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Brasil pode atingir 1,1 milhão de médicos em 2035, mas sobram desafios e pontos de atenção
Publicado em 15/12/2025
foto: Shutterstock
Com novos cursos e vagas recém-abertas, projeções indicam que o país vai superar a marca de 1,1 milhão de médicos em 2035. A “densidade médica” deve alcançar então 5,25 profissionais por 1 mil habitantes, um patamar próximo das médias de nações de maior renda. Mas, para além dos grandes números, seguem sendo desafios do país garantir a qualidade da formação e a distribuição dos médicos pelo território. Outro ponto de atenção é a falta de formação nas especialidades médicas reconhecidas.
Diante de um cenário de escassez de residências, a oferta de cursos de especialização lato sensu para médicos no Brasil tem crescido. O problema, porém, é que as formações não se equivalem – quem passa apenas por uma formação lato sensu não recebe o título de especialista.
Em 2024, existiam 448 escolas médicas no país, ofertando 48.491 vagas anuais, segundo o estudo de Demografia Médica no Brasil, realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. O gargalo chega depois da formação básica, porque a oferta de formação em residência médica, considerada o “padrão ouro” da formação, não consegue acompanhar o ritmo de crescimento das graduações. Em 2024, havia 47,7 mil residentes; as vagas abertas para o primeiro ano de residência ficaram em 16 mil, absorvendo, portanto, apenas metade dos cerca de 32 mil egressos de 2023.
Quase 80% do total das vagas de medicina são mantidas por cursos privados. Mas, ao contrário das graduações, as residências têm 80% da oferta sendo feita pelo setor público. Paulo Roberto de Pinho, coordenador-geral das residências em saúde da Sesu/MEC, ressalta que os programas de residência vêm crescendo a uma taxa de 9% ao ano, mas a velocidade é limitada pelo alto custo e pela necessidade de “recursos humanos qualificados” para atuarem como preceptores dos residentes.
“Precisamos de um zelo porque há o custo operacional de manter uma vaga autorizada, e esse custo é dinheiro da sociedade. E os preceptores não vêm da geração espontânea: um cirurgião leva cinco anos para ser formado e, só então, poderá assistir o próximo”, afirma.
Segundo ele, além de garantir as condições estruturais, cabe ao MEC abrir novas residências nas localidades e nas áreas médicas que a sociedade realmente demandar. “Não vamos olhar só para a demanda mercadológica. Vamos olhar para as reais necessidades”, diz Pinho.
Outro caminho possível para obter o título de especialista é via sociedades médicas. O Brasil tem hoje 55 especialidades reconhecidas, cada uma com sua respectiva sociedade, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia, de Pneumologia, de Pediatria, etc. Essas sociedades também podem oferecer formações em suas áreas e quem for aprovado recebe o título.
Na falta de vagas em ambos os caminhos, especializações lato sensu se expandem. Elas se subordinam às regras gerais da educação, com carga horária mínima de 360 horas, e liberdade curricular da instituição de ensino superior. Há, portanto, uma grande variedade nessa formação, que não fica sujeita a regulações ou provas externas. As IES podem abrir novas turmas sempre que julgarem interessante e possível. Na pesquisa da USP, foram identificados 2.150 cursos lato sensu para médicos, sendo que 85% deles têm proximidade de nomenclatura com as especialidades médicas reconhecidas.

Para Rodrigo Cariri, secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica, “o país precisa decidir se o Estado vai deixar o mercado se regular, ou se vai intervir” (foto: divulgação)
Rodrigo Cariri de Almeida, professor da UFPE e secretário-executivo da Comissão Nacional de Residência Médica, lembra que, por lei, os médicos formados podem ter atuação integral, total e vitalícia. “Se ele se formou, pede o registro no Conselho Regional de Medicina e fica autorizado a realizar tudo o que a medicina já descobriu, inventou; pode fazer também o que ainda é experimental”, lembra.
As especialidades são a garantia de que os médicos receberam a formação mais adequada possível para o campo em que trabalham. Os médicos sem especialidade estão proibidos por determinação do código de ética médica apenas de se anunciarem como especialistas.
Para o professor, esse tipo de determinação normativa é reflexo de um país que começou tardiamente a reconhecer as especialidades. “Elas apareceram a partir da década de 1940, de maneira arbitrária. O aprendiz acompanhava o professor, virava uma espécie de discípulo sem direito a férias, descanso no fim de semana, nem remuneração. Só na década de 70, por mobilização dos residentes, esse tipo de exercício especializado foi regulamentado”, recorda.
Hoje, as especialidades são reguladas. Cariri cita que existe um pedido para que “transplante capilar” se torne uma especialidade; e cabe à Comissão da Residência Médica avaliar se existe um conjunto de saberes e práticas que a validem como tal. “Dificilmente vai ser uma especialidade. Mas especializações lato sensu seguem regras de mercado: se há quem pague e queira estudar, ok. Pode haver cursos de transplante capilar, mas isso não constitui uma especialidade”, explica.
Com ou sem especialidade, não falta mercado para a categoria. Mas, além do risco de ter um grande contingente de médicos sem cumprir o melhor roteiro formativo possível, a sociedade pode no futuro ter uma boa média de médicos por população, mas ainda assim sofrer com grande escassez nas especialidades necessárias. Para Cariri, o país precisa decidir qual deve ser o papel do Estado, se vai deixar o mercado se regular, ou se vai intervir.
| Novas diretrizes |
| O Conselho Nacional de Educação (CNE) elaborou um parecer (CNE/CES nº 637/2025) que, embora ainda não homologado, estabelece regras extras para cursos de pós-graduação lato sensu. Entre as preocupações do CNE estão os cursos de especializações da área médica. Um dos pontos mais importantes é a proibição da oferta em áreas distintas da atuação principal da instituição, como forma de garantir “coerência entre a especialização oferecida e a experiência formativa institucional”. Ou seja, uma IES com o foco em administração e economia não poderá ter cursos de especialização na área da saúde. O texto reforça ainda que especializações lato sensu não podem ser oferecidas como substitutas às residências, por serem formações de outra natureza. |