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Por um fio

O estresse é um mal crônico que também acomete crianças e jovens. Entender os possíveis motivos que levam ao quadro e saber reconhecer seus sintomas é fundamental

Publicado em 04/07/2014

por Ensino Superior

As últimas décadas foram assombradas por uma constatação dos anos 1990 da Organização Mundial da Saúde (OMS): o estresse é uma “epidemia” global. Estranhamente, porém, não se estava diante de uma doença, mas de um quadro de desequilíbrio complexo, indutor de males físicos e mentais. No século 21, vieram outras constatações desconcertantes. Sem que a sociedade percebesse, o estresse havia rompido os limites da faixa etária de maior risco (adultos jovens e de meia-idade). Entravam na roda-viva da epidemia também os idosos e, para espanto de muitos, até mesmo crianças e adolescentes. Assim, ajudar pais, professores e médicos a reconhecerem o fenômeno na faixa mais jovem da população tornou-se uma questão de saúde pública em poucos anos. Seria mais um modismo?

Longe disso, explicam especialistas. A necessidade não nasceu na teoria, mas na prática médica, psiquiátrica e psicológica: os consultórios passaram a receber uma clientela numerosa de crianças e jovens que apresentam males físicos, mentais e comportamentais associados ao estresse. “É algo que vem crescendo muito”, conta Quézia Bombonato, presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Em parte, isso é resultado do aumento da consciên­cia das necessidades da criança e do adolescente. Mas em maior medida decorre da explosão de jovens com sintomas e doenças pouco usuais no passado. Há 30 anos, havia poucos relatos de crianças e adolescentes com úlceras pépticas, por exemplo, ou com quadros de depressão. Mas hoje isso se tornou comum”, explica.

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Definindo o problema
O estresse crônico, também chamado de patológico, é o no­me que se dá ao rompimento do equilíbrio natural do corpo. Manifesta-se como um conjunto de sintomas decorrentes de um sentir-se permanentemente ameaçado por uma sensação de que o conflito é insolúvel e do qual não se escapa. Por isso, esses quadros clínicos nem de longe são relacionados ao que podemos definir como um “bom estresse”, ou seja, aquele estado em que o organismo é desafiado ao combate e à sobrevivência em um evento de curta duração. De acordo com informações do Instituto de Neurociências e Comportamento (INeC) da Universidade de São Paulo, o estresse patológico pode se relacionar com o disparo de vários distúrbios psiquiátricos, como ansiedade, depressão e esquizofrenia. O INeC trabalha com a estimativa segundo a qual 20% das crianças e adolescentes no mundo podem apresentar transtornos mentais. Ou seja, trata-se de uma fatia considerável, mas esquecida nos programas públicos de saúde, em especial em países de média e baixa renda.

Não há números sobre a ocorrência de estresse em menores de idade no Brasil. Mesmo no mundo, há controvérsias. A OMS trabalha com a expressiva marca de 90% da população global, mas sem distinguir faixas etárias e de gravidade – de início, o problema é silencioso, de difícil diagnóstico. Ou seja, as estimativas são sempre amplas.

Por que isso ocorre?
Uma pergunta recorrente, especialmente entre pais e professores, é: por que os pequenos estão sendo afetados? O que há, afinal, com nossos filhos e alunos? Há muitas abordagens consideradas por profissionais, geralmente complementares. Antônio Marco Alvim, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, começa pela mais ampla: são os efeitos de uma sociedade extremamente competitiva e consumista, e de uma forma de viver a vida que se disseminou, solitária e sem garantias. “Há uma pressão intensa sobre os mais jovens para que eles sejam bons em tudo, deem conta de numerosas atividades, se saiam bem em processos seletivos, sejam socialmente bem-sucedidos”, diz. O que vem a seguir são os agravantes, como a ausência da família em razão do trabalho, a falta de rotinas saudáveis em casa, as dificuldades financeiras do lar e a violência doméstica e também no meio externo. Soma-se a isso o quadro de estresse em que os próprios cuidadores adultos podem se encontrar. Isso pode se traduzir em pais e mães impacientes ou desatenciosos, adictos a álcool e drogas, deprimidos – quando não violentos.

O estresse infantil e adolescente também está relacionado à escola e ao meio social. “O bullying, entendido aqui como uma violência diante da qual a vítima fica impotente, sem poder recorrer a nada ou a ninguém, é uma realidade no meio escolar. Assim como outras formas clássicas de brutalidade, como agressões e ameaças à integridade física”, explica o psiquiatra. Para ele, estresse não é um quadro de classe média ou alta. Atinge todos os estratos sociais. O que é diferente, ou seja, atrelado ao poder aquisitivo das famílias, é o socorro aos meninos e meninas, como conta Rodrigo Bressan, psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Seu trabalho é bastante voltado a levar a saúde mental para o universo das escolas públicas. Ele é responsável pelo programa “Cuca Legal”, que tem por objetivo formar professores para reconhecer alunos em sofrimento psíquico.

Saídas e soluções
Contrariando o senso comum, Bressan diz que os professores da rede pública têm formação suficiente para lidar com a complexidade do tema. “O que lhes falta é poder para interferir e informações e técnicas para separar o que é uma atitude natural da idade e manifestações de bom estresse do que pode evoluir para problemas físicos e mentais importantes.” Para ele, o olhar do professor é privilegiado e lapidado pela prática, seu conhecimento dos alunos ajuda a mapear comportamentos fora do padrão habitual do jovem. O que o psiquiatra nota é que faltam informações médicas, para ajudar a separar o “falso-positivo”, ou seja, estudantes em processo de transformações saudáveis, ainda que agudas, do que é patológico e precisa ser tratado. Isso vale para qualquer doença, mas especialmente para o estresse. “Uma vez treinados, professores são ‘empoderados’ para levar o problema para orientadores, que são os responsáveis pelo contato com os pais. Como benefício adicional, mudam sua atitude para com o aluno em sofrimento, o que também ajuda.”

O capítulo do tratamento é o mais difícil. Se pudessem mudar o mundo, psiquiatras e terapeutas receitariam uma vida que só se levava algumas décadas atrás: crianças com muito tempo para brincar; adolescentes com liberdade para caminhar por aí sem riscos e sem contato com situações-limite; um cotidiano mais vagaroso e sem tantas obrigações; paradas sagradas para refeições; famílias capazes de transmitir aos filhos a sensação de segurança no núcleo, afetiva e financeira. Alvim acredita que algumas dessas antigas balizas podem ser seguidas, ao menos as possíveis. Um menor nível de cobrança de filhos estressados, por exemplo, é obrigatório. Assim como mais tempo e disposição para atividades lúdicas e para o “não fazer”. Mas ele lembra que certas realidades não mudarão. “Temos de nos adaptar ao que hoje existe, e buscar outras alternativas para tratar o estresse.”

Favorável a medicamentos em casos graves, ele descarta, porém, os fármacos como solução. “Se você está sem chão, o remédio lhe devolve esse chão, mas é o paciente que terá de dar os passos, sair da paralisia. Ele terá de enfrentar as causas do estresse e mudar sua vida e a forma como vê as coisas”, pondera. A família precisa ser tratada, igualmente, afirma Quézia. “Os pais escolhem alguns caminhos, para desenvolver a todo custo as potencialidades dos filhos, sem se darem conta de que precisam avaliar se a conta não está alta demais.” Para a psicopedagoga, nem todos os pequenos têm ferramentas pessoais para enfrentar escolas “fortes”, atividades em demasia, competições de desempenho, cobranças de resultados.

Há outros pontos que tocam a responsabilidade familiar. Por vezes, filhos acabam sendo depositários dos problemas dos adultos – afetivos, sexuais, financeiros e profissionais. Eles não têm de saber de tudo – porque são impotentes para resolver problemas dessa ordem e não desenvolveram escudos emocionais contra o sofrimento. No extremo oposto, também não têm de contar tudo. “Diálogo é bom, atitudes invasivas são péssimas”, lembra Quézia. Os demais conselhos às famílias às voltas com filhos estressados são clássicos: boa alimentação, exercícios físicos, qualidade de vida – o que inclui tempo para o descanso e o relaxamento. Busca de ajuda médica (para eventual medicação) e psicológica é obrigação. Cuidar da mente tem a mesma importância do que cuidar de alguma parte do corpo que está enferma.

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Ensino Superior


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