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Políticas Públicas

“Eu acredito nos meus alunos”

A paraibana Michele lecionou durante cinco anos numa escola multiciclada da zona rural de Campina Grande. Hoje, é professora de uma unidade regular. A seguir, ela fala à Educação sobre a experiência

Publicado em 17/07/2014

por Maria Fernanda Vomero

 

Divulgação/Francisco Moraes
Alunos da EMEF João Francisco da Mota durante aula de contação de história

Conheci a professora Michele Christiane Alves de Brito, de 35 anos, em minha visita à EMEF do Campo Almirante Tamandaré, localizada no assentamento Antônio Eufrazino, no distrito Catolé de Boa Vista, Campina Grande (PB), no fim do ano passado. Depois de cinco anos trabalhando lá, no início de 2014 ela foi transferida para outra unidade do campo, a EMEF João Francisco da Mota, situada no mesmo distrito campinense, mas muito mais próxima da zona urbana. A primeira escola é multiciclada (em vez de trabalhar com séries, o município adota o sistema de ciclos); a segunda, regular. A EMEF Almirante Tamandaré têm duas turmas: uma que acolhe alunos entre 4 e 8 anos (compreende a pré-escola, o 1º ciclo inicial e o intermediário) e a outra, da qual Michele era professora, que reúne alunos entre 9 e 15 anos (1º ciclo final, 2º inicial e o final, correspondentes aos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental).

Acompanhei parte de uma aula de Michele e me chamou a atenção a desenvoltura com que ela conseguia trabalhar diferentes conteúdos com os distintos grupos de alunos. “Acho muito proveitoso tê-los no mesmo ambiente”, diz. Além disso, em sua classe, havia dois alunos com necessidades especiais, Cassiano e Vitória. Nascida em Campina Grande, morou em São Paulo durante a juventude. Formou-se em Pedagogia e Psicologia, com especialização em Psicopedagogia, e optou voluntariamente por lecionar na zona rural quando foi aprovada no concurso da prefeitura. “Ali comecei a ter uma visão diferenciada da realidade do campo, tomei para mim a luta dos camponeses. Porque, em termos de discriminação, de hierarquização, para muita gente a zona rural está aquém da urbana”, conta. “Abracei essa causa. Meus alunos merecem respeito, não são piores que os da cidade. Eu ensino, mas também aprendo muito.”

Voltei a conversar com Michele para saber como ela avalia a experiência de ter deixado uma sala multiciclada para assumir uma turma em que todos os estudantes estão no mesmo ciclo. Abaixo, os destaques da entrevista:

* Classe multiciclada
“Nunca pensei que seria uma defensora da escola multiciclada, mas hoje sou. Essa diferenciação de níveis de ensino, essa heterogeneidade, favorece a aprendizagem. Ao passar três anos com uma professora só, acompanhando a didática dessa professora e sua metodologia, o aluno chega ao 5º ano tendo amadurecido muito. Hoje posso comparar: se a realidade do multiciclo for bem aproveitada, pode funcionar bem e se tornar um trabalho belíssimo, riquíssimo.”

“Em termos profissionais, logicamente o trabalho numa turma seriada é mais fácil – entre aspas – porque há um objetivo só, um único conteúdo para cumprir. Quando eu tinha três turmas numa sala, eram três os objetivos a cumprir. Mas
você trabalha três anos com os alunos, ao longo dos quais eles vão crescendo, amadurecendo. Quando dou um conteúdo para uma das turmas, os outros estão participando. Então, quando passam à série seguinte, chegam enriquecidos.”

“É lógico que lecionar numa classe multiciclada demanda trabalho! É importante que haja prática, que o conteúdo envolva o cotidiano deles, a realidade deles. O professor do campo não pode se limitar a algo meramente teórico.”

“Trabalhava o mesmo tema com as três turmas, mas com conteúdos diferentes. Em geral, passava atividades primeiro aos do 5º ano, depois aos do 4º e me dedicava, então, aos do 3º. Também usava o jogo para potencializar o tempo e a aprendizagem.”

* Compromisso
“Para mim, a palavra-chave é comprometimento. Há dificuldades, sempre. Mas acredito tanto nisso, no que faço – e não é nada perfeito –, e nos meus alunos que isso se torna determinante. E, na medida em que acredito neles, eles também acreditam que são capazes e daí crescem. Esse é o diferencial. Todo lugar oferece desafios, porque lidar com o outro e com aprendizagem tem suas especificidades. Atualmente, embora seja uma turma só, existem heterogeneidades. Tenho alunos que não aderem ao processo de aprendizagem, por exemplo. Uso a psicologia para lidar com eles, sem me deter nos rótulos e assim conseguir enxergar a subjetividade. “

* Particularidades do campo
“Na Almirante Tamandaré, eu tinha muita liberdade de usar o espaço exterior, podia sair, fazer uma leitura embaixo de uma árvore, explorar a vegetação e as plantações, porque a escola fica numa área de assentamento. A escola em que estou hoje está cercada por propriedades privadas, então não posso levar meus alunos para andar no entorno.”

“Embora dividam a mesma zona rural, as realidade dos estudantes das duas escolas são totalmente diferentes. Meus antigos alunos tinham um contato maior com a prática agrícola, ajudavam as famílias, atuavam na terra diretamente. Diziam: ”ah, professora, fui botar água para os bois, soltar os bichos…” Os alunos de hoje aproveitam mais a vida de criança, brincam mais. Nem todos os pais trabalham com agricultura, muitos buscam sua subsistência mais próximos das áreas de urbanização.”

Autor

Maria Fernanda Vomero


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