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Vietnã avança com um plano ambicioso para transformar seu ensino superior em STEM; Brasil pode aprender com as estratégias vietnamitas
A engenharia e demais áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) são fundamentais para o desenvolvimento econômico e tecnológico de qualquer nação. No entanto, o Brasil enfrenta um preocupante déficit de 75 mil engenheiros, conforme estimativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acompanhado por uma queda de 23% no número de estudantes em cursos de engenharia nos últimos dez anos.
Este artigo foi inspirado na matéria de capa da revista Ensino Superior de março de 2025, em que o jornalista Raul Galhardi aborda o déficit de engenheiros no Brasil, apresentando suas causas, consequências e possíveis soluções. Em contraste com essa realidade brasileira, o Vietnã avança com um plano ambicioso para transformar seu ensino superior em STEM (Packer, 2025). Exploraremos os contrastes entre os dois países e identificaremos lições valiosas que o Brasil pode aprender com as estratégias vietnamitas.
Nos últimos dez anos, o Brasil registrou uma queda significativa de 23% no número de ingressantes em cursos de engenharia. Em 2014, eram 469,4 mil estudantes; em 2023, esse número caiu para 358,4 mil. Essa redução ocorre em um momento de crescente demanda por engenheiros em setores estratégicos como infraestrutura, tecnologia e energia. O déficit estimado de 75 mil engenheiros impacta diretamente a capacidade de inovação e crescimento econômico do país (Galhardi, 2025).
Entre os fatores que explicam essa crise estão a desindustrialização prolongada, as recorrentes crises econômicas e os efeitos da pandemia. Além disso, a baixa proficiência em matemática no ensino básico constitui um obstáculo significativo: apenas 27% dos estudantes brasileiros alcançam o nível básico em matemática no Pisa (2022), muito abaixo da média da OCDE (69%).
A falta de diversidade também é evidente nas engenharias brasileiras — apenas 20% dos estudantes de engenharia são mulheres, e a representatividade racial é ainda menor. Esta realidade não apenas reflete desigualdades históricas, mas também representa um desperdício de talentos que poderiam contribuir para o desenvolvimento tecnológico nacional.
Enquanto o Brasil lida com essas dificuldades, o Vietnã está implementando um plano nacional ambicioso para transformar seu ensino superior em STEM até 2030. Entre as principais estratégias vietnamitas destacam-se:
Essas iniciativas refletem um planejamento estratégico que combina expansão do acesso à educação com alinhamento às demandas do mercado global. O Vietnã também tem recebido apoio do Banco Mundial em suas reformas educacionais, visando melhorar a competitividade e a inovação no setor (Dang, 2009).
A tabela a seguir sintetiza as principais diferenças entre as abordagens do Vietnã e do Brasil no ensino superior em STEM, evidenciando os contrastes nos eixos de planejamento, infraestrutura e inclusão social.
Aspecto | Vietnã | Brasil | Lições para o Brasil |
Planejamento estratégico | Metas claras para STEM até 2030 com indicadores mensuráveis. | Ausência de metas nacionais específicas para engenharia ou STEM. | Estabelecer um plano decenal com objetivos claros para aumentar matrículas e formar engenheiros qualificados. |
Infraestrutura regional | Hubs educacionais integrados a polos econômicos regionais. | Concentração de cursos no Sudeste; falta de integração com demandas locais. | Criar hubs regionais inspirados no modelo vietnamita, como o novo campus do ITA no Ceará pode exemplificar. |
Inclusão social | Políticas voltadas a minorias étnicas e estudantes rurais; subsídios financeiros limitados. | Baixa diversidade racial e de gênero; ausência de políticas afirmativas robustas na engenharia. | Ampliar cotas raciais e incentivos financeiros específicos para mulheres e grupos sub-representados em engenharia. |
Parcerias internacionais | Incentivo à presença de universidades estrangeiras; currículos alinhados a padrões globais. | Colaboração internacional limitada; currículos desatualizados frente às demandas da indústria. | Estimular parcerias internacionais para modernizar currículos e atrair investimentos estrangeiros no setor. |
Foco em STEM | Priorização explícita com investimento público significativo em áreas tecnológicas emergentes. | STEM não é tratado como prioridade nacional; foco limitado às universidades públicas maiores. | Priorizar STEM como estratégia nacional, com incentivos fiscais e financiamento público direcionado |
O Vietnã tem uma visão estratégica clara para o ensino superior em STEM, com metas ambiciosas até 2030. Isso inclui a criação de hubs educacionais regionais que integram formação superior com demandas econômicas locais, promovendo desenvolvimento regional e inovação. Além disso, o país asiático incentiva ativamente parcerias internacionais para modernizar currículos e atrair investimentos estrangeiros.
No Brasil, a ausência de um plano nacional específico para STEM e a concentração de cursos no Sudeste são desafios significativos. A falta de inclusão social e a baixa diversidade em engenharia também representam obstáculos importantes. O Brasil pode aprender com o Vietnã ao estabelecer metas claras, criar hubs regionais e ampliar políticas afirmativas para aumentar a diversidade em STEM.
Algumas lições importantes que o Brasil pode tirar da experiência vietnamita seriam as seguintes:
Apesar dos desafios mencionados, o Brasil já desenvolve iniciativas promissoras que contribuem para a formação em STEM. A matéria da Ensino Superior traz algumas iniciativas interessantes. Complementarmente, apresentamos outros projetos que trabalham para eliminar os gargalos na formação em STEM no Brasil, com destaque para aqueles que abordam as intersecções com raça, gênero e classe social.
Abaixo seguem algumas outras que também contribuem para eliminar, ou ao menos diminuir, os gargalos que temos atualmente na formação em STEM no Brasil. Estas iniciativas não visam unicamente aumentar o número de estudantes nas áreas STEM; elas também atuam sobre as injustas interseções com raça, gênero e classe social.
O programa STEAM TechCamp Brasil (STEAM TechCamp2020), estabelecido através de uma colaboração entre a Universidade de São Paulo e a Embaixada dos Estados Unidos, visa incorporar abordagens inovadoras em STEAM na educação fundamental e média brasileira. Desde sua implementação, o programa alcançou um impacto significativo, beneficiando mais de 33.500 educadores e 140.000 estudantes em diversas regiões do país. Seu principal mérito tem sido a criação de redes colaborativas de professores dedicados à inovação educacional, conforme indicado pelos relatórios de 2020.
Paralelamente, o British Council, em conjunto com o Museu do Amanhã, desenvolveu o Girls in STEM Program, iniciativa que proporciona recursos financeiros e apoio técnico a projetos voltados para aumentar a participação feminina nas áreas de ciência e tecnologia. A edição inaugural do programa obteve resultados expressivos, alcançando mais de 7.600 meninas distribuídas em onze estados brasileiros, de acordo com os dados divulgados em 2021, demonstrando seu potencial para reduzir a desigualdade de gênero nessas áreas.
Em uma perspectiva de longo prazo, a Ardagh Group anunciou uma parceria decenal com o SESI focada no desenvolvimento da educação STEM no Brasil. Esta iniciativa ambiciosa visa despertar o interesse dos jovens por carreiras científicas e tecnológicas, além de desenvolver competências essenciais para os desafios do século XXI. As projeções indicam que aproximadamente 200.000 estudantes serão beneficiados ao longo dos dez anos de projeto, representando um investimento substancial no futuro da educação científica no país (Ardagh Group, 2023).
Finalmente, focando em inclusão e diversidade, a parceria entre a Innospec e a Unesco criou um projeto inovador para aumentar a representatividade indígena nas áreas STEM. Em colaboração com a Universidade Federal de Minas Gerais, esta iniciativa oferece formação em desenvolvimento sustentável e ciências, integrando de forma harmoniosa os conhecimentos tradicionais indígenas com métodos científicos contemporâneos. Este projeto representa um avanço importante na democratização do acesso às carreiras científicas e tecnológicas para populações historicamente marginalizadas no Brasil (Unesco, 2025).
O déficit de 75 mil engenheiros brasileiros contrasta fortemente com a trajetória ascendente vietnamita. O que aprendemos? Principalmente, que o planejamento estratégico importa. O Vietnã não apenas sonhou grande, mas estruturou metas claras, mensuráveis e temporalmente definidas. Descentralizou. Incluiu. Priorizou.
O Brasil não carece de talentos ou instituições de qualidade. Temos universidades respeitadas internacionalmente, centros de pesquisa de excelência e uma juventude ávida por oportunidades. Nossa deficiência reside na articulação — na ausência de uma política nacional que transforme iniciativas isoladas em um movimento coeso. As experiências brasileiras que destacamos neste artigo são inspiradoras. Do STEAM TechCamp Brasil ao Girls in STEM Program, passando pelas parcerias com a Unesco para inclusão de populações indígenas, já existem sementes de transformação. Mas ainda são apenas isso: sementes que precisam de solo fértil para florescer em escala nacional.
Enfrentar o desafio da formação em STEM exige uma orquestração complexa. Governos precisam estabelecer diretrizes e investir. Universidades devem modernizar currículos e metodologias. Empresas têm de participar ativamente, sinalizando demandas e oferecendo estágios significativos. Famílias e educadores necessitam valorizar o pensamento científico desde a infância.
A verdade é que o mercado não espera. Enquanto debatemos, inteligência artificial, biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis transformam indústrias e sociedades inteiras.
O Brasil está em uma encruzilhada. Podemos continuar com esforços fragmentados e ver o déficit de engenheiros crescer, ou podemos aprender com experiências internacionais como a do Vietnã e construir uma estratégia própria, adaptada às nossas realidades regionais e potencialidades únicas.
Por: Alexandre Gracioso | 10/04/2025