elevados de transtornos de ansiedade e outros problemas de saúde mental.
No cenário global, entretanto, a expressão que mais chamou atenção foi “brain rot”. Mas o que significa isso? Trata-se de uma gíria em inglês, usada de forma coloquial e metafórica, para descrever um estado de cansaço mental, exaustão, perda de foco ou a sensação de “emburrecimento”. Essa condição pode ser causada por atividades repetitivas, estressantes ou desestimulantes. Apesar de não ser um termo médico, sua ampla utilização em redes sociais e comunidades online reflete uma experiência comum, especialmente entre os jovens.
As causas para o “brain rot” são bastante diversas, mas a mais citada é, sem dúvidas, o excesso de exposição aos conteúdos digitais. Essa exposição se configura no uso prolongado e, muitas vezes, desregulado de dispositivos eletrônicos, como smartphones, computadores e tablets, e o consumo constante de mídias digitais, como redes sociais, vídeos, jogos e notícias. O uso demasiado dos conteúdos digitais está cada vez mais presente, principalmente na vida dos mais jovens, devido à acessibilidade e à onipresença da tecnologia. Assim, algo que poderia ser apenas positivo, assume um lado negativo à medida que o uso excessivo pode ter impactos significativos na saúde mental, física e cognitiva.
O acesso à internet e aos dispositivos móveis criou uma cultura de hiperconectividade, reforçada pela gratificação instantânea. Redes sociais, principalmente as destinadas aos públicos jovens, se utilizam de algoritmos para oferecer conteúdos curtos e envolventes, que produzem a liberação de dopamina, criando um ciclo viciante e de sobrecarga. Estudos recentes indicam que pessoas que passam horas rolando feeds ou assistindo conteúdos repetitivos podem sobrecarregar seus cérebros com estímulos curtos e intensos, o que acaba por provocar a chamada fadiga mental. Consumir muitas informações fragmentadas sem tempo para processá-las pode levar a sensação de mente saturada.
A repercussão mais importante do fenômeno “brain rot”, dentre tantas, é a capacidade reduzida de reflexão sobre as informações consumidas e decorrente disso a fragilidade da capacidade crítica. Reflexão exige tempo e esforço cognitivo, mas a velocidade e a superficialidade dos conteúdos digitais dificultam esses processos. Para pensar criticamente, é necessário organizar informações, avaliá-las e conectá-las, o que não ocorre em ambientes de estímulos contínuos e fragmentados. Sem isso, torna-se mais difícil resolver problemas cotidianos e tomar decisões fundamentadas.
Mesmo considerando os exageros que podem estar contidos no que vimos até aqui, um sinal de alerta se acende para os gestores da educação superior. Como atender a uma geração hiperconectada, acostumada a simplificar tudo com vídeos rápidos e que demonstra pouca paciência para refletir? Como formar profissionais bem preparados para os desafios diários diante de um mundo tão confuso e complexo? Como ter profissionais menos impulsivos e mais bem preparados para o enfrentamento do stress diário? A solução começa por reconhecer a existência do problema. Negá-lo é inviável.
Em segundo lugar, é essencial preparar os docentes para engajar esses estudantes com propostas pedagógicas interessantes e desafiadoras, capazes de competir com os estímulos digitais a que nossos jovens estão expostos todos os dias. Aulas que exijam maior esforço cognitivo são parte da solução. Por fim, oferecer aos estudantes oportunidades diferentes de experimentar a escola, com atividades extracurriculares que enriqueçam suas experiências que desta forma, a educação superior pode, e deve, contribuir para uma sociedade menos vulnerável, mais crítica e menos manipulável. Docentes e gestores têm a responsabilidade de formar estudantes reflexivos e autônomos, menos suscetíveis ao excesso de informação que apenas satura, mas não permite evolução. O futuro depende de nossa capacidade de ressignificar o aprendizado e adaptar nossas práticas às demandas de uma nova geração.
Por: Josiane Tonelotto | 23/12/2024