NOTÍCIA
Guia estabelece dois eixos principais — estratégias pedagógicas e estruturas e políticas institucionais
Publicado em 21/10/2025
Ilustração: Shutterstock
Por Marina Feferbaum, Clio Nudel Radomysler, Enya Costa, Heloísa Salles Carmargo, Mitiko Nomura
Como promover a convivência democrática nas universidades em um mundo marcado por tensões? Essa foi a pergunta que orientou o quarto produto da pesquisa “Abertura ao diálogo em universidades de referência: contextualização, desafios e boas práticas”, desenvolvido pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getulio Vargas (CEPI-FGV Direito SP) com apoio da Fundação Lemann.
O resultado é um Guia de Boas Práticas que reúne estratégias e exemplos de iniciativas voltadas à construção de ambientes universitários mais abertos, plurais e acolhedores. O guia se organiza em dois eixos principais — estratégias pedagógicas e estruturas e políticas institucionais — e tem como objetivo oferecer caminhos concretos para fortalecer o diálogo e a convivência democrática em instituições do ensino superior no Brasil e no exterior.
A pesquisa identificou um conjunto de ferramentas e metodologias que ajudam a transformar o diálogo em prática cotidiana na sala de aula. A comunicação aparece como elemento central: perguntas abertas, escuta atenta e cuidado com expressões corporais e linguísticas favorecem a circulação de ideias divergentes e a construção de significados compartilhados. O diálogo, mostra o estudo, se fortalece quando os participantes se afastam de verdades absolutas e evitam culpar o outro.
Por exemplo, a pesquisadora Julia Minson, da Harvard Kennedy School, propõe o método H.E.A.R. para estruturar diálogos construtivos a partir de pesquisas sobre linguagem e receptividade a discordâncias. A sigla significa Hedging (reconhecer a complexidade das situações, evitando expressões como “sempre” ou “nunca”); Emphasizing Agreement (buscar pontos de convergência sem abandonar sua posição); Acknowledgment (demonstrar que se ouviu ativamente, com as próprias palavras); e Reframing to the Positive (reformular discordâncias de modo construtivo, por exemplo, substituindo “discordo completamente” por “eu penso que”).
Em aulas e debates, o papel da mediação docente também ganha destaque. A pesquisa aponta formatos e práticas que ajudam a conduzir discussões sensíveis: a construção de combinados para o diálogo, o incentivo à troca de experiências pessoais e a reflexão sobre estereótipos associados a grupos com opiniões divergentes.
A Cornell University, por exemplo, destaca a importância da construção de acordos coletivos que estabelecem regras para a convivência respeitosa. Entre eles desafiar ideias, não pessoas; reconhecer-se como aprendiz e professor; equilibrar fala e escuta; respeitar a confidencialidade e estar plenamente presente no encontro.
A pesquisa também destaca repositórios de ferramentas, como o Bridging Differences Playbook, desenvolvido pelo Greater Good Science Center da University of California, Berkeley. Baseado em pesquisas científicas, o material reúne estratégias para “criar pontes” em três níveis: intrapessoal, interpessoal e inter-grupos.
Em todos esses exemplos, a mensagem é clara: diálogo não é ausência de conflito. O conflito não deve ser suprimido, mas compreendido como oportunidade de aprendizado e crescimento.
O estudo mostra que o cultivo do diálogo depende não apenas de práticas individuais, mas também de estruturas institucionais sólidas. Diretrizes sobre liberdade acadêmica, ações afirmativas e políticas de bem-estar são fundamentais para criar condições seguras de debate e uma comunidade inclusiva, capaz de acolher a diferença.
Um exemplo foi a iniciativa realizada pela Volcker Alliance, em parceria com o Constructive Dialogue Institute, com o objetivo de incluir habilidades de diálogo no currículo de instituições de ensino. A Iniciativa Curricular do Diálogo Construtivo, que reúne 14 escolas de serviço público nos Estados Unidos, busca formar uma nova geração de líderes capazes de trabalhar de forma colaborativa em meio às diferenças. Ao longo de 18 meses, as instituições participantes desenvolvem novos cursos — ou adaptam disciplinas existentes — para ensinar habilidades de colaboração, respeito às diferenças e escuta ativa.
Outro exemplo é o Campus Mental Health Action Planning, criado pela The Jed Foundation e pelo Education Development Center. O guia oferece recomendações práticas para fortalecer o bem-estar emocional de estudantes, com estratégias que vão da criação de planos de ação institucionais à promoção de uma cultura de cuidado.
O Guia de Boas Práticas indica metodologias e frameworks de planejamento e avaliação de políticas voltadas à abertura ao diálogo, que ajudam as instituições a medir o impacto de suas ações, garantindo que essas iniciativas se tornem parte efetiva da cultura universitária.
As experiências mapeadas mostram que o diálogo é um aprendizado coletivo e contínuo, que precisa ser cultivado em múltiplas esferas — pessoal, pedagógica e institucional. No Brasil, onde o ambiente universitário também enfrenta desafios de polarização e desinformação, esses aprendizados ganham força.
Mais do que um repositório de boas práticas, o guia produzido pelo CEPI-FGV busca inspirar universidades a repensar suas próprias rotinas, estruturas e relações. Em tempos de tensões, cultivar o diálogo dentro das instituições é também uma forma de reafirmar o papel essencial das universidades: formar cidadãos capazes de ouvir, compreender e construir pontes.
Feferbaum, M. (Coord.), Radomysler, C. (Lid.), Costa, E., Salles, H., & Nomura, M. (2024). Abertura ao diálogo em universidades de referência: boas práticas. São Paulo: FGV Direito SP – CEPI. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/items/707ef566-d4bd-42cd-8d4f-8871e60fe1ef