Revista Ensino Superior | A formação docente frente às mudanças no cenário educacional

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A formação docente frente às mudanças no cenário educacional brasileiro

Como o programa Peer Teaching de mentoria entre docentes personaliza o desenvolvimento dos professores

Publicado em 27/10/2025

por Ensino Superior

Formação docente foto: Shutterstok

Este artigo produzido por Rafael Zampar é apresentado pelo Centro Universitário Integrado*

As instituições de ensino superior brasileiras receberam em 2025 uma aguardada mudança na regulação, paradoxalmente revelando um atraso que não era da lei, mas das próprias instituições. Não há nada inédito na nova legislação da educação à distância, apenas o reconhecimento de uma realidade que algumas instituições preferiam não enxergar, a inevitável sobreposição de tempos e espaços de aprendizagem. Quando a regulação se torna mais ousada que as práticas internas, algo essencial se inverte: o sistema passa a depender de uma norma para legitimar a inovação.

A institucionalização do modelo semipresencial representa a principal inflexão trazida pela nova legislação e expõe um ponto inevitável: como se adaptar a estudantes que já não aprendem em um único tempo, espaço ou formato? Para muitas instituições, o semipresencial tem provocado um incômodo necessário, o de rever currículos, espaços e modos de ensinar que não dialogam mais com uma geração habituada à simultaneidade, à conexão constante e à busca por relevância. É nesse cenário que o professor se torna o eixo da transformação, pois a mudança institucional só se concretiza quando quem ensina também se dispõe a aprender novamente.

 

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O descompasso torna-se ainda mais evidente quando se observa quem ensina e quem aprende. As instituições que hoje acolhem estudantes nascidos no século 21 ainda operam, em grande parte, com docentes formados em um paradigma do século passado e sustentadas por estruturas acadêmicas que pouco mudaram ao longo dos anos. Como resultado, tem-se, de um lado, alunos que vivem na lógica da simultaneidade, de outro, professores treinados para um mundo linear. É nesse intervalo de ritmos que a educação superior revela sua maior fragilidade, e também sua possibilidade de renovação.

Afinal, quem está formando os novos professores para ensinar uma geração que não se reconhece mais no ensino que recebeu? Essa não é uma pergunta retórica, ela revela uma lacuna estrutural que atravessa o ensino superior. As instituições têm se reinventado em formatos, mas pouco em cultura docente. E enquanto se discute tecnologia e inovação, o elo mais decisivo do sistema, o professor, segue aprendendo a ensinar sozinho.

 

Peer Teaching: um novo caminho para a formação docente

A formação docente tradicional, baseada em transmissões teóricas, ações pontuais e treinamentos técnicos, já não alcança as transformações que a docência demanda hoje. Mais do que aprender novas metodologias, é um processo para reconstruir a própria identidade profissional. Não podemos formar professores para aplicar metodologias ativas, precisamos formar professores capazes de pensar ativamente sobre o próprio ato de ensinar.

Fala-se muito em personalização da aprendizagem dos estudantes, mas esse princípio só se sustenta quando a formação dos professores também é personalizada. Quando o docente é visto em sua singularidade, com suas trajetórias, dúvidas e potencialidades, passa a reconhecer no estudante o mesmo direito à diversidade. Ao viver um processo formativo que o acolhe como aprendiz, o professor começa a compreender que ensinar não é reproduzir métodos, mas desenhar estratégias distintas para realidades distintas. É nesse movimento de espelhamento entre quem ensina e quem aprende que iniciativas como o Peer Teaching encontram sentido.

O Peer Teaching nasceu no Centro Universitário Integrado como resposta a uma inquietude: perceber que falar sobre inovação pedagógica não gera mudança real. A partir dessa constatação, o Grupo de Trabalho de Inovação Acadêmica (GTIA), sob orientação da experiente professora Beatriz Balena, repensou a estratégia de formação continuada, buscando uma experiência mais horizontal, entre pares, em que mentores e mentorados aprendem juntos. A proposta parte do reconhecimento de que ninguém ensina sozinho, de que o educador aprende enquanto ensina, e o diálogo entre docentes se torna, ele próprio, um ato de formação. A inspiração vem de Paulo Freire, que entende o ensino como via de mão dupla, em que quem educa também é educado.

 

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O programa foi estruturado para fazer da formação docente um processo contínuo, dialógico e personalizado. É feita uma seleção de professores interessados em atuar como mentores e daqueles que desejam vivenciar o papel de mentorados. São feitas entrevistas individuais, mapeando perfis, motivações e potencialidades para a composição dos grupos. Os docentes que assumem a função de mentores passam por uma mentoria específica, tornando-se os primeiros multiplicadores da cultura de mentoria. 

A jornada do Peer Teaching se organiza em oito encontros de mentoria, que combinam escuta, autoconhecimento, análise da prática e planejamento de ações concretas. O percurso inicia com um momento institucional de abertura e alinhamento, seguido por encontros de escuta ativa entre mentor e mentorado e pela participação da liderança, garantindo coerência entre desenvolvimento individual e expectativas institucionais. Na sequência, o uso do questionário VIA (pontos fortes do caráter) permite que o docente reconheça suas virtudes e as conecte à sua prática pedagógica.

Esse autoconhecimento fundamenta as etapas seguintes, dedicadas à análise de aspectos pedagógicos e comportamentais, à construção de um plano de ação individual e à avaliação 180°, em que mentor e mentorado trocam feedbacks de forma ética e construtiva. O ciclo se encerra com a apresentação do plano de ação à liderança, um gesto simbólico que transforma a mentoria em compromisso institucional e o desenvolvimento docente em uma prática compartilhada.

 

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O Peer Teaching tem revelado algo que vai além da qualificação docente: há uma mudança de cultura. Professores que antes se viam isolados em suas rotinas de sala de aula passam a enxergar o próprio fazer pedagógico como espaço de reflexão compartilhada. A mentoria entre pares rompe a lógica da formação como evento pontual e introduz a ideia de desenvolvimento como percurso, feito de escuta, confiança e corresponsabilidade. Aos poucos, o programa vem construindo uma rede de professores que aprendem uns com os outros e ressignificam o sentido de ensinar. Os aprendizados coletivos gerados ao final de cada ciclo orientam novas ações institucionais, permitindo que a escuta do professor se converta em política de formação e que a instituição aprenda com quem ensina. E talvez esse seja o maior resultado: perceber que, quando a formação se torna viva, a instituição também começa a aprender.

Rafael Zampar

foto: Centro Universitário Integrado

Diante do novo cenário educacional brasileiro, em que muito se fala sobre inovação, tecnologia e inteligência artificial, nunca foi tão urgente reconectar a docência ao seu sentido humano. O desafio não é apenas tecnológico ou metodológico, é de consciência. Programas como o Peer Teaching mostram que a mudança começa quando o professor é convidado a refletir sobre o próprio papel e encontra, na escuta do outro, um espelho de si mesmo. Formar docentes, hoje, é formar pessoas capazes de aprender continuamente, de ensinar com intenção e de sustentar a esperança em tempos de incerteza. Talvez seja esse o verdadeiro papel das instituições de ensino: cuidar de quem ensina. Para que o ensino continue a transformar.

*Rafael Zampar é professor e diretor de ensino e aprendizagem do Centro Universitário Integrado, instituição que apoia o jornalismo independente da revista Ensino SuperiorConheça os benefícios de apoiar a publicação e saiba como fazer parte.

 

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