O caminho é o da aprendizagem contínua
Milhões de estudantes se formam todos os anos sem dominar habilidades básicas de raciocínio, pensamento crítico ou autogestão cognitiva (Ilustração: Shutterstock)
Estamos diante do maior salto cognitivo da história humana. A inteligência artificial (IA), a automação e o big data reconfiguram não apenas as profissões, mas a própria forma como pensamos, aprendemos e trabalhamos.
De acordo com o World Economic Forum (Future of Jobs Report, 2025), cerca de 170 milhões de novos empregos serão criados até 2030, enquanto 92 milhões desaparecerão, resultando em um saldo positivo de 78 milhões de novas oportunidades. Mas essa conta tem um asterisco: de nada adianta criar empregos se não criarmos aprendizes. O desafio não é tecnológico, é cognitivo: o ritmo da mudança já superou a velocidade com que aprendemos. O futuro do trabalho não é sobre dominar ferramentas, mas dominar o próprio processo de aprendizagem. E essa é uma competência que as universidades ainda estão aprendendo a ensinar.
O Fórum Econômico Mundial lista dez competências que definirão a próxima década e todas convergem para um ponto: a fusão entre razão analítica e sensibilidade humana.
Essas habilidades formam o que podemos chamar de novo humanware, ou seja, o sistema operacional do profissional contemporâneo, mas estas competências não são desenvolvidas com aulas expositivas ou com “slide based learning”, mas com a combinação entre dados e empatia, algoritmos e imaginação, resultados e propósito. Não se trata de substituir pessoas por máquinas, mas de aumentar o humano dentro do humano.
As instituições de ensino superior estão diante de uma encruzilhada histórica. Podem continuar diplomando profissionais tecnicamente competentes, porém mentalmente lineares ou podem se tornar ecossistemas de aprendizagem contínua, vivos, adaptativos e humanos.
A ONU e a Unesco alertam que vivemos uma crise global de aprendizagem: milhões de estudantes se formam todos os anos sem dominar habilidades básicas de raciocínio, pensamento crítico ou autogestão cognitiva. Estamos diante do que o Fórum Econômico Mundial chama de “déficit de capacidade de aprender”, um descompasso entre o ritmo da mudança e a velocidade da aprendizagem humana.
A verdade é que o modelo educacional que criamos está em colapso frente às demandas do nosso momento de aprendizagem e já virou clichê dizer que o papel das IES não é apenas transmitir conhecimento, mas ensinar a aprender, a pensar e a transformar. Porém, embora esta concepção seja conhecida, ainda não foi plenamente aplicada.
A crise da aprendizagem é silenciosa, mas devastadora. Uma pesquisa da McKinsey mostra que 60% dos empregadores afirmam que os recém-formados não têm as competências necessárias para o mundo do trabalho digital. Ao mesmo tempo, 70% dos estudantes dizem se sentir “mentalmente exaustos e cognitivamente dispersos”. Estamos formando mentes saturadas de informação, mas famintas de sentido.
Vivemos um tempo de superestímulo. O excesso de telas, notificações e tarefas paralelas esgota a memória de curto prazo e bloqueia o aprendizado profundo. Quando tudo compete pela nossa atenção, nada realmente se fixa. A atenção é o novo petróleo da aprendizagem e estamos queimando esse recurso em troca de produtividade ilusória.
O gestor universitário de hoje vive sob uma tríplice tensão: manter relevância curricular, lidar com evasão e garantir sustentabilidade financeira. Nesse contexto, o maior risco é perder o ritmo da aprendizagem institucional.
Os Centros de Apoio Discente precisam evoluir para laboratórios de autogestão cognitiva, capacitando o estudante a compreender os mecanismos da atenção, transformar o erro em insight e cultivar práticas de foco e autorregulação mental. Podem ensinar higiene digital, gestão emocional e estratégias de concentração intencional, pilares essenciais para a aprendizagem profunda na contemporaneidade. Afinal, o estudante do nosso tempo não precisa apenas de conteúdo, precisa de consciência cognitiva.
A aprendizagem não acontece no excesso, mas no intervalo. É no espaço entre o ouvir e o processar, entre o fazer e o refletir, que o conhecimento se transforma em repertório. Quando o ensino é acelerado, empilhando tarefas e informações, provocamos o fenômeno da paralisia por complexidade. O estudante, sobrecarregado, desliga, dispersa, evita. O cérebro se defende do excesso assim como o corpo se defende da dor, interrompendo o processo e as consequências que já sentimos na prática: desengajamento, baixa performance e evasão.
Aprender requer estratégia, intenção e propósito. Exige pausas conscientes, silêncio e reflexão, afinal o aprendizado genuíno se mede pela qualidade das conexões criadas.
A discussão sobre o futuro do trabalho não pode permanecer distante do ensino superior. As universidades formam as mentes que irão liderar, ou se perder, nessa transição acelerada. O tempo da análise passou. É hora de agir.
Compartilho aqui três movimentos urgentes e estruturais para reposicionar as IES na era da Inteligência Artificial, da complexidade e da obsolescência acelerada.
Chegou o momento de reconfigurar o que entendemos por currículo.
O currículo não é uma lista de disciplinas, trata-se sobretudo do conjunto de experiências formativas que habilita o estudante para a vida e para o exercício de uma profissão em constante transformação.
Nenhuma transformação institucional é sustentável sem a transformação docente. Os professores quando dominam o funcionamento da mente humana, aplica a ciência das emoções e promove o aprendizado, aumenta engajamento, e perfomance dos estudantes.
A docência precisa deixar de ser reativa e voltar a ser intelectualmente ativa e emocionalmente intencional.
A IES que já coleta dados, pode transformá-los em inteligência acionável.
O desafio não é ter mais dashboards, mas formar equipes capazes de ler, interpretar e agir a partir dos dados pois termômetro não cura febre, logo a informação só tem valor quando se transforma em ação pedagógica com impacto mensurável.
Esses três movimentos redesenham o papel da universidade potencializando a criação de aprendizado intencional, adaptativo e centrado no humano. E o mais importante: não exigem revoluções orçamentárias, exigem mudança de cultura, mentalidade e prioridade.
A transformação cognitiva das IES não depende de mais tecnologia, mas de governança da aprendizagem. É preciso criar estruturas de decisão que valorizem evidências, agilidade e experimentação contínua. Aprendizagem organizacional é a nova gestão acadêmica.
Em um cenário em que a IA aprende mais rápido do que nós desaprendemos, a inércia institucional é o novo risco existencial. O maior desafio das IES, a meu ver, não é ensinar tecnologia, mas aprender em meio à tecnologia. O conhecimento envelhece; a capacidade de reaprendizagem, não. De nada adianta criar novos empregos se não criarmos aprendizes.
A aprendizagem contínua é uma estratégia sustentável e garante relevância institucional e sobrevivência cognitiva. As universidades que compreenderem isso não irão reagir ao futuro, mas irão liderá-lo.
Por: Thuinie Daros | 27/10/2025