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Formação

Internacionalização: Noruega renova relações com o Brasil

Acompanhado de uma comitiva de 30 funcionários, o ministro de Pesquisa e Ensino Superior da Noruega, Oddmund Hoel, visitou o Brasil em setembro, quando assinou uma versão renovada do acordo bilateral que já mantinha com o MEC

Publicado em 05/11/2024

por Luciana Alvarez

Noruega Pesquisadores do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nupem, UFRJ) com colegas noruegueses, em atividade realizada este ano (foto: Ana Cristina Petri)

Um reino de cinco milhões de pessoas no extremo norte do planeta, a Noruega tem se mostrado um fiel parceiro acadêmico para o nosso grande país tropical. Os esforços de internacionalização dos noruegueses chegaram ao Brasil em acordos a partir de 2013. Desde então, os laços entre os países vêm sendo renovados e, mais recentemente, reforçados. Acompanhado de uma comitiva de 30 funcionários, o ministro de Pesquisa e Ensino Superior, Oddmund Hoel, visitou o Brasil em setembro, quando assinou uma versão renovada do acordo bilateral que já mantinha com o MEC.

Ministro e reitor

O ministro de Pesquisa e Ensino Superior da Noruega, Oddmund Hoel, e o reitor da Puc-Rio, Padre Anderson Pedroso: fortalecimento da colaboração (foto: Matheus Santos/Comunicar)

Segundo comunicado da equipe de Hoel, a renovação do entendimento confirma que a Noruega deseja uma cooperação mais estreita com o Brasil na educação superior. “A educação é a chave para resolver os desafios globais. Sabemos que diversas instituições de ensino norueguesas desejam construir parcerias fortes e de longo prazo com o Brasil. Além disso, cada vez mais estudantes noruegueses viajam para o Brasil em intercâmbio. Gostaríamos de ter mais intercâmbios deste tipo – assim como de brasileiros para a Noruega. O acordo renovado facilita isso”, afirmou Hoel durante a cerimônia, em Manaus.

Além de firmar o memorando com o MEC, o ministro Hoel participou de reuniões do G-20 em Manaus, esteve em um seminário sobre Desenvolvimento Sustentável Global na PUC-Rio e encontrou-se com representantes da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Equinor, empresa de petróleo norueguesa com operações no Brasil.

 

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Nos últimos dez anos, a Noruega financiou 73 projetos com parceiros brasileiros, com a soma de recursos na casa dos 87 milhões de coroas norueguesas, ou cerca de R$ 45 milhões. A maior parte destina-se a projetos de ensino, mas há também alguns de pesquisa.

O caminho para que mais faculdades brasileiras colaborem com a Noruega começa com a busca por um bom parceiro do outro lado, porque todos os convênios se dão entre instituições de ensino. “As universidades brasileiras devem identificar instituições parceiras norueguesas e concordar com o escopo da colaboração. O Conselho de Pesquisa da Noruega tem alguns arranjos diferentes”, explica Laila Linde Lossius, conselheira no departamento de cooperação global.

A pasta do ensino superior demonstra estar aberta a trocas em quaisquer áreas. “No ensino superior, não há limites específicos de assuntos. Historicamente, houve colaboração substancial em energia, mas isso se expandiu para áreas como negócios, direito, psicologia, enfermagem, engenharia, tecnologia, geociência, biologia e muitas outras”, disse Laila.

 

Natureza em destaque

Apesar da amplitude de possibilidades, o interesse nórdico parece cada vez mais voltado para iniciativas de sustentabilidade e meio ambiente. A passagem de Hoel pelo território nacional deixou claro que esse é um ponto central da colaboração pretendida. Ele ‘sobrevoou’ uma área da Amazônia em uma grua acima da copa das árvores do projeto Amazon Face, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A pesquisa feita aqui sobre como o dióxido de carbono impacta a floresta é uma peça importante sobre as consequências da mudança do clima”, disse o ministro, lembrando que seu país faz pesquisas semelhantes no Ártico e na Antártida.

Marley Vellasco

Marley Vellasco, vicereitora acadêmica da PUC-Rio, afirma que apesar da diferença de ecossistemas, “soluções conjuntas são possíveis” (foto: Caio Matheus)

E, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), reforçou seu entusiasmo pela temática. “O seminário foi para discutir como a gente pode fortalecer a colaboração na pesquisa buscando um desenvolvimento sustentável, em projetos de análise de poluição, bioeconomia, robótica agrícola”, citou Marley Vellasco, vice-reitora acadêmica da PUC-Rio. Faz cerca de dez anos que a instituição tem convênios com a Noruega.

Mesmo em ecossistemas diferentes, os desafios enfrentados são similares e, portanto, soluções conjuntas são possíveis. “No projeto de robótica agrícola trabalhamos com cultivo de soja e algodão; eles com frutas, como maçãs e morangos. Algumas propostas podem ser adaptadas e todos realmente saem ganhando”, diz Marley.

 

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A avaliação das trocas, tanto em projetos de pesquisa como em intercâmbio, tem sido muito positiva e, portanto, novos acordos vêm sendo firmados. “Por exemplo, o departamento de engenharia elétrica tinha uma universidade parceira, agora são três, em diferentes locais, em Oslo, no sul e no norte do país. Dá para notar que o interesse é mútuo”, conta a vice-reitora.

Um dos mais “antigos” interlocutores dos noruegueses é o professor Leandro Juen, pesquisador do Laboratório de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Pará (UFPA). Desde 2013 ele firmou o Consórcio de Biodiversidade Brasil-Noruega em nome da sua universidade, que oferece financiamento para projetos de pesquisa. Ao todo cinco instituições estão envolvidas, mas a verba é nórdica. “A gente lança editais, temos um comitê julgador com membros das instituições, fazemos o ranking dos projetos, mas quem banca é a empresa norueguesa Hydro”, explica ele. Ao longo dos 11 anos, já foram realizados 30 projetos.

Ao sentir que havia abertura para ir além e já tendo contatos, em 2017 o professor lançou uma nova empreitada, um curso de campo para pós-graduandos na área de ecologia. Durante três anos, alunos noruegueses viajaram para a região Norte, onde passaram três semanas estudando ao lado de alunos brasileiros, sendo duas dessas semanas dentro de uma unidade de conservação na floresta amazônica. “Era um curso que a gente já ministrava para nossos alunos, em português, e passamos a oferecer numa turma mista, em inglês. Como é uma atividade muito cara, a parceria nos ajudou a financiar o curso”, conta Juen.

 

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Além disso, estudantes e professores brasileiros foram fazer semanas de imersão na Noruega. Embora o programa tenha durado apenas três anos, esse tipo de experiência trouxe consequências positivas que continuam repercutindo. “Uma estudante que participou – na época fazia mestrado – hoje está fazendo o doutorado dela na Noruega. Cerca de 85% dos alunos da UFPA são de renda baixa; para muitos dos que viajaram, foi a primeira vez que saíram do país”, afirma o pesquisador.

Nem todo tipo de intercâmbio dá certo logo de cara. Juen, que estuda peixes, insetos e plantas aquáticas de igarapés, conta que começou a trabalhar em conjunto com um pesquisador que também estudava animais de rios, mas tinha o foco em salmão. “Essa pessoa não estava interessada em vir para a Amazônia. Mas, depois, tivemos um ótimo relacionamento com um professor que estuda o urso polar; ele tem algumas técnicas que nos ajudaram a estudar onças pintadas. É possível somar diferentes expertises”, garante.

 

Relacionamentos duradouros

NTNU

Encerramento do workshop da missão de trabalho da NTNU, universidade norueguesa de ciência e tecnologia, no Brasil, em 2019 (foto: divulgação)

Membro de uma associação internacional de engenharia de resiliência, Tarcisio Saurin, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), costumava ter contato com pesquisadores da Noruega. “A resiliência de materiais é para melhorar a segurança de sistemas de alto risco, como da aviação e exploração de petróleo. Os noruegueses são bem conhecidos na área, em especial os da NTNU (uma universidade de ciência de tecnologia)”, diz Saurin. Quando em 2018 a Capes abriu um edital conjunto com a agência de fomento do país nórdico, a parceria pareceu bastante óbvia.

O convênio deu certo e o projeto conjunto durou quatro anos. Além dos resultados de pesquisa em si, as trocas permitem aprendizados culturais. “Eles têm uma separação muito clara da vida profissional e pessoal; as férias são sagradas. E há sempre uma preocupação com a paridade de gênero; em cada projeto que a gente submetia, eles nos questionavam se só houvesse homens”, relata. Um dos frutos mais interessantes da parceria foi uma disciplina remota com professores do Brasil e da Noruega, lançada em 2020. “Atraiu gente de várias outras universidades, foi uma surpresa”, afirma Saurin.

 

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E, para o ano que vem, o congresso internacional de engenharia de resiliência vai ser realizado no Rio Grande do Sul; a parceria ajudou a dar visibilidade mundial para o trabalho desenvolvido no Brasil. Professora da Universidade de Stavanger, Daniela Pampanin buscou um parceiro no Brasil fortemente influenciada por uma experiência pessoal que teve há 20 anos. Ela participou de um curso de verão na Itália e fez amizade com um brasileiro. Ambos seguiram na carreira acadêmica em seus países e mantiveram contato. “Quando a universidade recebeu essa oportunidade de financiamento para colaboração bilateral, logo pensei no Brasil”, conta ela. Foi seu amigo brasileiro que sugeriu o Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nupem, UFRJ).

“Eu procurei o professor Rodrigo (Fonseca) e tudo correu muito bem. A gente não se conhecia, mas tinha uma visão muito semelhante. Em apenas três semanas escrevemos tudo e eu submeti o projeto”, diz Daniela. O consórcio de intercâmbio de estudantes inicialmente era de quatro anos, com foco em biodiversidade. Com os bons resultados, ele foi renovado por mais quatro anos, agora com ênfase em saúde integrada – e outras instituições parceiras foram incluídas. “Já estamos pensando em como expandir ainda mais para uma nova proposta no ano que vem”, afirma ela.

Segundo a docente norueguesa, a burocracia brasileira foi seu maior desafio. “O sistema do Brasil é complicado e lento. Para contornar o problema, fizemos a maior parte possível dos procedimentos burocráticos aqui na Noruega”, conta Daniela.

 

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Já para o parceiro brasileiro, uma grata surpresa da parceria foi justamente conseguir um convênio sem dar uma contrapartida financeira – e, assim, ficando livre de todos os procedimentos de prestação de contas posteriores. “As universidades de lá não têm tanta pesquisa básica; são mais pesquisas aplicadas. Mas em compensação têm uma quantidade de recursos muito grande para nossos parâmetros e cuidaram de toda a parte burocrática por lá. Estiveram sempre dedicados ao projeto”, conta Rodrigo Fonseca.

Outra vantagem é que a proposta permite trocas de fato significativas, acredita Fonseca. “No Nupem temos alojamentos e todos ficam juntos. Eles se tornam muito amigos, continuam em contato; a experiência é marcante”, diz o brasileiro. Sua colega de tão longe não poderia estar mais de acordo com esse pensamento. “Uma das coisas que costumo prometer é que este projeto será uma plataforma para lançar uma colaboração de longo prazo. Independentemente do prazo deste projeto, as pessoas se engajam em novas parcerias com seus colegas”, diz Daniela.

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Desafios para os intercambistas

Um desafio significativo do lado do Brasil costuma ser o do idioma. “Como o português não é amplamente ensinado em escolas ou universidades norueguesas, os parceiros brasileiros precisam ser capazes de se comunicar em inglês”, lembra Laila Linde Lossius, conselheira no departamento de cooperação global. Não se trata só de documentos, mas de estudantes, professores e pesquisadores capazes de se comunicar em inglês. Para os brasileiros o clima frio também pode ser um elemento de receio na hora de escolher fazer o intercâmbio no país nórdico.

Já para os noruegueses, o medo da violência urbana costuma ser o maior obstáculo. “As diferenças culturais não são vistas como um problema, exceto pelas preocupações quanto à segurança nas grandes cidades. Nosso país é muito seguro e as pessoas estão acostumadas a andar sozinhas a qualquer hora sem se preocupar. Adaptar-se às diferenças de comportamento para garantir a segurança pode ser desafiador, mas a maior parte dos feedbacks que recebemos destacam quão amigáveis e gentis são os brasileiros, o que ajuda a superar desafios linguísticos e culturais”, afirmou Laila.

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Saiba +

Como é o ensino superior na Noruega

O ensino superior na Noruega é conhecido por aplicar metodologias inovadoras e ter uma relação de bastante proximidade entre professores e alunos. Atualmente, estão matriculados no sistema 310 mil alunos e 37% da população tem um diploma superior.

Cerca de 90% dos estudantes universitários estão em instituições públicas gratuitas. Há dez grandes universidades, com cursos em várias áreas, todas públicas. Mas existe o modelo de “universidades especializadas”, que oferecem formações em determinado campo de conhecimento – dentre estas, há públicas e privadas. Por fim, há faculdades menores espalhadas pelo país, que em geral não têm pós-graduação.

Em comparação a outros países da OCDE, a Noruega tem um grande percentual de graduados na área de saúde e bem-estar (19%) e uma baixa proporção de diplomados em administração, negócios e direito (17%).

Em 2016, a Noruega lançou um esforço de internacionalização chamado de Estratégia Panorama. O Brasil não é o único país que os noruegueses procuram para convênios, mas ele faz parte de um grupo seleto de nações apontadas como importantes na estratégia – o grupo inclui Japão, Coreia do Sul, China, Estados Unidos, Canadá e Índia.

*Com informações da Agência Brasil

 

Autor

Luciana Alvarez


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