NOTÍCIA
Iniciativa da instituição visa a erradicação do racismo ambiental
Publicado em 04/12/2024
O reconhecimento da Universidade Zumbi dos Palmares ultrapassa o setor acadêmico. E no campus da instituição, as paredes também contam essa história. Quem percorre as escadas e corredores da Zumbi pode acompanhar recortes de notícias que circularam na imprensa, fotografias de visitas à IES e de encontros do reitor com personalidades ilustres, como a apresentadora Oprah Winfrey, a atriz Zezé Mota e o político norte-americano Jesse Jackson. Esse último atuou, inclusive, para expandir o número de títulos que compõem a biblioteca da universidade.
Há duas décadas, a instituição atua em busca constante por justiça social dentro e fora do ensino superior. São diversas as ações promovidas pela IES desde a sua fundação no bairro Ponte Pequena, em São Paulo. De um espaço dedicado à formação de trancistas ao primeiro posto temático do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado paulista – o Procon racial, a Zumbi se destaca na inclusão e no acolhimento da população negra e de baixa renda. Neste ano, com a intensificação do debate sobre a crise ambiental, uma nova esfera foi inserida nas atividades da universidade, que agora abriga o programa Climáticos.
O lançamento da Brigada Climáticos foi oficializado no final de junho, em evento acompanhado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva. “Trata-se de um inventário do conjunto das informações sobre proteção, defesa e segurança do meio ambiente. Informações relevantes para que as pessoas possam se preparar para ocorrências dos efeitos dos extremos climáticos”, explica o reitor José Vicente. “Outra ação importante é formar uma brigada nos espaços em que há recorrência dessas manifestações, como alagamentos, incêndios e calor sufocante. Voluntários serão qualificados e instrumentados para que, além de difundir informações de respeito ao ambiente, estejam preparados para pequenas intervenções que situações dessa natureza exigem”, acrescenta.
“Esperamos que esse trabalho se espalhe por outras regiões e com isso inicie um processo de mudança da mentalidade e do comportamento das pessoas. Em regra, temos uma postura de passividade ou de indiferença diante dessas manifestações. Queremos começar um processo de mudança, promover a compreensão de que é preciso se apropriar desses fundamentos, além de estarmos prontos. Porque diante de um fato concreto, seja pela velocidade ou volume do impacto, nem o Estado e nem as demais estruturas da sociedade darão conta de atendê-lo naquele momento objetivo. A partir de agora, precisamos estar prontos”, declara o reitor.
Para atender a população, a Brigada Climáticos conta com equipamentos personalizados como carro, barco, jet-ski e uma tenda que possibilitará a organização dos voluntários que darão assistência à população. A equipe da brigada conta também com o voluntariado de bombeiros, enfermeiros e outros profissionais da saúde.
Além de ampliar a educação ambiental e minimizar os impactos dos extremos climáticos, o programa também visa a erradicação do racismo ambiental. Thayná Silva dos Santos, coordenadora da Climáticos, pontua que as pessoas que vivem nas regiões periféricas, em situação de extrema vulnerabilidade social e sem recursos, são as que mais sofrem com esses impactos. “E se fizermos um recorte científico e social dessa população, em sua maioria, são pessoas de peles pretas e pardas. O racismo é muito amplo e a erradicação do racismo ambiental só acontecerá com o processo de sensibilização da população. Com essa abertura, as pessoas poderão perceber o quão a camada é mais profunda, entender que a construção de casas ao lado de rios e de morros não é escolha, mas uma questão social e histórica.”
Segundo Thayná, um dos objetivos do projeto é criar centros de resiliência climática nas comunidades. “Geralmente, cada comunidade tem uma associação, entramos em contato para promover a qualificação de forma gratuita e, após essa qualificação, realizamos a doação de equipamentos.”
Alocada no último andar do campus, a sala de monitoramento conta com paineis para rastrear ocorrências de incêndios e de outros extremos climáticos. A sala ainda dispõe de equipamentos como boias, coletes salva-vidas e uniformes. “Com o monitoramento, que dispõe de mais de 18 satélites, a nossa intenção é reflorestar espaços, diminuir deslizamentos e estocar carbono com cada um dos nossos projetos. Com esse crédito de carbono, futuramente nós poderemos financiar as periferias de São Paulo e diminuir a marginalização dessas pessoas, por exemplo”, explica Lilian Ribeiro da Silva, gerente de projetos e desenvolvedora.
Para atendimento psicológico, psicossocial e jurídico, a Climáticos também dispõe do projeto Acolhe – que conta com uma sala exclusiva dentro da instituição. De forma virtual, a população também pode acessar o chatbot gratuito do Acolhe (conheça) no site da iniciativa. Os usuários poderão encontrar dicas de como enfrentar ondas de calor intenso, contatos de ajuda em situações de emergência, entre outras informações. “Muitas vezes não sabemos se devemos contatar a polícia ou o corpo de bombeiros, ou mesmo quando ligar. Ao apertar o botão de emergência, o usuário receberá todas essas orientações”, detalha Lilian.
Além da atuação na Climáticos, Lilian também é aluna da Zumbi. Em sua avaliação, é primordial que a academia tome iniciativas voltadas para o meio ambiente. “Deveria haver mais incentivo, até mesmo financeiro. Com esse projeto, conseguimos melhorar a vida das pessoas. Afinal, como lidar com uma enchente ou com um desmoronamento? Como me ajudo ou como ajudo o outro? Vimos isso no Sul e relembramos também o racismo estrutural e ambiental naquela região. O Rio Grande do Sul é um dos estados com maior número de quilombos. Mas onde eles estão? Não vemos pessoas negras nas reportagens porque elas não foram mostradas. O lixo retirado foi transportado para a área em que estão os quilombolas, que sequer estão recebendo dinheiro para reconstruir as suas vidas. São invisíveis e o estado os deixa assim”, ressalta.
Carlos Beltrão, head de criatividade, estratégia e inovação da Zumbi, adianta que, em 2025, a pauta ambiental deve passar a integrar o currículo dos cursos ofertados pela instituição. “A idade média acabou quando surgiu a academia, que refinou a maneira como pensamos. Existe essa responsabilidade de iluminar o caminho. Pesquisa, estudo e extensão, tudo isso faz parte do escopo da acadêmia. Não se trata apenas de formar, mas de formar pessoas que pensam, que vão pensar em novas soluções, testá-las e colocá-las no mercado.”
O profissional relembra o recente falecimento de um homem por mal súbito no Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. O episódio foi marcado pela demora de 40 minutos até a chegada do resgate ao local. “Se em um lugar desse demora para chegar o resgate, imagine o tempo que leva para o socorro chegar em uma comunidade. O que pensamos enquanto universidade é ‘e se capacitarmos essas pessoas para realizarem o primeiro atendimento? Fará diferença?’ Acreditamos que sim. Essa é uma experimentação que vale a pena. Uma área de extensão da universidade para dentro da sociedade que diz ‘nós vamos interferir, sim’.”
Em outubro, a Climáticos esteve também em Luanda, capital de Angola. O reitor José Vicente salienta que, assim como em São Paulo, a cidade conta com uma infraestrutura precária nas regiões periféricas.
“Entendemos que, devido às similitudes, Luanda seria um lugar propício para incluir a nossa intervenção. Fizemos uma abordagem de como as cidades inteligentes poderiam ajudar a produzir políticas públicas mais amplas e instalamos uma das brigadas climáticas, que ficará hospedada na Universidade Independente de Angola.”
*O repórter visitou os espaços dedicados à Brigada Climáticos a convite da universidade.