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A infância que se faz ouvir

Com humor sagaz, obra infantojuvenil do começo do século 20, que dá longevidade ao diário de um menino italiano, pode ensinar os adultos a refletir sobre o tratamento dispensado às crianças até hoje

Publicado em 29/01/2013

por Camila Ploennes





Verdadeiro clássico da literatura italiana, o Giornalino di Gian Burrasca, ou O diário de Gian Burrasca, de Luigi Bertelli (1858-1920), não só é lido até hoje, como se faz presente no dia a dia dos italianos. Isso porque o termo “giamburrasca”, cunhado pelo sucesso do livro, é usado para se referir a crianças consideradas muito travessas na Itália. O Burrasca do título quer dizer “tempestade” e é o apelido de Giannino Stoppani, um menino de nove anos que vive com sua família na Florença do início do século 20, apenas algumas décadas após a unificação da Itália. Portanto, em um contexto social completamente diferente do atual, Gian foi uma criança agitada, que arrumava confusão quando queria e quando não queria. Como qualquer criança, em qualquer época, ele descobria, a cada traquinagem sua, as contradições dos adultos, que ditavam que o certo era dizer sempre a verdade, mas que nem sempre faziam o que ensinavam. Quando ganhou um caderno de presente de aniversário, não pensou duas vezes. Começou um diário, escrito a caneta-tinteiro.
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É justamente a essa falta de sinceridade do mundo adulto a crítica central do autor, o jornalista político e ilustrador conhecido como Vamba. Por isso, ele mesmo dedicou o livro às crianças, para que pedissem para seus pais lerem. Há ainda um ar de mistério que envolve a concepção da obra e instiga sua leitura: Vamba declarava ter encontrado o diário por acaso e, então, completado e revisado seu conteúdo.


Essa versão do autor ganha contornos de realidade quando sua voz intervém para explicar os desenhos, presentes ao longo de todo o diário, e no desfecho da história em que Gian acaba se envolvendo em uma confusão política por falar a verdade, segundo os adultos, “na hora errada”. Antes disso, no dia 16 de outubro de 1906, quando o menino decide fugir para a casa de sua tia Bettina, Vamba conta que, neste ponto, “o diário de Gian Burrasca tem uma página amassada e quase toda ocupada pela marca de uma mão suja de carvão, acima da qual se lê, com letras grossas e incertas, como se tivesse sido escrita com um pedaço de carvão, a frase ‘Morro pela liberdade’, interrompida por um rabisco”.


Antes de fugir, Giannino explica em seu diário que sair de casa é sua única saída para fazer os pais e as irmãs entenderem que “as crianças devem ser corrigidas, mas sem usar de pancadas, porque, como nos ensina a História, que conta as crueldades dos austríacos contra os maiores patriotas italianos quando eles conspiravam pela liberdade, as pancadas podem ferir a carne, mas não podem apagar as ideias”. Como se pode ver, seus argumentos são perspicazes e surpreendentes, tanto quanto os conflitos com os quais se envolve.


O diário de Gian Burrasca, de Luigi Bertelli (Vamba), tradução de Reginaldo Francisco (Autêntica, 248 págs., R$ 35)


Outras leituras


A palavra mágica, de Moacyr Scliar (Moderna, 112 págs., R$ 37,50)
Quem narra a história em primeira pessoa é a própria palavra mágica. Ela não diz seu nome, deixa isso para o fim, mas diz a que veio: contar uma história sobre um vocábulo com poderes extraordinários, mas não como “abracadabra” ou “Shazam”. A palavra é uma senha perdida, que Pedro, um menino de 14 anos, vai ajudar seu avô, Lutécio, a encontrar.


As travessuras de Juca e Chico, de Wilhelm Busch, tradução de Claudia Cavalcanti (Iluminuras, 64 págs., R$ 38)
Sátira alemã de 1865, Max und Moritz (nome original) já foi traduzido para o português por Olavo Bilac, que deu os nomes de Juca e Chico aos meninos arteiros protagonistas da história. O texto, uma crítica à burguesia, antecipa em sua primeira página que o destino da dupla não é “água com açúcar”. Mesmo assim, o leitor irá se surpreender com o destino dos dois meninos espoletas, que têm suas malcriações narradas em rimas acompanhadas por uma sequência de ilustrações que lembram histórias em quadrinhos.


O nome da manhã, de Marina Colasanti (Global, 60 págs., R$ 42)
Rimando e ilustrando, a autora passa por temas como a ansiedade típica da infância, a exemplo da menina que coloca sapato de adulta e acaba com uma bolha no pé, e cenas tão cotidianas quanto o gari ouvindo música enquanto recolhe o lixo, os ruídos típicos do trabalho na cozinha e o sobe-e-desce de um elevador. 


O ramo, o vento, de Octavio Paz, ilustrações de Tetsuo Kitora e tradução de Horácio Costa (Autêntica, 24 págs., R$ 28)
Os versos do poeta mexicano fazem um convite à contemplação de elementos e paisagens da natureza que se repetem e são belas em sua simplicidade, tais como “as nuvens que flutuam” e o pássaro que “canta na ponta do pinheiro”.

Autor

Camila Ploennes


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