Revista Ensino Superior | Alegria e vigor na aprendizagem

Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Alegria e vigor na aprendizagem

A alegria tem diversos efeitos positivos sobre o cérebro, como ampliar a capacidade cognitiva e a curiosidade natural do estudante

Alegria e aprendizagem "Priorizar a temática da saúde mental é uma necessidade real, concreta. É aí que entra a alegria" (foto: Shutterstock)

O livro Joy-centered pedagogy in higher education: Uplifting teaching and learning for all, editado pela educadora Eileen Camfield acaba de ser publicado e traz uma reflexão preciosa para professores e gestores do ensino superior: a importância da alegria para a aprendizagem.

À primeira vista, pode parecer um pouco estranho utilizar deliberadamente a alegria como recurso pedagógico e de aprendizagem, mas a autora e seus colaboradores demonstram, convincentemente, que a alegria tem diversos efeitos positivos sobre o cérebro, ativando neurotransmissores benéficos à aprendizagem, como serotonina e dopamina, ampliando a capacidade cognitiva e a curiosidade natural do estudante, melhorando a atenção e a memória e reduzindo o bloqueio cognitivo causado pelo medo. É uma lista e tanto de benefícios comprovados pela neurociência. Eu falava sobre isso com o corpo docente no início da década de 2000, muito baseado em minha própria experiência docente. Infelizmente, naquela época, eu não tinha a comprovação neurocientífica para embasar meus argumentos, o que talvez tivesse aumentado meu poder de convencimento.

 

Você consegue imaginar um curso que declare como objetivo de aprendizagem: ao final desta disciplina, você terá expandido a sua capacidade de usar alegria para fortalecer a sua aprendizagem?
— Eileen Kogl Camfield (2025, p.1)

 

O que é alegria?

Alegria pode ser definida e entendida de várias formas, desde mais etéreas até mais concretas. Por exemplo, Brené Brown (2021) define alegria como um “sentimento intenso de profunda conexão espiritual, prazer e apreciação” (p.227). Essa definição é linda, mas não deixa evidente a contribuição da alegria para a aprendizagem. Para nós, entre as várias facetas que a alegria pode assumir, interessa a que está mais diretamente ligada aos processos cognitivos e à motivação.

Foi justamente essa conexão entre alegria e cognição que Ullah e Khan (2024) estudaram e a conclusão a que chegaram é que alegria aumenta a capacidade cognitiva e de resolução de problemas, além de promover o engajamento e a formação de memória de longo prazo. Interessante que eles demonstraram que emoções positivas tornam a aprendizagem mais prazerosa ao mesmo tempo em que aumentam a capacidade de raciocínio crítico dos estudantes.

Esse alerta eu ouvi mais de uma vez, que ambientes alegres não propiciariam aprendizagem reflexiva – em outras palavras, não fortaleceriam o pensamento crítico. Portanto, é com grande satisfação que vejo estudos que comprovam que alegria e engajamento andam de mãos dadas com o pensamento crítico.

Essa constatação não é evidente e está longe de ser aceita com facilidade. Como gestor, responsável pela orientação acadêmica da faculdade, tive embates tanto com professores e coordenadores de curso quanto com a governança, que receavam que um ambiente alegre e motivador poderia perder o rigor necessário ao ensino superior. Mas será que é isso mesmo?

 

Rigor, coerência e vigor

Deixe-me propor uma questão: o que é mais importante, elaborar uma avaliação difícil ou uma avaliação que comprove a aprendizagem real do estudante? Essa é uma questão que está na base do que se entende por rigor.

Mais de uma vez eu tive que lembrar a colegas que “nosso negócio não era fazer provas difíceis, mas promover a aprendizagem”. Verdade seja dita, nem sempre fui compreendido e algumas vezes as minhas palavras eram tomadas como um pedido para facilitar a vida para os estudantes. Nada mais longe da verdade. Mas, se rigor não é ser inflexível e fazer provas difíceis, o que é rigor?

A visão de que rigor se traduz em dificuldade, inflexibilidade e até um certo sentimento de temor não só é ultrapassada como é distorcida, em minha visão. Rigor está muito mais ligado à ideia de coerência do que de dificuldade gratuita.

Mas, como assim, coerência? Rigor, em uma perspectiva mais contemporânea e inclusiva, pode ser visto como o processo de estabelecer expectativas claras e diretas para cada tarefa e avaliar o desempenho do estudante com base em rubricas que sejam coerentes com o que está sendo exigido. Isso é rigor. Não tem nada a ver com exames fáceis ou difíceis, tem a ver com exames coerentes.

 

Leia: Educação emocional, tarefa que se deve cumprir divertidamente

 

Por outro lado, é certo que uma luta produtiva, que Hammond (2014) chamava de productive struggle, é necessária à aprendizagem. É essa batalha, são esses desafios, que fortalecem o aparato de aprendizagem (como em uma academia) do estudante. Então, é claro que o docente pode elaborar um exame muito difícil, mas isso não significa que ele esteja sendo rigoroso.

O termo rigor só será aplicável a esse exame se o nível das questões estiver coerente com (1) os objetivos de aprendizagem da disciplina, (2) as expectativas para o exame e (3) o trabalho que foi desenvolvido em sala antes do exame. Então, e somente então, o docente estará sendo rigoroso. De outra forma, ele estará sendo arbitrário. Ou seja, ser rigoroso dá muito trabalho ao docente e talvez esse seja um dos fatores pelos quais um rigor genuíno é raro de ser encontrado. É muito mais fácil ou facilitar ou ser arbitrário.

Foi por esses motivos que o termo vigor, utilizado por Camfield despertou meu interesse. Para Camfield, o vigor intelectual está muito associado ao uso da alegria como recurso de aprendizagem. Diz a autora:

 

Como alternativa, convidamos você a escolher o vigor (práticas afirmativas e edificantes) em vez do rigor (repetições rígidas, inflexíveis e acríticas de práticas passadas). E queremos deixar claro que reconhecemos que a pedagogia centrada na alegria exige esforço adicional, especialmente quando é muito mais fácil seguir acriticamente as normas institucionais.
— Eileen Kogl Camfield (2025, p.xv)

 

Para Camfield, o uso de práticas edificantes e alegres aumenta a chance de o estudante ter ao seu dispor um estoque de alegria e emoções positivas que irá sustentá-lo durante a batalha produtiva que Hammond defende como essencial para a aprendizagem.

 

Alegria e saúde mental

A temática da saúde mental vem ganhando muito destaque ultimamente e, no ensino superior, não poderia ser diferente. Não precisamos ir longe para observar esse fenômeno; aqui mesmo na Revista Ensino Superior, vários artigos recentes destacam a importância dessa questão para as IES (ver, por exemplo, Tonelotto (2025), Moreira (2024) e Tonelotto (2024)). Esses três artigos abordam a crescente preocupação com a saúde mental dos universitários no Brasil e alertam os gestores para o fato de que a própria permanência dos estudantes no ensino superior pode estar sendo ameaçada por questões que remetem à saúde mental.

E professores e colaboradores em geral também estão sendo negativamente afetados por problemas como estresse constante e síndrome de burnout. Portanto, priorizar a temática da saúde mental é uma necessidade real, concreta. É aí que entra a alegria.

O problema da saúde mental dos estudantes universitários é conhecido internacionalmente. Fala-se mesmo em uma epidemia de problemas de saúde mental, agravada pela pandemia, mas que continua por aí.

Tanto Camfield quanto Ullah e Khan mencionam, por exemplo, que a alegria pode servir como um antídoto contra o desgaste emocional e mental, por meio da redução dos níveis de cortisol.

Outra forma que a alegria contribui para a saúde mental é por meio da liberação de neurotransmissores ligados ao bem estar como dopamina e serotonina. Além disso, a resiliência, a capacidade de se recuperar após eventos estressantes, também é fortalecida.

 

Por onde começar?

O livro traz diversas sugestões de estratégias de aprendizagem que podem ser adotadas para promover um sentimento de alegria no ensino superior. Vou mencionar três delas, sendo que uma fala diretamente à minha prática meditativa:

1. Utilizar o silêncio em sala de aula: está demonstrado que o silêncio deliberado, como instrumento de contemplação e relaxamento, promove bem estar e alegria. Esta é uma sugestão muito fácil de ser implementada, bastando convidar a turma para uma contemplação coletiva em silêncio, por cinco ou dez minutos, no início de cada aula. Em minha experiência com a disciplina de Liderança Contemplativa, este momento chegava era quase de cura para os estudantes;

 

Leia: Felicidade do estudante pode resultar em alta performance no aprendizado

 

2. Envolver o corpo na aprendizagem: outra constatação da neurociência é que aprendemos melhor quando todo o corpo participa da atividade, não somente o cérebro. Pense como desenvolver atividades que promovam o uso do corpo em sua disciplina. Na minha era relativamente fácil, por meio de meditações, atividades como caminhada em silêncio. Dependendo da sua disciplina, a solução terá que ser outra, mas o esforço criativo será recompensado por uma aprendizagem de melhor qualidade;

3. Avaliações em dois estágios: esta sugestão exige um certo esforço e planejamento por parte do professor. O exame em dois estágios começa com a resolução da prova individualmente e, logo em seguida, em uma segunda parte da aula, a resolução da mesma prova em grupo. Para ter um resultado final, o professor utiliza a média das duas avalições. Os estudos mostram que esta estratégia reduz a pressão individual e potencializa a aprendizagem por pares, sendo muito eficiente. Para o professor, a experiência que o custo em tempo adicional de correção não é tão elevado, mas que o planejamento desse exame deve ser cuidadoso, até mesmo em função do tempo disponível para toda a atividade. Se horário da sua disciplina permitir, pode valer a pena experimentar.

 

Conclusão

A alegria não é concessão pedagógica. Camfield provoca uma profunda reflexão sobre o papel da alegria no contexto do ensino superior e propõe uma mudança de paradigma importante: unir rigor acadêmico à vitalidade e ao bem-estar. Ao demonstrar, com base em evidências neurocientíficas e experiências docentes, como emoções positivas impactam diretamente tanto a aprendizagem quanto a saúde mental de estudantes e professores, a obra editada por ela fortalece o argumento de que a alegria deve ser reconhecida como um componente essencial do ambiente educacional.

A distinção entre rigor e vigor é especialmente poderosa. Em vez de associar rigor apenas à dificuldade e inflexibilidade, Camfield e colaboradores defendem uma educação vigorosa, fundamentada em coerência, relevância e práticas edificantes. Essa perspectiva não renuncia ao desafio intelectual — pelo contrário, valoriza a “luta produtiva” como elemento essencial ao desenvolvimento cognitivo — mas entende que a aprendizagem se aprofunda quando está sustentada por emoções positivas, engajamento e sentido de pertencimento.

Além disso, a valorização da alegria como recurso pedagógico se mostra ainda mais relevante diante do aumento das demandas relacionadas à saúde mental no ensino superior. Ao reconhecer que emoções positivas atuam como fatores protetores, reduzindo o estresse e fortalecendo a resiliência, Camfield aponta caminhos para construir espaços educacionais mais saudáveis e acolhedores, que favorecem não apenas o desempenho acadêmico, mas também o florescimento pessoal.

Por fim, cabe ressaltar que promover a alegria na aprendizagem passa por escolhas intencionais e práticas: criar momentos de silêncio, envolver o corpo nas atividades e experimentar metodologias como exames em dois estágios são exemplos de estratégias acessíveis e eficazes. Ao experimentar novas abordagens e desafiar antigas crenças sobre rigor, docentes e gestores têm a oportunidade de transformar o ensino superior em um ambiente mais humano, produtivo e, sobretudo, alegre — para todos.


Referências

Por: Alexandre Gracioso | 12/08/2025


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