NOTÍCIA
Daniel Ximenes, diretor da Seres, fala da importância do acompanhamento da implementação das novas regras do EAD nos próximos meses e comenta novidades, entre elas, a figura do mediador pedagógico
Publicado em 24/07/2025
Daniel Ximenes, diretor da Seres, fala da importância das novas regras do EAD se consolidarem como política de Estado (foto: divulgação)
A Portaria nº 528 do MEC, de julho de 2024, suspendeu a expansão da oferta de cursos de graduação na modalidade EAD e apontou o desafio: garantir a qualidade em meio ao vertiginoso crescimento. Para enfrentá-lo, afirma Daniel de Aquino Ximenes, diretor da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do Ministério da Educação (MEC), eram necessários três elementos articulados: novos referenciais de qualidade, novas normas e avaliação.
“Os novos referenciais de qualidade – aliás, um texto muito bom, merece uma leitura cuidadosa –, que orientam a avaliação do Inep e as diretrizes do EAD que serão debatidas no Conselho Nacional de Educação (CNE) neste ano e no próximo. A elaboração de normas, o decreto e as portarias de regulamentação – lançamos duas delas [506 e 381] e lançaremos mais duas, para organizar a parte regulatória. E estamos em parceria com o Inep para o aprofundamento da avaliação, para melhor captar e induzir a questão do EAD junto aos cursos e instituições.”
O novo marco regulatório do EAD ou, conforme o MEC, a nova política de educação a distância, foi instituído pelo decreto nº 12.456/2025, de maio deste ano. No âmbito da Seres ocorreram as discussões para a concepção das novas regras. Ximenes é servidor público de carreira, especialista em formulação de políticas públicas voltadas à educação. De 2005 até agora já ocupou cargos como o de diretor da Secretaria Executiva do MEC (2007) e de Estudos e Acompanhamento das Vulnerabilidades Educacionais da Secad/MEC (2008 a 2011). Ele aponta os dois cenários que impulsionaram a necessidade premente de novas regras para o setor do EAD – a explosão de tecnologias acompanhada de expansão sem controle de cursos e polos de EAD e a regulamentação defasada.
O primeiro deles é consequência da dinâmica do setor privado, “especialmente considerando que a partir de 2017, com a crise do Fies, o setor se adapta para tentar redistribuir suas metas e estratégias”. As matrículas nos cursos de graduação no EAD, de 2018 a 2023, cresceram 150%, passando de 1,8 milhão de matrículas para 4,7 milhões. “Nesse período, as matrículas em licenciatura, uma área tão estratégica, são cerca de 67% no EAD, sendo que no setor privado essas matrículas atingem 90%, especialmente pedagogia.”
O outro cenário se configurava como uma “dívida do Estado brasileiro”. “Era uma situação que precisava ser enfrentada pelo Estado. Por exemplo, o último referencial de qualidade para essa temática do EAD elaborado pelo MEC era de 2007. As diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o tema do EAD eram de 2016.” Para complexificar, diz o diretor, os polos não eram avaliados pelo Inep e não havia referências de qualidade como orientadores.
Nesta entrevista, Ximenes aborda também a importância do acompanhamento da implementação das novas regras, ao longo dos próximos semestres. E comenta novidades como a criação do mediador pedagógico, a modalidade semipresencial e a nova configuração dos polos de atendimento presencial.
Estabelecemos orientações básicas, definições, por exemplo, do que é o presencial. Não é mais a ideia de presencialidade virtual, é a física, clássica. Também colocamos um conceito novo, que vamos ter de emplacar na interlocução com as instituições daqui por diante – a atividade síncrona mediada. No EAD, temos o clássico entendimento da atividade síncrona e da atividade assíncrona, que permanecem válidas. Às vezes é importante que determinado especialista de uma universidade que mora na capital possa fazer uma palestra para 300, 400 estudantes, de maneira síncrona, e isso é muito relevante. Não estamos descartando as ideias que existem acerca das atividades síncronas e assíncronas.
Colocamos a ideia da atividade síncrona mediada que é importante para o EAD para que, naquela unidade curricular que está sendo desenvolvida, se possam ter alguns momentos em que se entenda a interação como muito relevante. Tivemos experiências boas e aprendemos na pandemia acerca de aulas que eram feitas em que havia interação, até se incentivava isso e se valorizava a necessidade de troca na virtualidade, durante o isolamento. Podemos ter estratégias nessas unidades curriculares, como orientações de estudos e atividades, para o trabalho final, esclarecimento de dúvidas, atividades com metodologias ativas, em que se separam, em salas virtuais, grupos de no máximo 70 estudantes. Isso permite, com o apoio dos mediadores pedagógicos, o incentivo à troca, à interação entre os colegas da turma e dos estudantes com o mediador ou professor. A ideia é valorizar o aspecto relacional.
Não queremos espelhar no EAD o modus operandi do presencial. Mas por que não, em alguns momentos, fazer trocas? Fica como desafio pedagógico para as instituições, para seus projetos pedagógicos, no que se refere ao desenvolvimento dos cursos. Esse é um conceito novo, importante, que foi criado.
Antes do decreto, tínhamos uma polarização – curso presencial e EAD; em ambos os casos, também dentro de um certo sentimento de descontrole. No presencial, fizemos duas mudanças importantes: antes existiam 60% presencial e 40% EAD; aumentamos para 70% e colocamos claramente que o presencial é no sentido clássico do presencial. Anteriormente, a ideia do presencial estava solta, bagunçada.
Também estava solta a ideia do outro lado, do EAD. A legislação anterior não colocava o mínimo de atividades presenciais que deveriam ser cumpridas pelos grupos; colocava apenas o máximo – 30% de atividades presenciais. Nós tínhamos uma profusão de muitos cursos fortemente online, sem nenhum tipo de classificação de áreas e cursos. Então, antes do decreto, tínhamos um cenário em que os dois lados, polarizados, estavam descontrolados.
O semipresencial chega para organizar melhor os formatos de oferta. Alguns cursos precisam dessa configuração, por terem uma carga maior de presencial do que os cursos que podem, de forma mais ampla, ser ofertados a distância. São áreas que precisam de um campo de prática mais acentuado, com laboratórios, exigências maiores de estágio. A portaria 378 estabelece percentual maior para as áreas de saúde, veterinária, engenharias e agricultura. São 40% de atividades presenciais obrigatoriamente, mais 20% de atividades presenciais ou síncronas mediadas, portanto, 60% com interação direta. Essa é a orientação.
Esse é um tema polêmico, o pessoal da saúde reclama, mas é porque é preciso tentar fazer com que a oferta consiga atingir mais municípios, senão ficamos concentrados apenas em municípios que ofertam o presencial. Se conseguirmos estabelecer que os polos tenham infraestrutura – laboratórios, espaços de estudo, salas, etc. – será outro patamar. Hoje, temos uma grande parte dos polos que são apenas comerciais, e agora terão de ser espaços formativos.
Os grandes ofertantes, de fato, têm estratégias que precisam ser devidamente incentivadas para lidar com essas situações mais críticas. O MEC é parceiro do setor privado e no EAD estamos com o mesmo desejo de expansão com qualidade e não podemos admitir polos apenas como salas comerciais. Se queremos atingir trabalhadores, estudantes em situação de pobreza, no mínimo, este polo tem de ter em sua estrutura um laboratório de informática com conectividade, com sala de estudo. Pois a inclusão desse estudante é necessária e é essencial que ele tenha condições para seus estudos.
Até porque entendemos que a presença do setor privado é importante para atingir grandes parcelas da população, os polos têm de ter condição de acolher esses alunos para o seu processo formativo, para usar as tecnologias, desenvolver suas competências digitais que são tão importantes para o mercado de trabalho. É diferencial do EAD, frente aos cursos presenciais, desenvolver melhor essas competências digitais.
O polo também é importante para o aluno fazer estágio e suas atividades de extensão no território. Se não tivermos a ideia de polo nesse sentido, estaremos com uma oferta precária de educação. O aluno precisa de apoio socioemocional, estímulo, senão vai desistir ou fará um curso sem interlocução com o mercado de trabalho, e isso só vai gerar mais frustração no público que precisa ser apoiado e incentivado.
De fato, a Resolução 4 coloca uma exigência de 50% de presencialidade para cursos EAD, portanto, uma carga muito pesada, tornando praticamente inviável a oferta dos cursos de licenciaturas EAD na perspectiva dos polos, que precisam funcionar para estudantes em situação de moradia mais distante, enfim, numa dinâmica diferente. A resolução atual permanece, mas não significa que não precise passar por uma revisão. Não há uma decisão tomada e está em discussão, por meio do MEC e outros atores, se faz sentido manter mesmo 50% ou se pode ter algum tipo de interpretação para um ajuste.
Esse ponto é essencial, especialmente na questão pedagógica, que é tão importante no EAD, em que não temos, como no presencial, aquele professor com o qual o estudante interage toda terça e quinta, por exemplo. O professor regente é aquele que faz com que a dinâmica de aprendizagem dos estudantes – com materiais didáticos, recursos diversos de vídeo, livros, audiobooks, podcasts, laboratórios – aconteça.
Nesse contexto, o mediador pedagógico é fundamental, porque vai mediar o processo de aprendizagem do estudante em diálogo com o professor; ele faz a ponte com o professor regente e o acompanhamento da aprendizagem do estudante, dirimindo dúvidas, inclusive sobre avaliações, orientando atividades e entregas de trabalho. É preciso ter um perfil pedagógico, uma formação acadêmica compatível, preferencialmente com pós-graduação, para que faça esse trabalho, semana a semana. Assim como no presencial temos a rotina semanal, no EAD também precisamos da rotina pedagógica semanal. O estudante precisa estar sempre lendo, fazendo atividades, sendo desafiado com perguntas, participando de desafios.
Observamos nas experiências antes do decreto que o tutor era uma figura indistinta; em alguns lugares era mais alguém que ajudava com as dúvidas administrativas e operacionais. A pessoa que pode ajudar nas questões administrativas é muito útil, talvez até a figura do tutor. Mas essa função pedagógica, de formação, mais próxima da aprendizagem do estudante, próxima das orientações do professor regente, é a do mediador pedagógico.
Um tema como esse não consegue consensos absolutos, mas a construção foi muito participativa, com setores diversos – empresários, estudantes, entidades públicas e privadas. Tivemos uma grande construção e sabemos que os avanços são muito significativos. Uma política de educação a distância não se finaliza com normas. Agora é a implementação. Estamos em diálogo com o setor para fazer oficinas técnicas, um observatório e o CC Pares continua com reuniões. Temos a peculiar preocupação e atenção de que nos próximos dois semestres consigamos a melhor implementação inicial para que haja uma política de Estado; essa é sempre a nossa perspectiva. Que consigamos colocar as estacas, e continuar com o diálogo construtivo, proativo com o setor privado, discutir com especialistas e com o setor público também, porque o tema do EAD público precisa ser alavancado.