NOTÍCIA
A embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa conta sobre a formação e aperfeiçoamento de diplomatas no Instituto Rio Branco, a prestigiosa instituição que em 2025 comemora oitenta anos de existência
Publicado em 26/09/2025
Embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa, “a essência de ser diplomata é não ter área fixa de atuação” (foto: divulgação)
Criado em 18 de abril de 1945, o Instituto Rio Branco comemora seus oitenta anos de existência. Instância do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, a prestigiosa instituição é a única do país a oferecer cursos de formação e aperfeiçoamento para a carreira diplomática. Aberto a qualquer pessoa que tenha curso superior completo, em qualquer área, o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) é considerado o mais difícil do país. Este ano, oferece 50 vagas. A cada edição, a média é de 12 mil inscritos.
“A essência de ser diplomata é não ter área fixa de atuação”, revela a atual diretora-geral do Instituto Rio Branco, a embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa. Com quase cinquenta anos de carreira, foi a primeira embaixadora presencial do Brasil no exterior, quando assumiu o posto no Sultanato de Omã. Algo inusitado para a época. Casada, foi o marido quem deixou para trás a carreira no Brasil. Esteve em Montreal, como embaixadora, representante permanente da OACI – Organização de Aviação Civil Internacional – e, recentemente, voltou de Mendoza, Argentina, onde foi cônsul-geral. Viveu em dez países. Brasileira nascida no Canadá, é filha de diplomata.
“Queria ser cientista, estudei biologia e física nuclear. Mas meu pai estava na embaixada da Arábia Saudita, nos anos 70, e fui lá de passagem, nas férias. Gostei muito do ambiente da embaixada. Pensei: ora, por que não? Mas ouvia as histórias horripilantes que meu pai contava [sobre o exame para entrada no Rio Branco]. Queriam saber, por exemplo, de que lado o bico do pelicano estava virado na primeira edição de Os Lusíadas. Era esse tipo de pergunta que faziam. Na minha época, não tinha mais isso, senão jamais teria passado. Agora voltou a ter, mas não tão difícil.”
Mitzi é uma das 47 atuais embaixadoras brasileiras. O número corresponde a 20% do total de embaixadores. No corpo diplomático em geral, são 1.235 (77%) homens e 374 mulheres (23%), de acordo com a edição deste ano do boletim estatístico do Ministério das Relações Exteriores acerca da participação das mulheres no serviço exterior brasileiro. “Durante muitos anos era proibida a entrada de mulheres na carreira. Isso deixou um hiato muito grande. A chefia da casa está tentando promover mais mulheres em todas as classes para que haja mais representatividade.”
Começa com o cargo de terceiro secretário, depois passa para segundo e primeiro secretários, conselheiro, ministro de segunda classe e ministro de primeira classe ou embaixador. Há uma série de rankings, vai subindo. Dependendo do cargo, você vai ser primeira-secretária de uma embaixada ou cônsul-adjunto em um consulado.
Quem elabora é o Cebraspe [Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos]. O teste de pré-seleção tem duzentas e poucas perguntas, bem complicadas. Os trezentos primeiros colocados são convocados para o restante das provas. Neste ano, pela segunda vez, usamos mecanismos para aumentar o número de mulheres na carreira. Além dos trezentos primeiros colocados – independentemente de ser homem ou mulher, é por nota –, chamamos adicionalmente mais setenta mulheres, entre as de ampla concorrência, pretos, pardos e PCD.
Daí são quatro meses de provas – português, inglês, francês ou espanhol, geografia, relações internacionais, história do Brasil, história geral, economia e direito; são quatro provas por fim de semana. Todos que conquistam as cinquenta primeiras vagas tomam posse no Itamaraty e são automaticamente inscritos no Curso de Formação de Diplomatas (CFD).
O CFD já durou dois anos, hoje é menos. Isso porque temos muitos eventos internacionais e o pessoal é chamado. Quando saem daqui – ficam nove, dez meses – eles têm de fazer estágios em instituições e departamentos do Itamaraty, antes de serem formalmente lotados.
Línguas, sendo português, inglês e francês e/ou espanhol obrigatórias. E mais três que são opcionais; é preciso fazer uma delas — árabe, chinês e russo. São os cinco idiomas da ONU. Vários módulos são os diplomatas que estão na sede, e trabalham nas respectivas áreas geográficas, que ministram. Por exemplo, quem está na divisão da África ministra uma ou duas aulas. Temos cursos de cerimonial, protocolo, como colocar a mesa, a lista de precedência, uma série de providências.
Há outros módulos, como linguagem diplomática, gestão pública, análise de política externa, direito internacional público, diversidade e inclusão, economia política, integração regional, como negociar internacionalmente. É todo um arcabouço que vai moldar os jovens diplomatas.
São conhecimentos no sentido de ajudá-los a se encaixarem no mundo de hoje. Cada país tem suas legislações, suas maneiras de ser. Por exemplo, se você está num país árabe e tem alguém rezando, não deve passar na frente dele. No Irã, não se toca numa mulher de jeito nenhum. As mulheres não podem estender a mão a um homem no Irã e em vários outros lugares. As pessoas, em cada posto, avisam, informam. Na medida em que o diplomata vai viajando, vai aprendendo.
Sim, quando eu estudei no Rio Branco, não participávamos de nada. Hoje é diferente. Por exemplo, em todos os eventos do ano passado e deste ano – BRICS, G20, COP30, Presidência do Mercosul – os alunos do Instituto Rio Branco participaram como dip ligs, os diplomatas de ligação. São estudantes ou mesmo diplomatas mais graduados que acompanham o ministro ou autoridade de cada país, como guias. Participam da logística, do cerimonial, fazem toda mise en scène para que as reuniões internacionais fluam sem problemas.
Os diplomatas trabalham no Itamaraty por dois, três anos. Depois, vão para o exterior – embaixada, consulado ou delegação. Em seguida, podem ir para o segundo posto e ficam mais três anos. Às vezes, ainda ficam mais dois anos num posto mais difícil, se não, voltam para cá. Geralmente, é mais fácil subir na carreira quando se está no Itamaraty, em Brasília. Se é promovido hoje, só dali a quatro anos pode ascender mais uma vez, e daí por diante. Não é tão rápido, tem esse tempo mínimo.
Para passar de segundo para primeiro secretário, temos um curso de aperfeiçoamento de diplomatas, o CAD, hoje em dia feito online. São palestras das diferentes áreas do Itamaraty, há provas, e os aprovados são promovidos a primeiro secretário. De primeiro secretário vão a conselheiro, após uma série de requisitos, como mais um tempo no exterior.
Para ser promovido a ministro e depois embaixador, o conselheiro precisa passar pelo Curso de Altos Estudos (CAE). É uma espécie de mestrado, em que se faz um estudo sobre um tema livre, geralmente algo relacionado ao que a pessoa já trabalhou em anos anteriores, e o expõe em cerca de 160 páginas.
Há um módulo para familiares de diplomatas e um módulo da saúde mental. Temos palestras de saúde mental, tanto no CFD quanto no CAD. Classificamos os países do mundo de acordo com as dificuldades, o padrão de vida. Para os postos em países nos quais o padrão de vida é mais difícil, a adaptação mais complicada, hoje em dia, é exigido que o diplomata passe por um acompanhamento psicológico antes de ir para esses países, justamente para antecipar essas dificuldades.
Sim, mas não especificamente no Rio Branco. É uma unidade do Itamaraty que oferece. Sempre tivemos o Serviço de Atendimento Psicológico, mas a estrutura atual, com um leque de opções, é de cerca de três anos. Há a vivência de situações muito difíceis, como isolamento, guerras, adaptação, além de divórcio, casamento, filhos, que afetam mais porque não há a rede de suporte. Você está na China ou Indonésia e os parentes estão longe. E isso afeta, sim, a saúde mental, a estabilidade psicológica dos diplomatas.