Novo marco regulatório estabelece novas exigências e tensiona o setor
Não há respostas simples.
Há contextos. Expectativas. Condicionantes.
Há negócios, demandas, possibilidades.
E há — ou deveria haver — propósito.
Essas são as palavras que ecoam diante da promulgação do novo marco regulatório da educação a distância no Brasil. Publicado recentemente pelo governo federal, em conjunto com o Referencial de Qualidade para a Educação Superior a Distância, o decreto redesenha as bases da oferta educacional no país. Em nome da qualidade, estabelece novas exigências e tensiona o setor.
Nos documentos oficiais, há o reconhecimento da legitimidade do ensino a distância (EAD) e de seu potencial de expansão. No entanto, a mensagem implícita é contundente: é hora de separar o joio do trigo — ao menos no papel, e com peso normativo.
O novo marco se apresenta como uma tentativa de correção de rota. Traz, sim, oportunidades para elevar o padrão da educação superior, especialmente na nova modalidade: o semipresencial – e os cursos a distância. Contudo, acende também um alerta importante: a possibilidade de recrudescimento do preconceito estrutural contra o EAD.
A promessa? Qualidade.
A realidade? Regulação com impacto direto nas dinâmicas institucionais, acadêmicas e sociais — ao menos por ora.
O EAD é — e sempre foi — uma modalidade sob vigilância. Mas o atual cenário impõe critérios mais rigorosos, sobretudo nos cursos das áreas da saúde, engenharias e licenciaturas. O “semipresencial” emerge como uma solução conciliadora. Não se trata do fim do EAD — mas talvez do fim de uma era permissiva, marcada por assimetrias e desigualdades qualitativas.
O discurso oficial repete: Não é contra o EAD, é a favor da qualidade.
Mas é aqui que o debate ganha densidade.
Há, no Brasil, instituições que tratam o EAD com seriedade: promovem inovação metodológica, investem em tecnologia, valorizam o corpo docente e garantem acessibilidade. Cursos de qualidade são ofertados em consonância com as demandas do século 21 — conectados à prática, à interdisciplinaridade e à flexibilidade que o mundo contemporâneo exige, com laboratórios virtuais e físicos, polos com estrutura robusta, material didático autoral, AVAs proprietários, entre outros recursos.
Entretanto, também existem iniciativas que fragilizam a modalidade, oferecendo formações com menor densidade pedagógica e foco limitado no desenvolvimento acadêmico pleno. É sobre essas distorções que o novo marco pretende agir — com legitimidade. O risco, contudo, é a generalização indevida.
Quando o Estado endurece, o mercado se adapta. E quem observa de fora, sem entender os bastidores, tende a enxergar apenas a superfície — reproduzindo estigmas históricos contra o EAD.
O que as normativas não explicitam são as vidas concretas que sustentam a estatística das matrículas:
A mãe solo que concilia o trabalho com os estudos noturnos via celular.
O jovem da periferia que encontrou no EAD a única chance de cursar engenharia.
A enfermeira que, após 12 horas de plantão, acessa sua pós-graduação digital.
Para milhões de brasileiros, o ensino a distância não é conveniência: é sobrevivência — a única possibilidade de acesso.
O marco regulatório nasce da convergência entre crises educacionais, demandas de mercado e pressões da sociedade civil organizada. Não é fruto de um ato isolado, mas de um processo de escuta pública, tensionamento político e revisão de modelos educacionais.
A leitura que proponho é de vigilância crítica:
Cuidado para não “jogar a criança fora com a água do banho”; para que o EAD não continue sendo tratado como educação de segunda classe; e para que o discurso da qualidade não sirva de escudo para elitismo institucional.
Se o novo marco de fato elevar o patamar da oferta educacional, que assim seja.
Que as boas instituições brilhem, cursos comprometidos se destaquem e que o semipresencial não seja um artifício regulatório, mas um projeto pedagógico sólido, que avance na qualidade da educação superior brasileira.
E, sobretudo, que o EAD conquiste— de forma definitiva — seu lugar não como alternativa “menor”, mas como modalidade legítima da educação contemporânea, alinhado às exigências do mundo do trabalho, que demanda flexibilidade, inovação, tecnologia e integração com o mercado, por meio de uma formação de qualidade.
Por: Thuinie Daros | 22/05/2025