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A eclosão do improvável

Experiência em Boa Vista revela a capacidade humana de romper com a reprodução

Boa Vista do Tupim é um pequeno município da Bahia, localizado na região da Chapada Diamantina. Mais da metade de sua população vive abaixo da linha da pobreza e, dentre estes, mais de 30% vivem abaixo da linha da indigência. Das 54 escolas da rede pública, 87% estão na zona rural e se espalham por uma vasta região. Não há sequer uma banca de revistas e parte considerável da população adulta é analfabeta. Em 2000, 13% dos alunos que terminavam a 1ª série eram alfabetizados. Ao final de 2012, todos os alunos da 1ª série tinham aprendido a ler e escrever!

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Sueide é professora em uma dessas escolas rurais. Formada no magistério, só em 2006 fez o Curso Normal Superior a distância. Ela confessa que a docência não era um sonho. Filha mais velha de uma família simples e numerosa, ser professora era simplesmente uma chance de profissionalização ao seu alcance. Tendo passado por uma experiência similar à de seus alunos, acredita que a escola possa ter para eles o mesmo papel emancipador que teve em sua vida. E tem na iniciação de seus alunos na cultura letrada um compromisso profissional e existencial. Periodicamente eles enfeitam um carrinho de mão e o preenchem de livros de literatura infantil. Em seguida saem pelo povoado a ler histórias para suas mães e avós. Aquelas crianças formam a primeira geração alfabetizada do lugarejo. E compartilham esse saber com seus antepassados, privados desse privilégio que para eles se materializou como um direito.

Ao nos depararmos com a experiência da cidade – seja a partir dos resultados globais da rede, seja a partir de histórias como a de Sueide, – surgem as inevitáveis perguntas: como foi possível? A que atribuir um êxito tão significativo em meio a condições tão adversas? Saímos em busca de um elemento redentor na expectativa de sua possível generalização. E muitos poderiam ressaltar, não sem razão, o fato de que Boa Vista do Tupim, a exemplo de outros municípios da região, tem se beneficiado de um sólido trabalho de formação de professores em serviço que já adentra seu 12º ano. Mas a verdade é que em outros municípios os resultados de iniciativas como essa são menos auspiciosos, ainda que respeitáveis.

Há ainda os que atribuiriam a transformação a indivíduos como Sueide, cujo compromisso institucional e a dedicação profissional se transformam em elementos de superação de adversidades. E, de fato, sem esse admirável empenho, não há política pública capaz de operar uma transformação dessa magnitude.

Claro, podemos elencar vários fatores intervenientes e atribuir o êxito à combinação simultânea de sua presença, o que é bastante razoável e provavelmente verdadeiro. Mas a experiência de Boa Vista, como toda experiência significativa, é singular, contingente, contextualizada. Inútil tratá-la como um experimento científico capaz de, se replicado, reproduzir os mesmos efeitos. Na verdade, sua grande lição é o oposto. O que ela nos revela é a capacidade humana de romper com a reprodução; de criar o novo onde nada de novo se esperava. É como se Sueide, seus alunos e colegas encarnassem, em seus atos e palavras, a máxima de Arendt a nos lembrar que “os homens, embora tenham de morrer, não nascem para morrer, mas para iniciar algo novo”.

*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII – jsfc@editorasegmento.com.br

Autor

José Sérgio Fonseca de Carvalho


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