Revista Ensino Superior | Inovação no ensino: Todo esforço deve ser recompensado

Inovação

Colunista

Marina Feferbaum

Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP

Todo esforço deve ser recompensado

A cada inovação, a sala de aula se torna mais desafiadora, acumulando pendências não resolvidas das transformações anteriores

Inovação no ensino (foto: Shutterstock)

No próximo ano, o PageRank completará 30 anos, algoritmo que se tornaria a alma do buscador do Google pouco tempo depois de lançado. Alguns anos antes, entrava em cena o Netscape Navigator, principal navegador da época, que, dentre outros, introduziu os “cookies” e o JavaScript, estabelecendo os contornos da Web como a conhecemos hoje.

A maioria dos meus alunos sequer havia nascido quando isso tudo aconteceu e a maioria dos meus ex-alunos era nova demais para perceber o que estava acontecendo. Cada geração, uma revolução tecnológica e novos desafios de ensino. Em breve, os alunos (do futuro) não serão contemporâneos da revolução da IA, quando uma tal OpenAI lançou um tal ChatGPT. Quando isso acontecer, outra inovação virá desequilibrar o ensino-aprendizagem vigente. Para enfrentar esse cenário, devemos investir em cidadania digital e estreitar as relações aluno-professor-instituição.

A revolução da Web já é história. Ainda assim, quase duas gerações depois, não descobrimos uma fórmula mágica para lidar com o espaço digital. A cada inovação, a sala de aula se torna mais desafiadora, acumulando pendências não resolvidas das transformações anteriores (a exemplo da onipresença de dispositivos pessoais conectados à internet, os quais competem com o docente pela atenção do aluno).

Pode-se entender o desafio da inovação no ensino como um problema jurídico: há um sistema de normas (explícitas ou implícitas) que rege a sala de aula (como controle de presença e de participação, aplicação de tarefas, avaliações e grade de aula) que perde sua efetividade diante da inovação. Assim, o aluno, na posição de jogador, usa essas regras em seu benefício, com cálculos de custo-benefício de quando faltar, em qual disciplina e em qual momento estudar, e assim por diante.

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Quando surge uma inovação, mudam-se as condições de jogo, com rápida adaptação dos jogadores, mas sem alteração das regras. Rapidamente os jogadores descobrem as brechas normativas, explorando-as justificada (i.e. por necessidade) ou injustificadamente (i.e. por mera conveniência). A adequação do ensino às novas realidades, a criação de novas metodologias de ensino e de avaliação que resolvem as brechas e atualização de conteúdo são lentas demais comparativamente à velocidade com que o mundo se transforma.

Não é possível frear a inovação. É possível, no entanto, estabelecer um sistema de valores que orientem sua criação ou seu uso. No primeiro caso, referente à criação, que diz respeito aos sistemas jurídicos nacionais e supranacionais, sugiro ler Luciano Floridi, cujos trabalhos inspiram esta reflexão. No segundo caso, referente ao uso, que (também) diz respeito à sala de aula, todos os esforços passam pela formação de uma cidadania digital, sobre a qual já discorri em outras oportunidades, e que deve ser sempre reforçada.

 

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O desenvolvimento de uma cidadania digital é a construção da consciência de que os atos digitais afetam o indivíduo, o grupo e a sociedade, ou seja, o desenvolvimento da consciência acerca da responsabilidade – no sentido jurídico de responder pelos próprios atos – atribuível às condutas do indivíduo no contexto digital. Sem essa consciência, não é possível avaliá-las por uma perspectiva normativa (seja ela moral, ética ou jurídica), dificultando um julgamento de valor, inclusive para fins de aplicação de consequências normativas, caso existente. Por exemplo, avaliar mal a participação de um aluno que se distrai no celular durante uma aula expositiva.

A necessidade de formar cidadãos digitais também no ensino superior decorre da natureza transcendental das consequências na infosfera: como o espaço digital é intangível para os sentidos, existindo somente como informação, não percebemos a maciça vigilância existente (seja por parte das plataformas, seja por parte dos usuários), desconsiderando a escala dos seus efeitos. Logo, ainda que os tais nativos digitais interajam com a infosfera com naturalidade, as relações de causa e efeito não lhes são evidentes. Não há consequência imediatamente apreensível no mundo concreto que lhes sirva de lição. Por exemplo, o dedo não dói porque eu dei um clique no link errado. Daí que a simples experiência do indivíduo não basta para desenvolver um senso de responsabilidade, dependendo de um agente externo para fazê-lo.

Uma formação em cidadania digital, por si só, não é capaz de eliminar ou diminuir a distância entre a inovação e o ensino vigente. Como já afirmado, ela é apenas seu ponto de partida. A questão que resta, como de costume, é o que fazer em seguida, já que a inovação e seus efeitos são contingentes.

 

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Mesmo que não exista uma fórmula mágica para enfrentar os desafios que surgem, é possível reformular o problema. No fim, o que se busca com as transformações no ensino é potencializar a aprendizagem. Logo, podemos focar nossos esforços nesse objetivo, partindo de uma formação sólida em cidadania digital – apresentada como conteúdo transversal, possivelmente reforçado por atividades eletivas (como palestras), ou mesmo disciplinas dedicadas – e seguida por um projeto permanente de envolvimento da comunidade de discentes, docentes e colaboradores na formação pretendida pelo programa, buscando sempre o melhor resultado. Afinal, não basta estabelecer um sistema de freios morais sem oferecer alternativas, apoio e contramedidas às facilidades trazidas pela inovação.

Uma maneira útil de organizar uma política nesse sentido é considerar as relações entre os três principais atores do processo: o aluno, o professor e a instituição.

 

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Na relação aluno-instituição, que, em geral, costuma ser a mais fraca das três, é necessário um trabalho contínuo de apresentação das regras acadêmicas, a exemplo da realização de palestras periódicas obrigatórias, específicas para cada período do curso (ano, semestre etc.), com enfoque nas regras mais pertinentes para o momento. Também é útil que a instituição ofereça serviços e mecanismos de apoio ao aluno, como planejamento e acompanhamento acadêmico-profissional e apoio à saúde mental. Além de estreitar a relação entre os dois, as atividades de planejamento e acompanhamento são estratégicas para oferecer cursos concebidos para o lifelong learning (recém-abordado nesta coluna) e para a manutenção do aluno no programa, aumentando as chances de sua conclusão.

Na relação aluno-professor, a mais intensa das três, o uso de metodologias ativas de ensino é fundamental para uma interação mais produtiva entre esses atores. Ao dar voz ao aluno, cria-se um canal natural de comunicação, que também possibilita exercitar a reflexão e a oralidade com menos apoio das facilidades tecnológicas, particularmente da IA generativa.

 

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Na relação professor-instituição, o diferencial está no apoio da instituição ao docente. Muito do sucesso e do fracasso de uma disciplina recaem sobre o docente, que enfrenta de maneira solitária os desafios da sala de aula: definir a abordagem do conteúdo, selecionar metodologias, eleger avaliações, aplicar o curso, corrigir trabalhos e presidir o momento do ensino. 

Para exigir resultados, a instituição deve contribuir com apoio, como formação docente, carga horária adequada dedicada ao planejamento etc. Também ouvir o docente, promover debates para trocas de experiência, apresentação de casos de sucesso etc. É necessário, ainda, reconhecer e premiar os resultados positivos, de modo a mostrar que o esforço será recompensado.

Nada disso é novidade. O objetivo, aqui, é fazer uma síntese das tendências como uma unidade: a de como todas essas ideias se relacionam em um projeto de enfrentamento das mudanças no ensino superior.

 

Por: Marina Feferbaum | 07/05/2025


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