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De olho nos alunos com dificuldades de aprendizagem, Nuno Crato acredita em um currículo baseado nas disciplinas ao invés de competências e dá ênfase à leitura
Publicado em 18/01/2023
Para o português Nuno Crato, é necessário “um ensino organizado com apoio específico aos jovens que têm mais dificuldades”. Ele é professor de matemática e estatística na Universidade de Lisboa e atual presidente da Iniciativa Educação, organização sem fins lucrativos que promove a formação e qualificação dos jovens, em especial, aos que, devido a situações de vulnerabilidade econômica, educativa ou social, não conseguem atingir resultados escolares.
Nuno foi ministro da Educação e Ciências de Portugal entre 2011 e 2015, período em que as taxas de abandono e retenção, assim como os resultados nas avaliações internacionais como o Pisa 2015, melhoraram. Autor de diversos livros, sendo o mais recente Improving a country’s education: Pisa 2018 results in 10 countries (Springer 2021) – em tradução livre Melhorando a educação de um país: resultados do Pisa 2018 em 10 países.
Nesta entrevista exclusiva à revista Educação, realizada em Brasília durante a 2ª edição do Diálogos sobre Educação – evento da Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) Brasil -, pontos como a estruturação de um currículo baseado nas disciplinas ao invés de competências, além de estratégias para se obter avanços na educação são destaques. Confira.
É possível, mas é difícil. É possível, evidentemente, chegar ao ponto desejado, mas implica acelerar o ensino. Eu diria que para recuperar as perdas de aprendizagem é preciso várias coisas. Primeiro conhecer a situação, saber exatamente quais são as perdas de aprendizagem, quais os aspectos da formação dos jovens não foram atingidos. Então o primeiro ponto é entender. O segundo é um ensino organizado com apoio específico aos jovens que têm mais dificuldades. E o terceiro é utilizar métodos de ensino que sejam eficazes, ou seja, muitas vezes aqueles métodos que são longos, que não vão direto ao objetivo, não vão funcionar. Temos que acelerar a aprendizagem, e acelerar a aprendizagem significa ter um currículo claro, com base nele entender o que não está funcionando e ir avançando e combatendo as dificuldades que existirem à medida que forem surgindo. Não se trata de parar e fazer tudo de novo, mas de olhar para o currículo, tentar seguí-lo e retroceder sempre que seja possível, mas não é fazer um currículo novo e mais simples.
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O currículo deve ser estruturado com base nas disciplinas fundamentais, portanto, a primeira coisa é prioridade. Na educação eu diria que há centenas de coisas importantes, mas algumas são mais importantes que outras em certos momentos como, por exemplo, a leitura. Devemos começar no essencial que é a leitura. Não podemos deixar para trás os jovens que não alcançam a capacidade e a fluência de leitura necessária. Sabemos hoje, por uma série de estudos internacionais, que existem inúmeros jovens que não têm domínio da leitura nos nossos países. Depois matemática, geografia, história, artes. Mas ter prioridades em relação às coisas, pensar que se não tivermos prioridades, não conseguimos progredir.
O currículo também tem que ser bem estruturado. Fazer um currículo não é fácil, ele precisa ser sempre estruturado com as matérias organizadas umas em cima das outras. O ensino dos jovens – e de todos – funciona como que em camadas, aprende-se na base do que já se sabe e nessa base do que se aprendeu vai se aprender algo novo. Portanto, quanto mais bem estruturado tiver o currículo, mais rápido e mais sólido é o progresso dos jovens.
Eu não sou perito em avaliação, mas não tenho nada contra a avaliação de múltipla escolha, que muitas vezes é o método mais rápido de se fazer uma avaliação essencial.
Toda avaliação tem suas dificuldades, os seus contras e suas insuficiências. Por vezes, a avaliação de múltipla escolha é a melhor, a que está ao nosso alcance e que é mais objetiva. Julgo que ela deve ser complementada com outro tipo de avaliação. Os jovens devem aprender a escrever, serem capazes de escrever pequenos textos, pequenos ensaios, progressivamente, e isso não é possível com a múltipla escolha, mas não deixa fora a importância desse tipo de avaliação.
Porque as competências não têm estrutura. Em minha opinião, o currículo deve incidir sobre conhecimentos e sobre competências, assim como sobre as atitudes dos jovens. O currículo é um todo, quando se aprende, são muitas coisas simultaneamente.
Acho que o currículo por competências falha na organização. Não podemos organizar um currículo com base nas competências, temos que organizar um currículo com base nas disciplinas, e as disciplinas têm a sua própria estrutura. Dou o exemplo da física, que tem a sua estrutura: é massa, força, gravidade, pressão, pressão atmosférica – são conceitos necessários para depois compreender como se faz a mudança de um pneu, por exemplo.
E imagina, eu não posso estudar e criar um currículo com base nas competências simples, somente com a mudança de pneu, etc. Temos verificado que quando o currículo tem uma estrutura com base no conhecimento – e aí, sim, pode ter uma estrutura lógica – se for dada a atenção necessária às aplicações do conhecimento, essas aplicações que irão surgir serão mais sólidas.
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Há. O problema não é tão grave como eu julgo ser no Brasil, mas é um problema sério em que muitas vezes se segue a política de se desculpar aos jovens, filhos de pobres, negros ou mais desfavorecidos pensando que eles, por terem essas dificuldades à partida, não merecem ter um ensino tão exigente como os outros. Eu acho que é exatamente o oposto. Por eles terem essas dificuldades que precisam mais ainda de um ensino exigente e bem estruturado.
Eu julgo que em Portugal, e na maioria dos países que eu conheço, a formação de professores em geral têm duas ou três deficiências básicas. A principal é que se centra muito em filosofia da educação. Áreas como história da educação que, sim, são importantes, mas que não são tão importantes para a formação do professor como outras.
E quais são as outras? Eu acho que, em primeiro lugar, o conhecimento da matéria que o professor irá ensinar. Um professor de português tem que saber muito bem português, não pode cometer erros ortográficos. O de física é a mesma coisa. E nesse aspeto a formação de professores em Portugal, e, em geral, ainda é um pouco deficiente, porque os jovens que querem ser professores recebem toda aquela formação em filosofia da educação, mas não recebem formação necessária em termos dos conteúdos disciplinares que eles vão ensinar.
Portanto, essa é a principal dificuldade: não se concentrar nas matérias importantes. Então eu diria que como solução a primeira questão é se concentrar nas matérias de ciência. É muito importante o conhecimento dos professores sobre aquilo que vão ensinar. O segundo aspecto: modernizar a sua formação em termos daquilo que hoje se sabe sobre educação, que é muito mais do que sabíamos nos tempos de Piaget e Vygotsky.
Essa entrevista foi publicada com exclusividade na revista Educação. Acompanhe tudo sobre o universo da educação básica em revistaeducacao.com.br.