NOTÍCIA
EUA lideram com o maior número de pesquisadores entre os mais citados (2.507), seguidos pela China (1.406), Reino Unido (563) e Alemanha (332). Apesar de ter apenas 14, o Brasil é o país com mais nomes da América Latina
Publicado em 10/02/2025
A pesquisa de ponta no Brasil, por norma, está relacionada a universidades públicas. Contudo, entre os 14 pesquisadores brasileiros mais citados no mundo segundo o ranking da Clarivate, há dois médicos que conduzem suas investigações em hospitais ligados a faculdades privadas e um economista que é professor de universidade particular. São, é claro, uma exceção, mas uma exceção que mostra que a ciência brasileira de alto impacto não precisa ficar restrita ao sistema público.
Seus nomes apareceram na lista Highly Cited Researchers, um reconhecimento anual a pesquisadores influentes em 20 campos das ciências ao redor do mundo, destacando aqueles que demonstraram impacto “significativo e amplo em suas áreas”, de acordo com publicações e citações em periódicos indexados na plataforma Web of Science, como as tradicionais Nature e Science.
Em 2024, a Clarivate incluiu na lista 6.636 indivíduos, o que representa o top 0,1% da ciência, ou 1 em cada 1.000 membros da comunidade científica global. A relação da empresa, que oferece serviços voltados à análise de pesquisas acadêmicas e científicas, é feita anualmente desde 2014.
O oncologista Carlos Henrique Barrios é o único latino-americano da área de pesquisa clínica que aparece no ranking. Ele é diretor no centro de pesquisas do Hospital São Lucas, ligado à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), trabalhando com testes para o desenvolvimento de novos medicamentos contra o câncer. “É bom que exista um exemplo, para que as pessoas acreditem que é factível. Mas nada disso eu fiz sozinho; não se faz pesquisa sozinho”, salienta o pesquisador.
Barrios conta que em 1981 saiu do Brasil e ficou oito anos nos Estados Unidos para fazer especializações médicas – medicina interna, hematologia e oncologia. “Durante essa parte da minha formação, fui mordido pelo mosquito da pesquisa clínica. Quando voltei, queria trazer para cá pesquisa nos moldes em que era feita nos EUA e Europa”, recorda.
Demorou seis anos, com muita disposição para conversar, negociar e agregar, para finalmente estruturar uma unidade de pesquisa no hospital da PUCRS. “Até aquele momento, não existia pesquisa clínica de forma organizada. Mas eu sabia que queria ser pesquisador e não me interessavam quantas barreiras enfrentaria, eu iria superá-las”, conta.
Desde a criação do centro, já foram executadas centenas de pesquisas, com mais de mil voluntários e dezenas de equipes multidisciplinares. Atualmente, o centro ocupa uma área de mil metros quadrados dentro do Hospital São Lucas, em Porto Alegre. E a pesquisa não é exclusivamente para tratamento de câncer. Durante a pandemia de Covid-19, foram feitos lá estudos da vacina Coronavac, por exemplo.
Carlos Henrique Barrios, diretor do Centro de Pesquisa do Hospital São Lucas, ligado à PUCRS: “não se faz pesquisa sozinho”
O médico defende que o tipo de investigação que faz – estudos clínicos – deveria ser mais propagado pelo país, pois traz vantagens para todos os envolvidos. “Essa menção da Clarivate demonstra que há um reconhecimento para o investigador. Mas a instituição também aumenta sua reputação. Os patrocinadores desenvolvem novas drogas e têm resultados comerciais. E sobretudo os pacientes, que são voluntários na pesquisa, se beneficiam porque ganham acesso a tratamentos novos, que não estariam disponíveis a eles de outra forma”, explica Barrios.
No braço do ensino, as vantagens também são incontestáveis. “É fundamental na formação; os estudantes podem ver como uma nova droga chega na farmácia, como se universaliza uma pesquisa, porque o que se faz aqui tem de seguir o mesmo protocolo do de Londres, Nova York ou Tóquio”, lembra.
Ainda que sejam vários os pontos positivos, os obstáculos também são muitos. Mas, para ele, são desafios que transcendem se a instituição é privada ou pública. Há desde preconceitos e desconhecimento por parte dos pacientes, até a falta de uma política robusta de apoio à ciência. “Nos últimos anos, temos visto um aumento expressivo de investigadores chineses na lista, porque existe um planejamento estratégico do governo. A participação do Brasil dentro desse ranking é muito restrita, sem sinais de que vai mudar. Pela minha experiência, diria até que nossa participação se deve mais a um grande esforço individual do que a apoio institucional”, diz Barrios.
Os EUA lideram com o maior número de pesquisadores entre os mais citados (2.507), seguidos pela China (1.406), Reino Unido (563) e Alemanha (332). Apesar de ter apenas 14, o Brasil é o país com mais nomes da América Latina.
Outra barreira nacional é o direcionamento das verbas de pesquisa para mestrados e doutorados, defende o médico. “O acesso a qualquer recurso de apoio está, na maioria, dependente de um título de mestre ou doutor, coisa que eu, por exemplo, não tenho”, conta. Por fim, a desconexão entre academia e mercado – assim como o preconceito contra aceitar financiamento particular – é mais um entrave que precisa ser vencido para o Brasil ganhar destaque internacional.
Adriano Chimal da Silva, coordenador do centro de pesquisa do Hospital São Lucas, tem como sua missão principal ajudar na sustentabilidade da instituição, equilibrando as necessidades dos projetos e as finanças. “O centro de pesquisa é o hospital, não temos um CNPJ diferente. Muitos dos nossos projetos são patrocinados pela indústria ou têm parcerias, mas nós somos uma instituição sem fins lucrativos, então todos os recursos ficam para o hospital. O caixa é único”, explica.
Mas Chimal da Silva ressalta que o trabalho da pesquisa traz “lucros” para todos do hospital. “Por ser um centro de pesquisa, há um rigor muito grande, protocolos rígidos do início ao fim, controle excelente contra infecções. Isso qualifica a assistência que damos em todo o hospital”, afirma. Essa qualificação não é exclusiva para os médicos, mas para todos os profissionais da saúde – enfermeiros, farmacêuticas, nutricionistas, fisioterapeutas etc. – e estudantes da PUCRS que passam pelo São Lucas.
O reconhecimento da Clarivate é uma consequência de um trabalho feito com muita seriedade, acredita o coordenador, que também defende que há um potencial de influenciar positivamente a reputação do país como um todo. “Esse tipo de lista é uma peça-chave para que novas empresas olhem para o Brasil, vejam que somos capazes de realizar estudos complexos”, afirma.
A sorte de encontrar instituições apoiadoras tornou “recompensadora” a carreira do pesquisador Raul Dias dos Santos Filho, do Hospital Albert Einstein
Por mais dificuldades que a produção científica enfrente no Brasil, Raul Dias dos Santos Filho garante que sua carreira como pesquisador tem sido sobretudo “recompensadora”. “Tive a sorte de encontrar instituições que me deram a possibilidade de crescer na pesquisa. Não sou um gênio, mas sou muito dedicado e tenho boa capacidade de colaboração”, afirma ele, que atualmente faz pesquisas junto a colegas das mais variadas geografias, como China e Emirados Árabes, além de EUA e Europa.
Assim como Barrios, ele é um médico que também se tornou professor e pesquisador. “Meu pai era professor universitário; eu sempre convivi e admirei a vida na universidade, a pesquisa”, conta ele. Sua área de especialidade é a cardiologia; estuda atualmente o controle do colesterol, algo que na lista da Clarivate entrou na categoria “cross field” (ou campo interdisciplinar), porque seus artigos acabam sendo muito citados em endocrinologia e nutrição, assim como em cardiologia.
Desde 2003, Santos trabalha como pesquisador no Hospital Albert Einstein; também é professor do curso de medicina na Universidade de São Paulo. Para ele, parte do destaque que recebeu deve-se ao fato de atuar numa área que interessa ao mundo inteiro. “Estudo a prevenção da doença cardiovascular, que é uma doença multifatorial e a mais frequente do mundo”, explica. O médico lembra que o Brasil pode ter outros pesquisadores de excelência, mas com focos mais locais, que não os levem a ser tão citados internacionalmente. “Todos os rankings têm suas limitações. Não sou melhor que outros que não estão na lista”, ressalta.
Seu grande desafio neste momento é ajudar a formar novos pesquisadores, identificando e atraindo jovens talentos para a área. “Estou ficando velho, já recebi todos os reconhecimentos que poderia esperar. O que quero agora no Einstein é motivar as novas gerações para seguir na área científica, trazer quem está se formando para trabalhar comigo – não só de medicina, mas também de outras áreas. Busco incentivar essa turma a publicar, crescer e brilhar”, diz.
O diretor de pesquisa do Einstein, Luiz Vicente Rizzo, afirma que a pesquisa é essencial para a instituição que almeja excelência
Para o diretor de pesquisa do hospital, Luiz Vicente Rizzo, o investimento em pesquisa é essencial para qualquer instituição que almeja a excelência. “O Einstein tem 1% da receita líquida destinada para pesquisa. É algo que a gente não corta em momentos de dificuldade, assim como não corta os materiais de segurança hospitalar. E não passa pela cabeça de ninguém que a gente possa existir sem fazer pesquisa”, garante ele.
Mais do que ganhar reputação externa, a dedicação à pesquisa cria uma cultura de trabalho positiva para a instituição. “Pesquisar cria um ambiente de insatisfação com o status quo. O pesquisador olha para a realidade como ela se apresenta e se questiona, pensa que talvez o que se faz no momento não seja o melhor jeito, procura sempre onde pode melhorar. Reproduzir o que os outros fazem pode até te fazer bem, mas continuar procurando traz a excelência”, explica Rizzo. Para ele, esse tipo de inquietude propositiva acaba se alastrando para todos os profissionais, assim como para quem está em formação.
Portanto, por mais que os prêmios e reconhecimentos externos tragam satisfação, não é esse o foco do seu trabalho como líder de pesquisa. Como exemplo, citou o médico César Gomes Victora, pioneiro mundial em defesa do aleitamento materno exclusivo. “Ele trabalha com amamentação há 40 anos, mesmo quando isso era uma piada”, afirmou. Atualmente, Victora tem posições honorárias nas universidades de Harvard, Oxford e Johns Hopkins, além de ter entrado na lista da Clarivate (ligado à Universidade Federal de Pelotas, RS). “O valor mais importante é o da busca contínua pela verdade. É um trabalho diário, que independe de reconhecimento”, afirma Rizzo.