Revista Ensino Superior | EAD, entre a promessa da qualidade e o risco do preconceito

Educação

Colunista

Thuinie Daros

Diretora de qualidade e inovação acadêmica na Vitru Educação

EAD, entre a promessa da qualidade e o risco do preconceito

Novo marco regulatório estabelece novas exigências e tensiona o setor

EAD Que os cursos comprometidos se destaquem (foto: Shutterstock)

Não há respostas simples.

Há contextos. Expectativas. Condicionantes.

Há negócios, demandas, possibilidades.

E há — ou deveria haver — propósito.

Essas são as palavras que ecoam diante da promulgação do novo marco regulatório da educação a distância no Brasil. Publicado recentemente pelo governo federal, em conjunto com o Referencial de Qualidade para a Educação Superior a Distância, o decreto redesenha as bases da oferta educacional no país. Em nome da qualidade, estabelece novas exigências e tensiona o setor.

Nos documentos oficiais, há o reconhecimento da legitimidade do ensino a distância (EAD) e de seu potencial de expansão. No entanto, a mensagem implícita é contundente: é hora de separar o joio do trigo — ao menos no papel, e com peso normativo.

 

Oportunidade e alerta

O novo marco se apresenta como uma tentativa de correção de rota. Traz, sim, oportunidades para elevar o padrão da educação superior, especialmente na nova modalidade: o semipresencial – e os cursos a distância. Contudo, acende também um alerta importante: a possibilidade de recrudescimento do preconceito estrutural contra o EAD.

A promessa? Qualidade.

A realidade? Regulação com impacto direto nas dinâmicas institucionais, acadêmicas e sociais — ao menos por ora.

O EAD é — e sempre foi — uma modalidade sob vigilância. Mas o atual cenário impõe critérios mais rigorosos, sobretudo nos cursos das áreas da saúde, engenharias e licenciaturas. O “semipresencial” emerge como uma solução conciliadora. Não se trata do fim do EAD — mas talvez do fim de uma era permissiva, marcada por assimetrias e desigualdades qualitativas.

O discurso oficial repete: Não é contra o EAD, é a favor da qualidade.

Mas é aqui que o debate ganha densidade.

 

Veja: Documento compilado pelo Semesp detalha mudanças do novo decreto sobre EAD

 

Entre a qualidade e o estigma

Há, no Brasil, instituições que tratam o EAD com seriedade: promovem inovação metodológica, investem em tecnologia, valorizam o corpo docente e garantem acessibilidade. Cursos de qualidade são ofertados em consonância com as demandas do século 21 — conectados à prática, à interdisciplinaridade e à flexibilidade que o mundo contemporâneo exige, com laboratórios virtuais e físicos, polos com estrutura robusta, material didático autoral, AVAs proprietários, entre outros recursos.

Entretanto, também existem iniciativas que fragilizam a modalidade, oferecendo formações com menor densidade pedagógica e foco limitado no desenvolvimento acadêmico pleno. É sobre essas distorções que o novo marco pretende agir — com legitimidade. O risco, contudo, é a generalização indevida.

Quando o Estado endurece, o mercado se adapta. E quem observa de fora, sem entender os bastidores, tende a enxergar apenas a superfície — reproduzindo estigmas históricos contra o EAD.

 

Invisibilidades e impactos reais

O que as normativas não explicitam são as vidas concretas que sustentam a estatística das matrículas:

A mãe solo que concilia o trabalho com os estudos noturnos via celular.

O jovem da periferia que encontrou no EAD a única chance de cursar engenharia.

A enfermeira que, após 12 horas de plantão, acessa sua pós-graduação digital.

Para milhões de brasileiros, o ensino a distância não é conveniência: é sobrevivência — a única possibilidade de acesso.

 

A travessia política e social

O marco regulatório nasce da convergência entre crises educacionais, demandas de mercado e pressões da sociedade civil organizada. Não é fruto de um ato isolado, mas de um processo de escuta pública, tensionamento político e revisão de modelos educacionais.

A leitura que proponho é de vigilância crítica:

Cuidado para não “jogar a criança fora com a água do banho”; para que o EAD não continue sendo tratado como educação de segunda classe; e para que o discurso da qualidade não sirva de escudo para elitismo institucional.

 

Uma nova possibilidade

Se o novo marco de fato elevar o patamar da oferta educacional, que assim seja.

Que as boas instituições brilhem, cursos comprometidos se destaquem e que o semipresencial não seja um artifício regulatório, mas um projeto pedagógico sólido, que avance na qualidade da educação superior brasileira.

E, sobretudo, que o EAD conquiste— de forma definitiva — seu lugar não como alternativa “menor”, mas como modalidade legítima da educação contemporânea, alinhado às exigências do mundo do trabalho, que demanda flexibilidade, inovação, tecnologia e integração com o mercado, por meio de uma formação de qualidade.

 

Leia também: EAD, atualização necessária

 

Por: Thuinie Daros | 22/05/2025


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