Revista Ensino Superior | Novo marco EAD | Mediação pedagógica e tecnologia

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EAD: Mediação pedagógica e tecnologia sob o olhar do novo marco

Como transformar o novo marco regulatório em um catalisador de qualidade, engajamento e inovação pedagógica

EAD Quando bem utilizados, os painéis de BI e os algoritmos de IA não apenas descrevem o comportamento do estudante, mas antecipam tendências (foto: Shutterstock)

Por Luciana Maia*

O novo marco regulatório do ensino a distância abre uma etapa decisiva para a modalidade no Brasil. A partir dele, a mediação pedagógica se tornou um dos pilares de qualidade e os momentos síncronos mediados ganharam status de elemento obrigatório no processo formativo.

Essa mudança, no entanto, vai além da conformidade normativa. Ela convida as instituições de ensino superior a repensarem a própria lógica do EAD, deslocando o foco da transmissão de conteúdo para a interação entre estudantes e destes com os profissionais da educação. A tecnologia deixa de ser apenas uma ferramenta de comunicação, e se torna um meio para engajamento e aprendizagem significativa.

Neste artigo, proponho um diálogo construído a partir de reflexões desenvolvidas no Observatório EAD do Semesp, grupo técnico consultivo que reúne especialistas de ensino superior, gestores e pesquisadores da área. O Observatório EAD foi criado com a missão de monitorar a implementação técnica do novo marco regulatório, com foco em aspectos pedagógicos, tecnológicos e operacionais. Mais do que acompanhar o processo normativo, o grupo busca compreender as implicações práticas das novas diretrizes e propor caminhos que fortaleçam a qualidade e a inovação na modalidade.

O artigo se estrutura por meio de reflexões coletivas do Observatório, de três integrantes do grupo técnico consultivo: Andrea Chagas, coordenadora geral de EAD da Unifor, Cristina Elsner, cientista política e especialista em gestão estratégica, e Manoela Tagliaferro, diretora de graduação de EAD da PUCPR.

 

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São perspectivas que se complementam e convergem em torno de uma questão central: como transformar o novo marco regulatório em um catalisador de qualidade, engajamento e inovação pedagógica.

O debate conduzido no Observatório indica que essa transformação passa pelo uso estratégico dos dados e das tecnologias digitais, capazes de aproximar o planejamento acadêmico das reais necessidades dos estudantes. Mais do que simplesmente monitorar, a IA viabiliza a criação de estratégias educacionais ajustadas ao perfil dos estudantes e alinhadas aos objetivos de aprendizagem e às competências desejadas.

Manoela Tagliaferro observa que ferramentas de Business Intelligence permitem integrar dados acadêmicos, operacionais e institucionais, oferecendo uma leitura abrangente da jornada do estudante e de suas demandas personalizadas. Para Manoela,  essa leitura sistematizada “transforma informações dispersas em inteligência acessível”, tornando possível tomar decisões pedagógicas e institucionais com mais precisão e intencionalidade. A integração entre tecnologia e pedagogia revela um aspecto central: não se trata apenas de coletar dados, é preciso saber interpretá-los e como agir com base neles. Quando bem utilizados, os painéis de BI e os algoritmos de IA não apenas descrevem o comportamento do estudante, mas antecipam tendências, como riscos de evasão, queda de engajamento ou insatisfação.

A IA, nesse sentido, oferece às equipes acadêmicas a chance de planejar momentos síncronos e estratégias de mediação com base em evidências concretas, e não em suposições. Ademais, algoritmos de IA generativa estão pavimentando o caminho para trilhas de aprendizado cada vez mais personalizadas, respondendo aos objetivos individuais de cada estudante.

 

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Cristina Elsner complementa que “uma infraestrutura tecnológica robusta, tanto física quanto digital, é essencial para que as IES possam aproveitar plenamente de recursos emergentes, como a computação em nuvens, interações ao vivo com experimentações por meio de dispositivos conectados e automação, certificação via blockchain e conectividade 5G”. Essas novas tecnologias potencializam a mediação pedagógica ao oferecer recursos inovadores para personalização das experiências de aprendizagem, ampliar a interatividade digital por meio de ambientes colaborativos e integrados, possibilitar o acompanhamento em tempo real do engajamento dos estudantes e facilitar a oferta de práticas educacionais dinâmicas, conectadas com as demandas contemporâneas.A mediação como centro de gravidade.

Na mesma direção, Andrea Chagas enfatiza que a mediação pedagógica é o eixo que articula tecnologia, conteúdo e vínculo humano. Segundo ela, a mediação deve ser entendida como componente estruturante da qualidade dos cursos, conforme os novos Referenciais de Qualidade. Isso implica o uso intencional das tecnologias para promover engajamento, interação significativa e acompanhamento contínuo dos estudantes, ampliando a presença e a atuação docente nos ambientes virtuais.

Para Andrea, as tecnologias digitais precisam estar a serviço da intencionalidade pedagógica. Elas não substituem o professor regente ou o mediador. Pelo contrário, potencializam sua capacidade de construir vínculos, acompanhar trajetórias de aprendizagem e intervir de forma contextualizada. Esse olhar é importante em um país onde a EAD é vivenciada por públicos diversos, de diferentes contextos e condições socioeconômicas. “A personalização das trajetórias é mais do que uma inovação tecnológica – é um imperativo ético da inclusão educacional”.

 

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Cristina Elsner acrescenta que as possibilidades tecnológicas e metodológicas de interatividade em ambientes virtuais permitem uma maior aproximação e enriquecimento da experiência dos estudantes, independentemente da modalidade de oferta do curso. 

As percepções convergem: a mediação tecnológica não se resume ao domínio de ferramentas, mas à capacidade de transformar dados em ação e ação em experiência.

É um movimento que exige da instituição e de seus profissionais maturidade digital, sensibilidade humana e clareza de propósito.

 

Cultura de inovação e maturidade institucional

O cenário de transformação digital nas mais diversas áreas de conhecimento demanda que as IES integrem, em seus projetos pedagógicos de curso, as tendências tecnológicas que estão redefinindo o futuro das profissões. Essa abordagem rompe com a lógica da EAD tradicional, exigindo práticas pedagógicas mais colaborativas e a criação de oportunidades de experimentação educacional potencializada pelo uso de novas tecnologias.

Todavia, as experiências internacionais mostram que a incorporação de tecnologias educacionais só alcança resultados sustentáveis quando ancoradas em uma abordagem sistêmica, integrando políticas de formação continuada para docentes e gestores, curadoria de conteúdo digital e mecanismos eficientes de análise de dados educacionais. Na União Europeia e na Austrália, conforme detacado por Cristina Elsner, foram desenvolvidas diretrizes de maturidade digital docente e institucional, reconhecendo que a transformação tecnológica na educação exige mais do que infraestrutura –  exige cultura. 

Para Cristina Elsner, “é fundamental capacitar os profissionais da educação, como também estudantes, para que o conjunto de soluções tecnológicas produza os resultados esperados – em especial uma educação de melhor qualidade e a maior empregabilidade dos egressos”. A implementação de estratégias de formação continuada é decisiva para promover uma mudança de cultura institucional, fortalecendo o compromisso das IES com a inovação e a aprendizagem ao longo da vida.

 

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No Brasil, o novo marco regulatório e referenciais de qualidade caminham na mesma direção. Ao redefinir papéis e responsabilidades, impulsionam as IES a fortalecerem a governança pedagógica e tecnológica, criando condições para que docentes, mediadores e estudantes possam interagir em um ecossistema mais conectado, analítico e humano. Ainda assim, o avanço da maturidade digital nas Instituições de Ensino Superior ainda é marcado por desafios e oportunidades.

Fomentar uma cultura institucional aberta à experimentação, ao compartilhamento de boas práticas e à avaliação contínua dos impactos das tecnologias educacionais é fundamental para construir essa maturidade. A implementação de trilhas formativas individualizadas, a valorização da formação continuada, a gestão estratégica dos conteúdos digitais e o uso inteligente de dados tornam-se caminhos indispensáveis para ampliar o acesso tecnológico, mas também dar protagonismo aos estudantes e profissionais de educação no processo de ensino-aprendizagem.

 

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A transição para um modelo mais analítico e mediado requer não apenas ferramentas, mas uma nova cultura institucional, pautada na intencionalidade, na cooperação e no protagonismo humano. Quando tecnologia e políticas institucionais caminham juntas, as IES conseguem criar ambientes educacionais mais adaptativos, inovadores e alinhados aos padrões internacionais de maturidade digital. Mais do que infraestrutura tecnológica, o desafio central está na construção de uma cultura digital inclusiva e sustentável, capaz de transformar a educação superior de forma contínua e significativa.

Manoela Tagliaferro destaca que o avanço só será consistente quando as instituições passarem a usar os dados “não apenas para controlar, mas para compreender”. Andrea Chagas reforça que o uso pedagógico dos dados é o que garante o sentido do aprendizado mediado: “é nesse ponto que tecnologia e humanização se encontram”.

Essas reflexões ecoam o propósito do Observatório EAD do Semesp: compreender, com base em evidências, como os dados podem orientar decisões e fortalecer a experiência formativa durante a implementação do novo marco regulatório.

 

Entre dados e vínculos

Ao reunir visões complementares, o grupo do Observatório vem delineando o que pode ser o futuro da EAD no Brasil: um ecossistema de aprendizagem sustentado por visões baseadas em dados, mas guiado pela mediação humana.

A figura do mediador, agora formalmente reconhecida e valorizada nas portarias que regulamentam o decreto, emerge como elemento-chave da qualidade. É ele quem transforma relatórios e indicadores em ações pedagógicas concretas, quem lê sinais sutis de desengajamento e reage com empatia, quem traduz o dado em significado e o algoritmo em acolhimento.

Luciana MaiaA tecnologia ajuda a ver melhor, mas o mediador pode ensinar a escutar. E quando essa escuta se apoia em dados, o resultado é um ensino mais justo, mais participativo e mais próximo da experiência humana que a educação superior deve cultivar.

 

*Luciana Maia é coordenadora da rede de EAD do Semesp e professora de mestrado na Fipecafi.

Por: Ensino a distância | 07/11/2025


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