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Educador de vanguarda

A atuação do poeta Mário de Andrade como educador na primeira experiência pública brasileira de educação infantil

Publicado em 13/09/2012

por Camila Ploennes

Uma longa e turbulenta viagem em alto-mar do Porto de Olinda (PE) rumo a Portugal é o tema da narrativa popular Nau Catarineta. Os personagens do auto, tradicionalmente encenado no nordeste do Brasil, são marinheiros e passageiros, homens que se aventuravam oceano afora para ir de um continente ao outro nos idos do século 16. Após assistir ao balé durante uma viagem à Paraíba, o poeta Mário de Andrade teve a ideia de levá-lo ao conhecimento das crianças. Como? Fazendo uma montagem da dança em um dos Parques Infantis, experiência educacional idealizada e implantada por ele já na década de 1930, na cidade de São Paulo.


O fato de ser uma história sobre homens não impediu o professor de incluir todas as crianças na atividade. A cena é de 1936 e se passa no Parque Infantil Pedro II: “ele colocou os meninos nos papéis dos marinheiros e pensou em um jeito de incluir as meninas, que formaram um coro grego, narrando o conto ao redor do navio”, descreve Ana Lúcia Goulart de Faria, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Fe-Unicamp). “É a prova de que ele pensava a educação dessa faixa etária, não de forma escolar, mas colocando a criança em contato com a cultura brasileira na idade pré-escolar”, completa a docente, que pesquisou a atuação de Mário de Andrade como educador e chefe do Departamento de Cultura de São Paulo na gestão do prefeito Fábio Prado (1935-1938).


O escritor, que se chamava de “crianço” devido ao fato de até depois de adulto tocar campainhas e sair correndo, inventou os Parques Infantis para que as crianças pudessem superar o que ele chamava de “a cultura minúscula dos bancos escolares”. E, ao contrário do que pode parecer pelo nome, o trabalho realizado nesses espaços não era equivalente à pré-escola de hoje, que compreeende crianças de até 5 anos. Eles recebiam os filhos das classes operárias com idade entre 3 e 12 anos de idade para colocá-los em contato com a diversidade cultural brasileira. “Os ‘pré-escolares’, de 3 anos a 6 anos e 11 meses, passavam o dia todo lá, e inclusive encontravam as crianças do grupo escolar, de 7 a 12 anos, que vinham no horário alternado. Quem ia para a escola de manhã frequentava à tarde o parque e vice-versa”, detalha Ana Lúcia.


A professora destaca que os Parques Infantis priorizavam levar educação às crianças por meio da cultura brasileira e não por um viés assistencialista. “Mário de Andrade falava que espalhar a cultura brasileira era função dos governos. Ele nunca saiu do Brasil, mas viajou o país todo e levou as manifestações musicais e teatrais que encontrava para os Parques, contando tudo para as professoras em um trabalho de formação”.


Ainda existem dois Parques Infantis em São Paulo: um no bairro da Lapa, na zona oeste da cidade, e outro no bairro do Ipiranga, na zona sul. Hoje, eles são Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI’s). Além de atuar na educação de crianças por meio de seu trabalho no Departamento de Cultura da capital paulista, Mário de Andrade também analisava a produção artística delas. Colecionou mais de 2 mil desenhos, 40 deles feitos por crianças menores de 3 anos. Esse estoque foi o tema da tese de doutorado da professora Márcia Gobbi, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp). “Os estudos dela mostram que o pensamento de Mário de Andrade não era só dele, mas que se tratava de um olhar modernista sobre as crianças, vistas por esse movimento como inventivas, produtoras de cultura capazes de fazer desenhos maravilhosos ainda muito pequenas, e não como pessoas passivas, obedientes ou desobedientes”, explica Ana Lúcia.
 
Bibliografia
Educação pré-escolar e cultura, de Ana Lúcia Goulart de Faria (Cortez Editora, 2002).
Desenhos de outrora, desenhos de agora: os desenhos das crianças pequenas no acervo de Mário de Andrade, de Márcia Gobbi (Tese de doutorado, Unicamp, 2004).
Mário de Andrade: intelectual múltiplo e professor-aprendiz, de Marcia Gobbi (Educadores brasileiros, Editora Segmento).


Leia mais:


– Homens tentam ganhar espaço num ambiente historicamente dominado pelas mulheres


– Na educação infantil, os homens têm de provar mais do que as mulheres suas competências e habilidades


– O medo da tarefa de alfabetizar pode explicar o pequeno número de homens no ensino fundamental


– O discurso masculino fundamentou a construção histórica da instituição escolar no Brasil

Autor

Camila Ploennes


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