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Políticas Públicas

Antigas demandas, novo cenário

Após adiamento em fevereiro, Conferência Nacional de Educação tem como um de seus temas centrais o financiamento da área com maior participação do governo federal, mas enfrenta o desafio de ter suas deliberações ouvidas pelo Executivo

Publicado em 12/01/2015

por Deborah Ouchana

Reunidas em um grande salão do Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, cerca de 2,6 mil pessoas escutam atentamente a leitura de um texto. São professores, gestores educacionais, pais, alunos, pesquisadores e representantes de movimentos sociais de todo o país que compõem o grupo de delegados da II Conferência Nacional de Educação (Conae 2014), realizada entre os dias 19 e 23 de novembro. Eleitos ao longo de 2013, durante as conferências municipais e estaduais os delegados chegaram à etapa nacional com a missão de debater as prioridades da área nos próximos anos e de elaborar um documento que tem como um de seus objetivos cobrar a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), assim como a regulamentação de pontos-chave para o cumprimento de suas 20 metas.

Objeto de intensa discussão e fator fundamental para a garantia de uma educação de qualidade, o financiamento da área esteve no centro das deliberações. A homologação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) até maio de 2015 e sua implementação em 2016, como prevê a meta 20 do PNE, é uma das exigências da Conae. O recurso calcula o custo por aluno a partir de padrões mínimos de qualidade, como número de alunos por sala, valorização docente e infraestrutura, e deve aumentar em R$ 37 milhões a transferência da União para estados e municípios via Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Outra demanda da Conae é a destinação de 100% dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal para a educação.  “A Conferência exige que o CAQi seja implementado e que para isso o Fundeb deve ser irrigado com os recursos oriundos da exploração do petróleo”, diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele explica, no entanto, que hoje não há garantia de que esse seja um recurso significativo para a área, uma vez que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) vem reiteradamente reduzindo o custo do petróleo.

“Não dá para prever hoje se de fato teremos um recurso pujante oriundo do petróleo. Isso não está debatido na Conae, mas é uma novidade relevante”, ressalta. Nesse caso, Cara destaca a necessidade de uma reforma tributária e aponta outros caminhos deliberados na Conae, como a volta da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira) e a regulamentação do imposto sobre Grandes Fortunas.

Ainda sobre o financiamento, a destinação de dinheiro público exclusivamente para a educação pública foi aprovada pelos delegados presentes – o PNE abre uma brecha para que parcerias público-privadas recebam aportes do governo –, além da ampliação do investimento feito por estados e municípios de 25% para 35% das receitas arrecadadas e a retirada da educação da Lei de Responsabilidade Fiscal, medida considerada fundamental para a valorização docente.

Valorização
A remuneração dos professores é o grande entrave quando se fala na valorização da carreira docente. Apesar de a Lei do Piso Nacional do Magistério ter sido sancionada em 2008, muitos estados e municípios não conseguem cumpri-la e, segundo Heleno Araújo, secretário de educação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e coordenador do eixo de valorização na Conae, um dos motivos para isso é a Lei de Responsabilidade Fiscal.  Uma vez que ela determina um teto de custo, a lei coíbe uma progressão maior na carreira dos professores.

“Muitos secretários argumentam que não podem reajustar o salário dos profissionais porque ultrapassariam o limite da lei”, explica. Heleno destaca o cumprimento da Lei do Piso como um dos maiores desafios e lembra também que a Conae votou pela criação de um plano de carreira unificado para todos os profissionais da educação. 

Outra questão debatida foi a da jornada de trabalho e da exclusividade do professor em uma única escola. “Para a educação ser trabalhada como direito do cidadão, ela tem de garantir a qualidade para que de fato os alunos aprendam. Essa qualidade depende de algumas ações importantes e uma delas é o vínculo do professor com uma só escola”, argumenta Heleno.  Ele destaca também que metade da carga horária deve ser usada dentro da sala de aula e a outra fora, não só para a elaboração de aulas e avaliações, mas também para a relação direta do professor com a comunidade escolar. “Essa exclusividade é o caminho para que estes profissionais possam fazer com que a escola tenha uma vida mais dinâmica e participativa”, acredita. 

Diversidade e inclusão
O Eixo 2, que tratava da diversidade e inclusão educacional, foi o que teve maior participação de delegados e causou grande comoção durante os colóquios e as plenárias. “As pessoas que estão ali representam suas comunidades, então são questões muito
pessoais também”, aponta Toni Reis, da secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) e coordenador do eixo. Segundo o coordenador, o eixo reúne 40 grupos diferentes, como negros, indígenas, homossexuais, pessoas com deficiência, população do campo, povos itinerantes, entre outros.

Diferentemente do que está no PNE, a Conae reitera a necessidade de escolas inclusivas e não abre possibilidades para a criação de escolas especiais. Além disso, os termos gênero, raça e etnia, orientação sexual e regionalidade, suprimidos do PNE sob o argumento de que todos os tipos de discriminação são iguais, reaparecem no documento final da conferência.

Para Macaé Evaristo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), a questão da diversidade e inclusão é ainda muito jovem na agenda educacional. “Por isso a importância das conferências, que reafirmam o pressuposto da democracia e o direito da participação popular. Sem isso, é pouco provável que o Brasil avance nessas pautas”, afirma.

Poder de influência
Após ter sido adiada em fevereiro sob a alegação de problemas na organização do evento, resta a dúvida sobre como as demandas da Conae 2014 serão recebidas pelo governo. Mesmo com o Plano Nacional de Educação já aprovado, Daniel Cara aponta caminhos para que os debates do encontro tenham algum poder de influência. Ele lembra, por exemplo, que em seu quinto ano de vigência o plano será revisto. Além disso, o PNE é uma lei ordinária e uma lei complementar deve ser aprovada até 2016 – a lei do Sistema Nacional de Educação (SNE).

Os participantes da conferência ressaltaram também a importância dos debates para orientar os estados e municípios na elaboração de seus planos. Para Francisco das Chagas Fernandes, coordenadorgeral do Fórum Nacional de Educação (FNE), se antes a responsabilidade era aprovar o PNE, hoje elas são inúmeras. Ele relembra as conquistas da primeira Conae e da Conferência Nacional da Educação Básica, de 2008, de onde saiu a obrigatoriedade do ensino para crianças de 4 a 17 anos. “O projeto de PNE apresentado pelo governo acatou muitas questões vindas da Conae 2010. Outras não, mas ter uma proposta saída de um movimento representativo da sociedade brasileira trouxe força para que conquistássemos no Congresso os 10% do PIB”, disse em entrevista coletiva.

Presente no segundo dia da Conferência, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a educação é prioridade número um de seu governo e que o encontro é uma vitória da participação popular, ao mesmo tempo que prometeu estabelecer o diálogo com a sociedade sobre os rumos da área.

Na avaliação de Daniel Cara, o discurso da presidente não condiz com suas ações no primeiro mandato, nem com as da gestão anterior. “O presidente Lula não ouviu a sociedade e editou um PNE que não correspondeu às deliberações da Conae de 2010, assim como a presidente Dilma fez uma gestão bem diferente do que foi deliberado. Esperamos que com a 2014 seja diferente”, enfatiza.

Já na opinião de Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), apesar de a conferência ter perdido seu tempo político, a vinda da presidente ao evento é representativa, pois mostra a importância do movimento da educação. “São 2,6 mil delegados juntos que representam da educação infantil à pós-graduação. Poucas vezes temos condições de ter essa mistura, um encontro que gere discussões como essa. Acho que todos nós aprendemos com o processo”, pondera. A professora acrescenta ainda que não pode ser idealista em afirmar que a conferência tem o poder de mudar decisões do governo, mas acredita que sempre é possível usá-la como forma de cobrança das demandas da sociedade.

Autor

Deborah Ouchana


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