Todas empresas necessitarão treinar seus funcionários, por conta da transformação permanente nos negócios. Os educadores tradicionais, que são as IES, ainda não acordaram para a oportunidade para melhorar seu desempenho
Estruturas e processos administrativos têm pouca agilidade para ofertar um volume muito maior de cursos e com maior frequênciaEm 2019, juntamente com os demais participantes da Missão Técnica do Semesp para Singapura e Índia, tive a oportunidade de participar do programa “Recalibranting Higher Education: insights from Singapure”, na National University of Singapore (NUS), considerada uma das melhores do mundo nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e medicina.
Dos muitos aprendizados que tivemos sobre o bem sucedido sistema educacional de Singapura, considerado um dos alicerces para que, em poucas décadas, o país deixasse o subdesenvolvimento para se tornar a segunda maior renda per-capita do mundo, um deles me chamou muito a atenção: a mudança de estratégia da NUS.
De acordo com os responsáveis pelo planejamento estratégico da NUS, depois de muito estudo, análises e discussões, a universidade estava mudando sua missão e doravante seu foco seria o lifelong learn. Segundo eles, o maior desafio da educação do país no momento não era mais o de formar novos profissionais, mas o de requalificar os profissionais que estavam formados há 10 ou 20 anos, pois em todas as áreas tudo havia mudado nos últimos anos.
A ideia da universidade não era abandonar os bem sucedidos programas de graduação e pós-graduação, que ocupam lugar de destaque nos rankings internacionais. Pretendiam estruturar um vigoroso programa em diferentes áreas, visando oferecer novos conhecimentos e competências para egressos do ensino superior, que precisam desses recursos para continuarem produtivos e competitivos no mercado de trabalho. Além disso, pensavam em um modelo de negócio no qual a formação já oferecesse aos futuros egressos a perspectiva de continuarem a ter acesso a formações periódicas e atualizações contínuas depois de graduados.
Quando analisamos as necessidades do mercado de trabalho no Brasil verificamos que ainda há muitos desafios para superar em relação à formação de novos profissionais em graduações e de especialistas e pesquisadores em nossas pós-graduações. Porém as necessidades de qualificação e requalificação de profissionais por meio de educação continuada também são imensas e, por mais estranho que pareça, estas oportunidades são mais aproveitadas pelas empresas de treinamento, consultorias, startups de educação, universidades corporativas do que pelas instituições de ensino superior.
Mas quais seriam as razões para as IES não estarem aproveitando tanto quanto poderiam estas oportunidades existentes no crescente mercado da educação continuada?
Em primeiro lugar, a grande demanda por graduações ocorrida na ultima década, decorrente da inclusão das classes C e D no ensino superior, turbinada pelos financiamentos públicos (Prouni, Fies, por exemplo), fez com que a maioria das instituições não tivessem interesse pela oferta de programas de educação continuada e muitas vezes nem mesmo pelas especializações. Era muito mais interessante para as IES oferecer produtos de maior valor, contratados em 36 ou 48 meses, que contavam com financiamento público, no lugar de empreender esforços para ofertar programas de 20, 40 ou 60 horas.
A estratégia adotada pelas IES nos últimos anos acabou moldando suas competências, estruturas e atividades. Muitas instituições ainda tem capacidade limitada de identificar as demandas do mercado para formações de curta duração e de desenvolver produtos de educação continuada capazes de atender às novas necessidades. As estruturas e os processos administrativos, de comunicação e de comercialização têm pouca agilidade para ofertar um volume muito maior de cursos e com maior frequência.
Se formos comparar com o mundo da moda, as IES tradicionais lançam uma ou duas coleções por ano com seus processos seletivos anuais ou semestrais, enquanto as instituições que atuam na educação continuada precisam adotar um modelo semelhante ao da Zara na Europa, que coloca no mercado uma nova coleção a cada 15 dias.
Mesmo com as dificuldades já citadas, esse é um mercado que as instituições não deveriam abrir mão. Não só pelo seu tamanho e perspectiva de crescimento, como também pela sinergia que o negócio possui com os cursos tradicionais ofertados pelas IES.
Competências e diversos recursos necessários para atuar especificamente no segmento mencionado como, por exemplo, infraestrutura física, tecnológica, know-how, marca e acesso ao público alvo, as instituições de ensino já possuem. Já os recursos e competências não disponíveis como portfolio de produtos e ferramentas educacionais podem ser desenvolvidos internamente ou acessados por meio de parcerias com edtechs, empresas de treinamento e especialistas de mercado.
Várias IES, muitas de nicho, vêm atuando com sucesso na educação continuada, principalmente nas áreas de negócios, saúde e tecnologia.
Por fim, como avaliaram nossos anfitriões da Universidade Nacional de Singapura sobre o ritmo das transformações, todos que passaram pelo ensino superior nos últimos anos precisarão ser constantemente requalificados. Portanto é fundamental que as instituições no Brasil se estruturem para aproveitar essa oportunidade.
(*) Marcio Sanches é Doutor em Administração de Empresas pela EAESP/Fundação Getúlio Vargas. Professor na graduação e pós-graduação da EAESP/FGV e nos MBAs da FIA. Coordenador da Universidade Corporativa Semesp.
Por: Márcio Sanches | 05/08/2022