Num mundo em que os jovens parecem cada vez mais propensos à infelicidade, as IES precisam ser uma voz de alento
Entre tantas atribuições do dia a dia, também participo de um grupo de revisores dos conteúdos curriculares ministrados nos cursos de graduação do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Diante de uma grande variedade de temas, deparei-me com um conteúdo sobre felicidade. Esse foi o gatilho para abordá-lo, não apenas no contexto da revisão temática, mas também como uma atualização, dada sua importância para a saúde mental.
O último Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report 2024), publicação anual liderada pela Universidade de Oxford e pelo Instituto Gallup, resultou de uma pesquisa com mais de 100 mil pessoas, oriundas de 140 países. Os dados, coletados entre 2021 e 2023, apontam para uma estabilidade na média global de felicidade. No entanto, no que diz respeito à desigualdade emocional — ou seja, a variação interna das experiências de bem-estar — observou-se um aumento significativo em quase todas as regiões do mundo, com exceção da Europa.
Os dados também mostraram que, ao contrário do que se imaginava, os jovens são menos felizes quando comparados a outras faixas etárias. Em alguns países, inclusive, são menos felizes do que os idosos, que, por sua vez, demonstram maior resiliência e níveis mais elevados de bem-estar. Após a pandemia de covid-19, houve um aumento da benevolência entre os mais jovens, que demonstraram maior propensão a atos altruístas em relação às gerações anteriores.
Após essa extensa publicação de 2024, surgiu um novo documento recém-publicado: trata-se do Estudo sobre o Florescimento Global (The Global Flourishing Study: Study Profile and Initial Results on Flourishing), importante publicação da revista Nature Mental Health, de abril de 2025. Pesquisa robusta e inédita em escopo e profundidade, ela visa compreender o florescimento humano — conceito que vem sendo utilizado em substituição ao de felicidade — em escala global. É fruto de uma parceria entre a Harvard University, a Baylor University, o Instituto Gallup e o Center for Open Science.
O estudo foi realizado em 22 países, com mais de 200 mil participantes, cobrindo todos os continentes habitados. Seu objetivo principal foi investigar os determinantes e a distribuição do florescimento humano, com ênfase tanto em padrões universais quanto em variações culturais. Cerca de 53% dos participantes tinham entre 30 e 59 anos, metade eram mulheres, pouco mais da metade estavam casados, um terço frequentava cultos religiosos semanalmente, quase 60% possuíam entre 9 e 15 anos de escolaridade, e mais de 13 mil eram brasileiros.
Entre os dados que mais chamaram a atenção está o fato de que jovens adultos, com idades entre 18 e 24 anos, apresentaram os menores escores médios de florescimento em comparação às demais faixas etárias. Demonstram menor senso de propósito, altos níveis de ansiedade e sentimentos de exclusão, menor satisfação com os relacionamentos sociais, baixa participação em atividades comunitárias e religiosas, e menor nível de esperança em relação ao futuro.
Nesta pesquisa, diferentemente da anterior, os comportamentos pró-sociais aumentam com a idade, não estando ligados diretamente à pandemia ou a outros eventos globais. Os dados brasileiros, em particular, revelam que os jovens reportam altos níveis de otimismo, esperança e ajuda ao próximo. No entanto, também registram níveis elevados de ansiedade, dor física e preocupação financeira.
A substituição do termo happiness (felicidade) por flourishing (florescimento) é uma tendência atual, motivada principalmente pelo fato de que felicidade tem sido percebida como algo instável, episódico e emocionalmente frágil. Nesse sentido, o conceito de flourishing oferece uma alternativa mais integradora e resiliente, ao incorporar dimensões como saúde, relações, contexto e caráter.
Abordei até aqui duas pesquisas com números impressionantes de participantes, representatividade global e vários pontos em comum. Ambas alertam que a felicidade dos jovens está comprometida, não por um único fator, mas por uma combinação de elementos. Acho espantoso (ainda) como é possível que os jovens, mesmo vivendo em sociedades com níveis inéditos de informação, tecnologia e liberdade individual, apresentem índices crescentes de infelicidade, ansiedade e desconexão existencial.
Muitas vezes confundimos conectividade digital com engajamento social. Confundimos também conversa com escuta. As relações rápidas substituem o tempo da intimidade. O tempo do “scroll” substitui o tempo do vínculo, e o pertencimento torna-se escasso.
A felicidade dos jovens está sendo comprometida por fatores que não se restringem à esfera psíquica ou emocional. As instituições de ensino superior precisam reconhecer que hoje formam pessoas num ambiente de profunda instabilidade emocional, simbólica e social. E um questionamento torna-se fundamental: qual o significado de educar para a vida, e não apenas para o mundo do trabalho? Que missão é essa que temos em mãos hoje? Certamente não é a mesma de poucos anos atrás. Como é possível (se é que é) reencantar os estudantes para uma vida com mais sentido e propósito? É nosso papel? Se não é nosso, de quem seria afinal?
Não há mais espaço para instituições que apenas prestam serviços educacionais. Educação, mais do que nunca, é muito mais do que isso. Ao abordar felicidade — ou florescimento, como queiramos — é preciso entender que ela também está nas escolas, em nossa missão institucional. Afinal, estamos falando de um sinal vital do que somos como sociedade e do que desejamos construir enquanto humanidade. Pessoas que buscam bem-estar, ao mesmo tempo em que transformam o mundo. E não queremos um mundo mais sombrio. Definitivamente, não nascemos para isso.
A felicidade não é um luxo contemporâneo. Deve, sim, constituir-se em prática cotidiana. E, num mundo em que os jovens parecem cada vez mais propensos à infelicidade, precisamos ser uma voz de alento. Não precisamos — e nem devemos — transformar as instituições em espaços terapêuticos. No entanto, é fundamental que tornemos a vida universitária mais humana, um espaço no qual conhecimento e cuidado caminhem lado a lado.
Precisamos estudar, considerar dados relevantes como os apresentados nos relatórios citados. Precisamos saber por onde caminham os estudantes. Hoje, as competências socioemocionais são tão importantes quanto as profissionais, cognitivas ou digitais. Queremos e precisamos de pessoas inteiras: capazes de se sentirem bem consigo mesmas e com os outros; fortes e sensíveis; altamente capacitadas para o trabalho.
Os jovens estão nos pedindo mais sentido. Mais escuta. Temos que ler os sinais para contribuir com vidas que valham a pena serem vividas. Missão difícil? Muito. Mas ela é nossa — e não podemos delegá-la. Sejamos felizes. E, se não for possível, que ao menos aprendamos a tentar todos os dias.
Por: Josiane Tonelotto | 27/05/2025